Carryover de Herbicida: Como Evitar Prejuízos na Lavoura

Engenheira agrônoma, mestre e doutora na linha de pesquisa de plantas daninhas. Atualmente professora da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
Carryover de Herbicida: Como Evitar Prejuízos na Lavoura

No campo, enfrentamos diversos desafios que exigem decisões rápidas e certeiras, não é mesmo? Uma dessas situações, que pode trazer muita dor de cabeça, é o problema com o carryover, ou seja, o efeito residual de herbicidas que sobram no solo de uma safra para outra.

Você já plantou milho e notou que a lavoura não se desenvolveu bem, suspeitando que a causa poderia ser o herbicida aplicado na soja anterior? Esse é um problema mais comum do que se imagina.

Pensando nisso, preparei este material com informações claras e diretas sobre o tema. O objetivo é te ajudar a entender o fenômeno e, principalmente, a tomar as melhores decisões para proteger sua produtividade. Confira!

Entendendo a Persistência dos Herbicidas no Solo

Todo herbicida possui características próprias, e uma das mais importantes é a persistência no solo. Este termo se refere ao tempo que o produto químico continua ativo no ambiente após a sua aplicação.

Para medir isso, usamos um conceito chamado meia-vida.

  • Meia-vida: é o tempo necessário para que a concentração de um herbicida no solo caia pela metade.

Com base nesse tempo, podemos classificar a persistência de um produto:

  • Curta: até 90 dias no solo.
  • Média: de 91 a 180 dias no solo.
  • Longa: acima de 180 dias no solo.

díptico que compara os efeitos de um estresse, provavelmente fitotoxicidade por herbicida, em duas culturas disSintomas de injúrias em soja (cv. BMX Titan RR.) – foto da esquerda – e milho (cv. DKB 390 YG) – foto da direita – devido ao residual de metribuzin no solo (Fonte: Alonso et al. (2013))

Um bom exemplo são os herbicidas do grupo químico das imidazolinonas (inibidores da ALS), como o imazaquin, imazamox, imazapyr, imazethapyr e imazapic. Esses produtos são conhecidos por terem uma persistência de moderada a longa no solo.

É justamente essa maior permanência que pode causar o fenômeno do carryover.

Em outras palavras, carryover pode ser definido como: o resíduo de herbicida com atividade fitotóxica que permanece no solo e acaba prejudicando a cultura seguinte, que é sensível a ele.

composição de duas fotografias que ilustram o desenvolvimento inicial de plantas de milho em diferentes condiçSintomas de injúrias em milho (cv. DKB 390 YG) devido ao residual de chlorimuron – foto da esquerda – e diclosulam – foto da direita – no solo (Fonte: Alonso et al. (2013))

díptico com closes de uma planta jovem de milho, provavelmente em seus estágios iniciais de desenvolvimentoSintomas de injúrias em milho (cv. DKB 390 YG) devido o residual de imazethapyr – foto da esquerda – e imazaquin – foto da direita – no solo (Fonte: Alonso et al. (2013))

Fatores que Influenciam a Persistência

A persistência de um herbicida está diretamente ligada à sua sorção.

  • Sorção: é a capacidade do herbicida de se “prender” às partículas do solo, como argila e matéria orgânica.

De forma geral, quanto maior a sorção de um produto ao solo, maior será sua persistência. Essa interação também é fortemente influenciada pelas condições ambientais. A sorção aumenta (e o herbicida fica “preso” por mais tempo) quando:

  • A umidade do solo diminui (solo mais seco).
  • O pH do solo diminui (solo mais ácido).
  • A temperatura do solo é mais baixa.
  • Os teores de matéria orgânica e óxidos de ferro e alumínio são mais altos.

Isso acontece porque, em condições de solo mais seco, por exemplo, uma maior quantidade de herbicida fica retida nos coloides do solo. Com isso, menos produto fica disponível para ser degradado por microrganismos ou absorvido pelas plantas, resultando em maior persistência e, consequentemente, maior risco de carryover.

close-up de uma plântula de soja em seu estágio inicial de desenvolvimento, crescendo em um solo coberto poSintomas de injúrias em soja (cv. BMX Titan RR.) devido o residual de amicarbazone no solo (Fonte: Alonso et al. (2013))

Como Evitar o Carryover – Residual de Herbicidas no Solo

Para evitar que o residual de um herbicida prejudique a sua próxima cultura, algumas medidas podem ser adotadas. No entanto, a principal estratégia é o planejamento.

