Trapoeraba: Guia Completo de Identificação e Manejo na Lavoura

Engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Fitotecnia focado em plantas daninhas.
Trapoeraba: Guia Completo de Identificação e Manejo na Lavoura

Qual produtor nunca enfrentou dificuldades no manejo da trapoeraba? Essa preocupação é compreensível. Afinal, essa planta daninha é uma das mais persistentes, pois se reproduz de várias formas: por sementes aéreas, sementes subterrâneas e até por pedaços de seus ramos. Para complicar, ela ainda apresenta tolerância a alguns herbicidas.

Nem mesmo a tradicional capina com enxada consegue resolver o problema de forma definitiva, muitas vezes apenas espalhando os pedaços da planta e piorando a infestação.

Então, como realizar um manejo eficiente da trapoeraba? Qual é o momento ideal para o controle e quais são os herbicidas mais indicados para cada situação?

Neste guia prático, vamos detalhar tudo o que você precisa saber para controlar essa planta daninha de forma estratégica.

Identificação das Principais Espécies de Trapoeraba no Brasil

Conhecer o inimigo é o primeiro passo. No Brasil, três espécies de trapoeraba são mais comuns. Saber diferenciá-las ajuda a ajustar o manejo.

Commelina benghalensis

Esta é a espécie mais comum no Brasil, infestando lavouras anuais, culturas perenes e até mesmo hortas.

  • Ambiente preferido: Gosta de solo fértil, úmido e com alguma sombra.
  • Como identificar: A principal característica são suas flores com três pétalas, sendo uma delas bem menor que as outras duas. Suas folhas também são geralmente mais largas em comparação com as outras espécies.

close-up da flor da Trapoeraba (Commelina benghalensis), uma conhecida planta daninha em lavouras brasileir (Fonte: Popovkin, 2013)

Commelina diffusa

É uma espécie bastante frequente em quase todo o país, sendo um problema principalmente em cultivos perenes como pomares e cafezais.

  • Ambiente preferido: Prefere solos férteis, com boa umidade e locais semi-sombreados.
  • Como identificar: Suas folhas são mais finas e compridas, lembrando a folha de uma gramínea. Diferente da benghalensis, esta espécie não possui rizomas (caules subterrâneos).

close-up detalhado da planta daninha conhecida como trapoeraba (gênero Commelina), em seu ambiente natural. (Fonte: Meyer, 2012 – Flora Digital UFRGS)

Commelina erecta

Apesar de ser menos comum em lavouras, também pode causar problemas em cultivos perenes.

  • Ambiente preferido: Desenvolve-se bem em solo fértil e úmido. É mais sensível a geadas e ao revolvimento do solo com implementos.
  • Como identificar: Possui rizomas, mas eles não produzem sementes. Suas flores têm duas pétalas grandes e azuis e uma terceira bem pequena, quase invisível. Seu florescimento vistoso faz com que, às vezes, seja cultivada como planta ornamental.

close-up detalhado de duas flores de trapoeraba (gênero Commelina), uma planta daninha comum em lavouras br (Fonte: Evangelista, 2017)

Como a Trapoeraba Prejudica sua Lavoura

A presença da trapoeraba vai muito além da competição por recursos. Seus danos são diretos e indiretos, afetando a produtividade de várias maneiras.

Em lavouras de milho, a infestação afeta a fisiologia da cultura, diminuindo a capacidade da planta de realizar fotossíntese e de transpirar adequadamente.

Para a cultura da soja, estudos mostram que a trapoeraba tem uma habilidade competitiva muito parecida com a da própria soja. A densidade da infestação é o que determina o tamanho do prejuízo.

Veja estes dados de pesquisa:

Além da competição direta por luz, água e nutrientes, a trapoeraba causa outros problemas:

  • Dificulta a colheita mecânica, pois seus ramos se enrolam nas plataformas.
  • Aumenta a umidade dos grãos colhidos, o que eleva os custos de secagem e armazenagem.
  • Serve de hospedeira para pragas e doenças, como o percevejo marrom e o nematoide das galhas, que depois atacam a cultura principal.

Por que a Trapoeraba é Tão Difícil de Controlar?

