A safra de milho safrinha é um pilar da agricultura brasileira. Em 2017/18, por exemplo, a área plantada chegou a 12,3 milhões de hectares, com uma produção estimada em 65,6 milhões de toneladas. No entanto, alcançar alta produtividade exige atenção constante durante todo o ciclo da cultura, e uma das maiores preocupações do produtor é a presença de lagartas, especialmente a temida Spodoptera frugiperda.
Mesmo com sementes de alta tecnologia e controle preventivo com inseticidas, muitos produtores ainda encontram essa praga em suas lavouras. A lagarta-do-cartucho é persistente e pode causar grandes prejuízos se não for manejada corretamente.
Este guia prático foi criado para ajudar você a identificar e controlar a Spodoptera frugiperda de forma eficaz, protegendo sua produção e garantindo a rentabilidade da sua lavoura de milho.
Entendendo a Spodoptera frugiperda, a Famosa Lagarta-do-Cartucho
Você sabe por que a Spodoptera frugiperda recebeu o apelido de lagarta-do-cartucho? O motivo é simples: seu local de ataque preferido é o cartucho do milho, a área onde as folhas novas se desenvolvem, como destacado na foto abaixo.
(Foto: Experimento de Doutorado de Jackellyne com presença de Spodoptera frugiperda)
Contudo, não se engane. Apesar do nome, a lagarta-do-cartucho pode se alimentar de toda a planta do milho. O ataque começa desde a emergência, quando ela pode cortar as plântulas, e continua pelas fases vegetativa e reprodutiva, raspando folhas, causando desfolha e até danificando as espigas.
Ponto de Atenção: O nível de controle para esta praga é atingido quando 20% das plantas apresentam folhas raspadas. Esse é o momento de agir para evitar perdas significativas. Tecnicamente, isso corresponde ao nível 3 da Escala Davis.
O potencial de dano desta lagarta é imenso. Na safra 2016/17, a lagarta-do-cartucho causou prejuízos de até US$ 5,5 bilhões na África, com alguns dos 28 países afetados registrando perdas de até 60% no rendimento de grãos.
Diante de um inimigo tão poderoso, o primeiro passo para um controle eficiente é saber identificá-lo corretamente. Você sabe diferenciar a Spodoptera frugiperda de outras lagartas que atacam o milho? Em seus estágios iniciais, a confusão é muito comum, pois a coloração e as características são bastante similares.
Vamos detalhar a seguir as dicas para identificar e controlar essa praga sem erros.
Como Identificar a Lagarta-do-Cartucho na Prática
Aqui vai uma dica fundamental para identificar a presença da praga na sua lavoura: procure por uma grande quantidade de excrementos (fezes) nas folhas e no cartucho. Essa sujeira é um sinal claro da sua atividade.
Identificação da presença da lagarta-do-cartucho por meio dos excrementos na folha de milho
(Foto: Experimento de Doutorado de Jackellyne)
Essa característica ajuda a diferenciá-la de outras lagartas. Outro fato interessante é que, geralmente, você encontrará apenas uma lagarta por planta, pois a Spodoptera frugiperda pratica canibalismo.
Características Visuais da Spodoptera frugiperda
Para uma identificação precisa, observe os seguintes detalhes:
- Tamanho: Durante a fase de alimentação, a lagarta pode atingir até 5 centímetros de comprimento.
- Coloração: Sua cor varia bastante, podendo ser cinza-escuro, verde, marrom ou quase preta.
- Marcas Distintivas: O corpo da lagarta possui uma faixa com pontos pretos e três linhas branco-amareladas no dorso. A característica mais marcante é um desenho em forma de “Y” invertido na cabeça.
(Foto: Marja van der Straten em EPPO Global Database)
Na fase adulta, o inseto se torna uma mariposa de hábitos noturnos. Ela pode ser identificada pelas asas anteriores de cor pardo-escura e as asas posteriores branco-acinzentadas.
Agora que você já sabe como identificar a praga, é fundamental entender seu ciclo de vida. Conhecer cada estágio ajuda a prever o comportamento do inseto na lavoura e a definir o momento e a forma mais eficaz de controle.
O Ciclo de Vida da Spodoptera frugiperda
O ciclo completo da lagarta-do-cartucho dura cerca de 30 dias e é dividido em quatro fases principais.