  1. Conheça o Período Residual do Produto: Esta é a regra de ouro. Antes de aplicar, leia a bula e entenda por quanto tempo o herbicida pode permanecer ativo no solo. Essa informação é fundamental para o seu planejamento.

  2. Planeje a Rotação de Culturas: Encare sua área como um sistema integrado. Sabendo qual cultura você pretende semear na sequência, você pode escolher produtos que não afetarão o desenvolvimento dela.

  3. Redução das Doses: Em alguns casos, diminuir a dose pode ajudar, mas atenção: essa medida pode não resolver o problema em solos com alta capacidade de sorção (como solos muito argilosos ou com muita matéria orgânica).

  4. Aplicação em Faixas ou Dirigida: Em vez de aplicar na área total, aplicar o herbicida apenas nas linhas de plantio ou de forma dirigida reduz a quantidade total de produto no talhão, diminuindo o risco de carryover.

A melhor ferramenta contra o carryover é a informação combinada com um bom planejamento agrícola.

uma lavoura de milho com um desenvolvimento notavelmente irregular. Em segundo plano, as plantas de milho apreResidual de herbicida aplicado na soja causando intoxicação na cultura do milho em sucessão (Fonte: Juparanã Cultivar)

O Efeito Duplo do Residual de Herbicidas no Solo

O efeito residual de um herbicida tem um papel fundamental e estratégico na lavoura. O principal objetivo é manter a cultura livre da competição com plantas daninhas durante o período crítico de interferência, protegendo assim o potencial produtivo.

No entanto, um residual muito longo pode trazer dois grandes problemas:

  1. Aumento da Pressão de Seleção: A presença constante do mesmo princípio ativo no solo acelera o surgimento de biótipos de plantas daninhas resistentes àquele herbicida.
  2. Risco de Carryover: Se o residual for excessivamente longo, ele pode causar fitotoxicidade na cultura seguinte, gerando perdas significativas de produtividade.

É preciso equilibrar o benefício do controle de daninhas com os riscos para o sistema de produção como um todo.

composição de duas fotografias que ilustram problemas comuns no estágio inicial de desenvolvimento de culturasÀ esquerda, sintomas de injúrias em soja (cv. BMX Titan RR.) e à direita, milho (cv. DKB 390 YG) devido ao residual de metsulfuron no solo (Fonte: Alonso et al. (2013))

Residual de Herbicidas e a Rotação de Culturas: Exemplos Práticos

Para entender o impacto real do carryover, vamos analisar alguns exemplos de defensivos agrícolas e seus efeitos em culturas sucessoras.

Trifloxysulfuron: Usado em mistura com ametryn na cana-de-açúcar ou sozinho no algodão. Este produto pode causar sérios problemas de carryover na cultura do feijão. É necessário esperar cerca de 8 meses após a aplicação para semear o feijoeiro com segurança.

Tebuthiuron: Recomendado para aplicação em pré-emergência na cana-de-açúcar. Possui um longo período residual, causando intoxicação em culturas como amendoim, feijão e soja, mesmo quando cultivadas até 2 anos após a aplicação.

Picloram e Imazapyr: Estes herbicidas apresentam um efeito residual extremamente longo. O intervalo para o plantio de culturas sensíveis, como algodão, tomate, batata e soja, pode chegar a 3 anos.

plântulas de uma cultura, possivelmente algodão ou feijão, em estágio inicial de desenvolvimento, brotando deAlgodão com sintomas de intoxicação devido ao residual de sulfentrazone

Imazaquin: Um herbicida muito utilizado. Em anos mais secos, seu residual pode afetar a cultura do milho plantado na safra seguinte, mesmo após mais de 300 dias da aplicação. Estudos mostram que o residual de imazaquin pode intoxicar culturas como melão, pepino, girassol e mostarda se não for respeitado um intervalo de até 112 dias.

Imazamox: A atenção aqui deve ser redobrada, pois as recomendações variam conforme o nome comercial e a cultura principal.

  • Após o uso de Imazamox (Raptor 70 DG) em trigo, as seguintes culturas podem ser semeadas:
    • Inverno (sucessão): trigo, ervilha, azevém, cevada, aveia, milho, feijão, amendoim e arroz.
    • Verão (rotação): milho, algodão, soja, feijão, amendoim, arroz e sorgo.
  • Após o uso de Imazamox (Sweeper) em soja, estas são as culturas permitidas:
    • Inverno (sucessão): trigo, ervilha, azevém, cevada, aveia, milho safrinha, feijão e amendoim.
    • Verão (rotação): milho, algodão, soja, feijão, amendoim, arroz e sorgo.