O manejo eficiente da trapoeraba exige entender sua biologia complexa. Uma boa notícia é que, até o momento, não há casos registrados de resistência a herbicidas para espécies de trapoeraba no Brasil. Mundialmente, existe apenas um registro de resistência da Commelina diffusa ao 2,4-D nos Estados Unidos.

Isso significa que nossas ferramentas químicas ainda funcionam. O desafio é usá-las corretamente, evitando a seleção de plantas resistentes. Para isso, precisamos conhecer as defesas naturais dessa planta.

Uma única planta de trapoeraba pode produzir até 1.600 sementes!

uma visão macro de sete sementes da planta daninha parasita Orobanche ramosa, conhecida como erva-toira-ramo (Fonte: Scher, 2019)

O grande diferencial dessa planta daninha é sua capacidade de se reproduzir de múltiplas formas:

  1. Quatro tipos de sementes: Ela produz dois tipos de sementes na parte aérea e dois tipos na parte subterrânea.
  2. Propagação por ramos: Pedaços de seus ramos, quando em contato com solo úmido, enraízam e formam novas plantas facilmente. É por isso que a capina mecânica ou manual pode acabar espalhando a infestação.

Esta imagem é uma prancha botânica composta por nove fotografias detalhadas, identificadas de A a I, que ilustram as caracter (Fonte: Pellegrini e Forzza)

close-up detalhado do sistema radicular de uma planta de amendoim (Arachis hypogaea), recém-retirada do sol (Fonte: Matos de Comer)

As particularidades que dificultam o manejo

  • Sementes aéreas: São responsáveis por espalhar a planta para novas áreas. Elas germinam quando estão mais próximas da superfície, a uma profundidade de até 2 cm.
  • Sementes subterrâneas: Produzidas nos rizomas (caules que crescem debaixo da terra), garantem que a planta sobreviva na mesma área por muito tempo. Elas são mais difíceis de controlar, pois conseguem germinar a até 12 cm de profundidade. Por isso, o simples preparo do solo não é tão eficiente para impedir sua emergência.
  • Dormência das sementes: As sementes de trapoeraba possuem dormência, que é um mecanismo natural que impede a germinação, mesmo quando as condições são favoráveis. Isso faz com que as plantas nasçam em vários fluxos ao longo do tempo, muitas vezes escapando do período de controle com herbicidas.
  • Proteção natural das folhas: Quando a trapoeraba se torna adulta, suas folhas desenvolvem barreiras físicas. Elas acumulam mais tricomas (pelos) e uma camada de cera, que dificultam a absorção e o transporte do herbicida para dentro da planta.

Esta imagem é uma composição de quatro micrografias de varredura eletrônica que revelam a ultraestrutura da superfície de uma (Fonte: Monquero, 2005)

Por todas essas razões, a regra de ouro é clara: o controle químico deve ser feito com plantas pequenas, no estágio de 2 a 4 folhas.

A seguir, vamos ver as estratégias de manejo mais eficazes para o sistema soja-milho.

Manejo de Trapoeraba na Entressafra do Sistema Soja-Milho

O controle na entressafra (outono/inverno) é fundamental para reduzir o banco de sementes e começar a safra principal com a área mais limpa.

Herbicidas Pós-emergentes (Aplicação em Plantas Já Nascidas)

O segredo para a eficiência na pós-emergência é aplicar nos estágios iniciais da trapoeraba (até 4 folhas), quando ela é mais vulnerável.

Além disso, a tecnologia de aplicação é crucial. Como a planta possui defesas naturais, uma boa cobertura do alvo é indispensável. Evite baixo volume de calda; o recomendado é não usar menos que 100 L/ha.

Glifosato

  • Eficácia: Bom controle em plantas jovens (até 4 folhas).
  • Recomendação: Use aplicações sequenciais. A primeira com 2,0 L/ha e a segunda com 1,5 L/ha.

Carfentrazone

  • Eficácia: Ótimo controle em pós-emergência, especialmente em plantas pequenas.
  • Recomendação: Geralmente associado a herbicidas sistêmicos como o glifosato para ampliar o espectro de ação. Doses variam de 59 a 75 mL/ha.