Ciclo de vida da lagarta-do-cartucho no milho
(Fonte: Adaptado de CABI em Rádio Rural)
1. Ovos
A mariposa deposita seus ovos na parte superior das folhas em massas que contêm de 200 a 300 ovos. A postura ocorre em camadas, com cerca de 100 ovos por vez. Inicialmente, os ovos são verde-claros e se tornam alaranjados poucas horas depois. A fase de ovo dura aproximadamente 3 dias a uma temperatura de 25°C.
(Foto: Mateus Valdir Muller em EBAH)
2. Lagarta
Após a eclosão, as lagartas são inicialmente claras, mas sua coloração escurece para pardo, esverdeado ou quase preto à medida que crescem. Elas começam se alimentando da casca dos próprios ovos e, em seguida, raspam as folhas mais novas da planta. No final desta fase, a lagarta pode atingir até 50 mm de comprimento. O período larval dura de 12 a 30 dias e ocorre, na maior parte do tempo, dentro do cartucho da planta.
3. Pupa
Quando atinge seu desenvolvimento máximo, a lagarta sai do cartucho, penetra no solo e se transforma em pupa. A pupa tem cerca de 15 mm de comprimento e uma coloração avermelhada ou amarronzada. Esta fase dura em média de 10 a 12 dias.
(Foto: Henderson em Chester County, Tennessee-USA)
4. Adulto (Mariposa)
A mariposa adulta mede cerca de 35 mm de envergadura. Suas asas anteriores são pardo-escuras, enquanto as posteriores são branco-acinzentadas, com pontos claros no centro de cada asa. A longevidade da mariposa é de aproximadamente 12 dias, completando o ciclo.
Principais Danos da Lagarta-do-Cartucho na Cultura do Milho
A Spodoptera frugiperda, também conhecida como lagarta militar, é considerada a principal praga da cultura do milho no Brasil. O ataque ocorre desde a emergência da planta até o pendoamento e espigamento, causando um impacto econômico muito alto.
- Perdas na Produção: Em lavouras infestadas, as perdas geralmente variam de 15% a 35%.
- Perda Total: Em condições favoráveis ao desenvolvimento da praga, as perdas podem chegar a 100% da lavoura.
Na soja, essa lagarta também causa estragos, alimentando-se das folhas e das vagens em formação, o que afeta diretamente a produção de grãos.
Em vermelho: danos do inseto; em roxo: a lagarta
(Foto: Experimento de Doutorado de Jackellyne)
O dano evolui com o crescimento da lagarta:
- Fase Jovem: A lagarta faz uma raspagem nas folhas, deixando um aspecto de “janela” transparente.
- Fase Desenvolvida: Conforme cresce, ela começa a consumir porções maiores da folha, causando perfurações, principalmente na região do cartucho.
- Ataques Adicionais: A Spodoptera frugiperda também pode se alimentar do colmo (caule) e das espigas, o que compromete a formação dos grãos.
Quanto maior a lagarta, maior o seu apetite e mais difícil se torna o controle. Por isso, agir rápido é fundamental.
Estratégias de Controle: Como Combater a Spodoptera frugiperda
O controle dessa praga se tornou mais difícil por dois motivos principais: o desenvolvimento de resistência a inseticidas e as mudanças no sistema de produção, como os cultivos sucessivos. A plantação contínua de culturas hospedeiras permite que a lagarta sobreviva e se multiplique o ano todo, gerando infestações severas em qualquer época.
Por isso, o controle da Spodoptera frugiperda não é uma tarefa simples.
- Tecnologia Bt: Plantas com a tecnologia Bt representam uma ferramenta importante e eficiente no controle da lagarta-do-cartucho.
- Inseticidas Químicos: Falhas no controle com inseticidas são cada vez mais comuns. Isso acontece principalmente pelo aumento de indivíduos resistentes no campo, resultado da aplicação repetida de produtos com o mesmo mecanismo de ação.
Para garantir a eficácia a longo prazo de qualquer tática de controle, a melhor abordagem é o Manejo Integrado de Pragas (MIP).
O MIP envolve um conjunto de ações coordenadas:
- Conhecer a praga: Entender seu ciclo e comportamento, como vimos aqui.
- Monitorar a lavoura: Inspecionar o campo regularmente para identificar a presença do inseto e o nível de infestação.
- Adotar medidas preventivas: Implementar práticas como controle de plantas daninhas, rotação de culturas e tratamento de sementes.