2,4-D

  • Eficácia: Eficiente no controle de plantas jovens (até 4 folhas).
  • Recomendação: Doses de 1,0 a 1,5 L/ha.

Chlorimuron

  • Eficácia: Utilizado na primeira aplicação do manejo sequencial sobre plantas pequenas, fornecendo também efeito residual no solo.
  • Recomendação: Associado a herbicidas sistêmicos (ex: glifosato). Doses de 60 a 80 g/ha.

Herbicidas Pré-emergentes (Ação no Banco de Sementes)

Esses produtos formam uma barreira química no solo, controlando as sementes que ainda não germinaram.

Flumioxazin

  • Ação: Possui ação residual para controlar o banco de sementes.
  • Recomendação: Pode ser usado na primeira aplicação do manejo de outono (associado a glifosato e 2,4-D) ou no sistema “aplique e plante” da soja. Doses de 50 a 60 g/ha.

Sulfentrazone

  • Ação: Herbicida com excelente efeito residual sobre o banco de sementes.
  • Recomendação: Usado no manejo de outono, associado a produtos sistêmicos. A dose recomendada é de até 0,5 L/ha. Atenção: há grande variação na seletividade entre as cultivares de soja, então verifique a compatibilidade.

Manejo na Pós-emergência das Culturas de Soja e Milho

Se a trapoeraba escapar do controle na entressafra, ainda existem opções para aplicação com a cultura já estabelecida.

Soja

Na pós-emergência da soja, o chlorimuron pode ser uma opção, sempre respeitando as recomendações de bula. Se a variedade de soja for RR (resistente ao glifosato), podem ser feitas aplicações sequenciais de glifosato.

Milho

Atrazina

  • Eficácia: Bom controle quando a trapoeraba está em estágios iniciais (até 4 folhas).
  • Recomendação: Doses de 4 a 5 L/ha, ajustadas conforme as características do solo (teor de argila e matéria orgânica).

Nicosulfuron

  • Eficácia: Aplicado na pós-emergência do milho, quando as plantas daninhas têm de 2 a 6 folhas.
  • Recomendação: Doses de 1,25 a 1,5 L/ha, sempre com adição de óleo mineral. Cuidado: Verifique a suscetibilidade do seu híbrido de milho a este produto.

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Conclusão

Neste artigo, vimos a importância de um manejo estratégico para a trapoeraba, uma das plantas daninhas mais desafiadoras para a agricultura brasileira.

Aprendemos que o primeiro passo é conhecer a biologia da planta para entender por que ela é tão persistente. A chave para o sucesso está em atacar suas fraquezas.

As principais dicas são:

  • Identifique a espécie presente na sua área para ajustar o manejo.
  • Conheça a biologia: Lembre-se das sementes subterrâneas, da dormência e da propagação por ramos.
  • Aja no momento certo: O controle é muito mais eficaz em plantas pequenas (2 a 4 folhas).
  • Capriche na aplicação: Use o volume de calda e a tecnologia adequados para garantir uma boa cobertura.

Espero que, com essas informações, você consiga implementar um manejo mais eficiente da trapoeraba em sua lavoura e proteger seu potencial produtivo


Glossário

  • Banco de Sementes: Refere-se à reserva total de sementes de plantas daninhas viáveis presentes no solo. O manejo na entressafra visa reduzir esse banco para diminuir infestações futuras.

  • Dormência (de sementes): Um estado natural em que a semente não germina, mesmo com condições ideais de umidade e temperatura. Na trapoeraba, isso causa múltiplos fluxos de nascimento, dificultando o controle em uma única aplicação.

  • Entressafra: Período entre a colheita de uma cultura principal (ex: soja) e o plantio da próxima (ex: milho safrinha ou a soja seguinte). É uma janela estratégica para o controle de plantas daninhas como a trapoeraba.

  • Herbicida Pós-emergente: Produto aplicado sobre as plantas daninhas que já germinaram e estão visíveis. No artigo, exemplos como Glifosato e 2,4-D são recomendados para controlar a trapoeraba em seus estágios iniciais.