(Foto: J.E. Smith em Fall Armyworm)
Em períodos de falta de água (déficit hídrico), as pulverizações devem ser direcionadas para a região do cartucho. Além disso, a rotação de inseticidas com diferentes mecanismos de ação é crucial para prevenir o desenvolvimento de resistência.
Recomendações para o Manejo da Resistência
Para combater o desenvolvimento da resistência, o Comitê de Ação à Resistência a Inseticidas (IRAC) recomenda os seguintes princípios do Manejo Integrado de Pragas (MIP):
- Preserve os inimigos naturais: Dê preferência a produtos mais seletivos que não prejudiquem os predadores da lagarta.
- Monitore a lagarta constantemente, como já mencionado.
- Integre diferentes táticas de controle, como o controle biológico.
- Rotacione mecanismos de ação: Utilize inseticidas com diferentes modos de ação, seja em rotação ou em mistura, e aplique somente quando necessário.
- Use os cultivos Bt como uma ferramenta adicional, não como a única solução.
- Prefira cultivos Bt “piramidados”, que expressam mais de uma proteína inseticida para o controle de pragas.
- Plante áreas de refúgio sempre que utilizar a tecnologia de cultivos Bt.
- Planeje o sistema de produção: Adote a rotação de culturas para garantir um período do ano sem plantas hospedeiras para a praga.
Conclusão
A Spodoptera frugiperda é, sem dúvida, a pior praga do milho, principal cultura da safrinha no Brasil. Dependendo do estágio de desenvolvimento da lagarta e do nível de infestação, as perdas na lavoura podem ser enormes.
A identificação correta do inseto é o primeiro passo para um controle eficaz, e para isso, é preciso atenção aos detalhes. Conhecer o ciclo de vida da praga, realizar o Manejo Integrado de Pragas (MIP) e adotar medidas preventivas são as formas mais seguras de proteger sua produção.
Com um bom planejamento agrícola, é possível combater essa praga de forma estratégica e garantir o sucesso da sua colheita.
Glossário
Cartucho do milho: Refere-se à parte central e superior da planta de milho, onde as folhas novas ainda estão enroladas antes de se abrirem. É o local de abrigo e alimentação preferido da Spodoptera frugiperda, o que dá origem ao seu nome popular “lagarta-do-cartucho”.
Cultivos Bt “piramidados”: Plantas geneticamente modificadas que expressam mais de uma proteína inseticida da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt). Essa “pirâmide” de proteínas dificulta o desenvolvimento de resistência por parte das pragas, como a lagarta-do-cartucho.
Manejo Integrado de Pragas (MIP): Uma estratégia que combina diferentes táticas de controle (biológico, cultural, químico) de forma coordenada e sustentável. O objetivo é manter as pragas abaixo do nível de dano econômico, reduzindo a dependência de inseticidas.
Nível de Controle: O ponto em que a infestação de uma praga atinge um nível que justifica a aplicação de uma medida de controle para evitar perdas econômicas. No caso da lagarta-do-cartucho no milho, é quando 20% das plantas apresentam folhas raspadas.
Safrinha: Termo usado no Brasil para designar a segunda safra cultivada no mesmo ano agrícola, geralmente semeada no verão/outono, após a colheita da safra principal (“safra de verão”). O milho é a principal cultura da safrinha.
Spodoptera frugiperda: Nome científico da praga popularmente conhecida como lagarta-do-cartucho. É um dos insetos que mais causa danos à cultura do milho e a diversas outras lavouras no Brasil e no mundo.
Tecnologia Bt: Refere-se a plantas (como milho e soja) que foram geneticamente modificadas para produzir proteínas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt). Essas proteínas são tóxicas para certas lagartas, funcionando como um inseticida que a própria planta produz.
Como a tecnologia simplifica o Manejo Integrado de Pragas
O Manejo Integrado de Pragas (MIP), como detalhado no artigo, é a estratégia mais eficaz para controlar a Spodoptera frugiperda. No entanto, colocar o MIP em prática exige uma organização rigorosa: é preciso registrar os dados do monitoramento, controlar os produtos aplicados para rotacionar os mecanismos de ação e garantir que as pulverizações ocorram no momento certo. Fazer tudo isso no papel ou em planilhas separadas pode levar a erros e atrasos que custam caro.