  • Herbicida Pré-emergente: Produto aplicado no solo para controlar as sementes de plantas daninhas antes que elas germinem. Herbicidas como Flumioxazin e Sulfentrazone formam uma barreira química no solo.

  • L/ha (Litros por Hectare): Unidade de medida para a taxa de aplicação, indicando quantos litros de calda (mistura de água e produto) são pulverizados por hectare (10.000 m²). O artigo recomenda não usar menos de 100 L/ha para um bom controle da trapoeraba.

  • Planta Daninha: Qualquer planta que cresce onde não é desejada, competindo com a cultura principal por luz, água e nutrientes. A trapoeraba é um exemplo clássico devido à sua alta capacidade competitiva.

  • Rizomas: Caules subterrâneos que crescem horizontalmente, capazes de armazenar nutrientes e gerar novas plantas. É um dos principais motivos da dificuldade de controle da trapoeraba, pois permite sua sobrevivência e multiplicação mesmo após o controle da parte aérea.

  • Tricomas: Estruturas semelhantes a pelos finos na superfície das folhas. Na trapoeraba adulta, os tricomas, junto a uma camada de cera, criam uma barreira física que dificulta a absorção de herbicidas.

Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios

O manejo eficaz da trapoeraba, como detalhado no artigo, exige um planejamento preciso das aplicações e um controle rigoroso dos custos com defensivos. Registrar cada operação e saber o momento exato de agir são desafios constantes. Um software de gestão agrícola como o Aegro simplifica esse processo, permitindo o planejamento e acompanhamento de todas as atividades no campo, além de centralizar o controle de custos por talhão.

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Perguntas Frequentes

Qual é o principal erro a ser evitado no controle químico da trapoeraba?

O erro mais comum é aplicar o herbicida quando a planta já está adulta. O controle químico é mais eficaz quando a trapoeraba está em seu estágio inicial, com 2 a 4 folhas. Após essa fase, ela desenvolve barreiras físicas, como uma camada de cera e mais pelos (tricomas), que dificultam a absorção do produto.

Por que a capina com enxada pode piorar a infestação de trapoeraba?

A trapoeraba possui uma alta capacidade de propagação por meio de pedaços de seus ramos. Ao usar a enxada, os ramos são cortados e espalhados pela área. Se esses pedaços entrarem em contato com o solo úmido, eles podem enraizar e dar origem a novas plantas, aumentando a infestação em vez de controlá-la.

Além da competição por luz e nutrientes, de que outras formas a trapoeraba prejudica a lavoura?

A trapoeraba causa danos indiretos significativos. Seus ramos podem se enrolar nos equipamentos, dificultando a colheita mecânica, e sua presença aumenta a umidade dos grãos colhidos. Além disso, ela serve como hospedeira para pragas e doenças, como o percevejo marrom e o nematoide das galhas, que podem atacar a cultura principal.

Qual a diferença entre usar herbicidas pré-emergentes e pós-emergentes para a trapoeraba?

Herbicidas pré-emergentes, como o Flumioxazin, são aplicados no solo e formam uma barreira química para impedir a germinação das sementes do banco. Já os herbicidas pós-emergentes, como o Glifosato e o 2,4-D, são aplicados diretamente sobre as plantas que já nasceram, sendo mais eficazes nos estágios iniciais de desenvolvimento.

O que fazer se a trapoeraba escapar do controle na entressafra e infestar a lavoura de soja ou milho?

Ainda existem opções de manejo na pós-emergência da cultura. Para a soja RR, podem ser feitas aplicações sequenciais de glifosato. No milho, herbicidas como Atrazina (em plantas com até 4 folhas) e Nicosulfuron (em plantas com 2 a 6 folhas) são eficazes, sempre verificando a seletividade do híbrido e seguindo as recomendações da bula.

A trapoeraba já tem casos de resistência a herbicidas no Brasil?

Até o momento, não há casos de resistência de espécies de trapoeraba a herbicidas registrados oficialmente no Brasil. Isso reforça a importância de utilizar as ferramentas químicas de forma correta, rotacionando mecanismos de ação e aplicando nas doses e estágios recomendados para prevenir o surgimento de plantas resistentes no futuro.

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