Para superar esse desafio, um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza todas essas informações. Com ele, você pode registrar os focos da lagarta-do-cartucho diretamente do campo pelo celular, planejar as ordens de serviço para as pulverizações e consultar o histórico de aplicações para tomar decisões mais seguras. Essa organização não só otimiza o uso de defensivos, mas também cria uma base de dados valiosa para o planejamento das próximas safras.
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Perguntas Frequentes
Por que a Spodoptera frugiperda é chamada de lagarta-do-cartucho?
Ela recebe esse nome devido ao seu comportamento de se alojar e alimentar preferencialmente no “cartucho” do milho, a área central onde as folhas novas se desenvolvem. Esse local protegido dificulta o alcance de inseticidas e serve de abrigo, tornando seu controle um grande desafio para o produtor.
Qual é o primeiro sinal visível da presença da lagarta-do-cartucho na lavoura de milho?
O primeiro sinal costuma ser a “raspagem” nas folhas, que deixa um aspecto de janela transparente, um dano causado pelas lagartas em seus estágios iniciais. Outro indicativo claro é a presença de uma grande quantidade de excrementos (fezes) no cartucho e nas folhas, o que confirma a atividade da praga.
Se eu plantei milho com tecnologia Bt, por que ainda encontro lagartas na minha lavoura?
A tecnologia Bt é uma ferramenta poderosa, mas não é uma solução isolada. Com o tempo, a pressão de seleção pode levar ao surgimento de populações de lagartas resistentes às proteínas Bt. Por isso, é fundamental associar o milho Bt a outras práticas do Manejo Integrado de Pragas (MIP), como o plantio de áreas de refúgio, para preservar a eficácia da tecnologia a longo prazo.
O que exatamente significa o “nível de controle” de 20% de plantas com folhas raspadas?
O nível de controle é o ponto em que a infestação atinge um patamar onde o custo da aplicação do inseticida é menor do que o prejuízo que a praga causaria se não fosse controlada. Agir quando 20% das plantas apresentam esse sintoma inicial evita perdas econômicas significativas, garantindo uma aplicação no momento certo, sem desperdiçar produto ou esperar o dano se agravar.
É verdade que geralmente encontramos apenas uma lagarta-do-cartucho por planta de milho?
Sim, é muito comum encontrar apenas uma lagarta por planta, especialmente nos estágios mais avançados de desenvolvimento. Isso ocorre porque a Spodoptera frugiperda tem comportamento canibal, onde as lagartas maiores se alimentam das menores para eliminar a competição por alimento e espaço.
Por que é tão importante rotacionar os inseticidas no controle da lagarta-do-cartucho?
O uso contínuo de inseticidas com o mesmo mecanismo de ação acelera o processo de seleção de indivíduos resistentes na população da praga, fazendo com que o produto perca a eficácia. Rotacionar produtos com diferentes modos de ação é uma estratégia essencial do Manejo da Resistência de Insetos (MRI) para que as ferramentas químicas continuem funcionando.
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- Lagarta-do-cartucho do milho: Controle eficiente com as táticas do MIP: Este artigo é o complemento prático perfeito para a recomendação central do artigo principal sobre Manejo Integrado de Pragas (MIP). Enquanto o guia principal estabelece o ‘o quê’ (a necessidade do MIP), este artigo detalha o ‘como’, explicando a fundo as metodologias de monitoramento, como o uso da Escala de Davis e armadilhas de feromônio, transformando a estratégia em um plano de ação executável.
- Passo a passo de como combater a lagarta-do-cartucho: Este artigo adiciona duas camadas de conhecimento especializado que o artigo principal não aprofunda. Primeiramente, ele resolve uma dúvida de campo crucial ao comparar visualmente a S. frugiperda com outras espécies do complexo Spodoptera. Em segundo lugar, ele avança na discussão sobre resistência ao detalhar a estratégia de ‘janelas de aplicação’, oferecendo um conhecimento tático avançado que vai além da simples rotação de produtos.
- Como fazer o controle Spodoptera frugiperda na sua lavoura de milho: Este conteúdo funciona como um manual operacional que aprofunda as táticas de controle. Ele especifica os estágios fenológicos mais críticos do milho para o ataque da praga e oferece detalhes práticos sobre a aplicação química (volume de calda, bicos). O seu maior valor está na análise de quais ingredientes ativos já apresentam resistência e quais continuam eficazes, fornecendo uma inteligência de mercado valiosíssima para o produtor.
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