Imazapic: Recomendado para cana-de-açúcar e amendoim. Para as demais culturas, é crucial respeitar um intervalo de 300 dias entre a aplicação e o novo plantio para evitar problemas de carryover.

A tabela abaixo resume os intervalos de segurança entre a aplicação de diversos herbicidas e a semeadura das principais culturas de grãos.

uma tabela técnica detalhada que informa o intervalo de segurança, em dias, entre a aplicação de diversos herbIntervalos entre aplicação de herbicidas e semeadura de culturas

calculo-de-pulverizacao

Conclusão

Neste artigo, vimos o que é o carryover, o efeito residual de herbicidas no solo que pode afetar safras futuras.

Ficou claro que o potencial de dano depende diretamente do herbicida utilizado, da sensibilidade da cultura em sucessão e das condições de clima e solo após a aplicação. Muitos produtos podem persistir por dias, meses ou até anos.

Portanto, a principal lição é: o planejamento da sucessão de culturas não é opcional. É uma etapa essencial para evitar prejuízos com intoxicação e garantir a máxima produtividade da sua lavoura em todas as safras.


Glossário

  • Carryover: Efeito residual de um herbicida que permanece ativo no solo de uma safra para outra, podendo causar danos (fitotoxicidade) à cultura seguinte se ela for sensível ao produto.

  • Fitotoxicidade: Efeito tóxico de um produto químico, como um herbicida, sobre o desenvolvimento de uma planta. Causa injúrias visíveis, como amarelamento, deformação das folhas ou até a morte da planta.

  • Imidazolinonas: Grupo químico de herbicidas (inibidores da ALS) conhecido por sua persistência moderada a longa no solo. Exemplos incluem o imazaquin e o imazethapyr, que são frequentemente associados a problemas de carryover.

  • Inibidores da ALS: Sigla para “Inibidores da Acetolactato Sintase”. Refere-se a herbicidas que atuam bloqueando a enzima ALS, essencial para o crescimento das plantas. São eficazes, mas muitos têm alto potencial de carryover.

  • Meia-vida: Medida de tempo que indica quanto leva para que a concentração de um herbicida no solo seja reduzida pela metade. É usada para classificar a persistência do produto (curta, média ou longa).

  • Persistência no solo: Período em que um herbicida permanece quimicamente ativo no solo após sua aplicação. Produtos de longa persistência oferecem maior risco de causar carryover.

  • Pré-emergência: Refere-se à aplicação de um herbicida antes que as plantas daninhas ou a própria cultura germinem e emerjam do solo. O objetivo é controlar as sementes de invasoras antes que elas se estabeleçam.

  • Sorção: Processo pelo qual as moléculas de um herbicida se “prendem” às partículas do solo, como argila e matéria orgânica. Quanto maior a sorção, mais tempo o herbicida tende a ficar retido no solo, aumentando sua persistência.

Transforme o planejamento em produtividade: como o Aegro pode ajudar

Como vimos, o planejamento é a chave para evitar prejuízos com o residual de herbicidas (carryover). No entanto, gerenciar o histórico de aplicações, as doses utilizadas e os longos períodos de carência de cada produto em cadernos ou planilhas é uma tarefa complexa e sujeita a erros que podem custar caro na safra seguinte.

Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza essas informações de forma segura e acessível. Ao registrar cada aplicação no campo, você cria um histórico detalhado por talhão, que pode ser consultado a qualquer momento pelo celular ou computador. Isso permite tomar decisões mais seguras sobre a rotação de culturas, garantindo que os intervalos de segurança sejam cumpridos e protegendo o potencial produtivo da sua lavoura.

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Perguntas Frequentes

O que é exatamente o ‘carryover’ de herbicidas e por que devo me preocupar?

Carryover é o efeito residual de um herbicida que permanece ativo no solo após a colheita, podendo intoxicar e prejudicar o desenvolvimento da cultura seguinte. Você deve se preocupar pois esse fenômeno, também chamado de fitotoxicidade, pode causar perdas significativas de produtividade na sua próxima safra, comprometendo todo o seu investimento.

Quais tipos de solo aumentam o risco de carryover?

Solos com maior teor de argila e matéria orgânica tendem a aumentar o risco, pois ‘prendem’ mais o herbicida no processo de sorção. Além disso, solos mais secos e com pH mais ácido também dificultam a degradação do produto, fazendo com que ele permaneça ativo por mais tempo e elevando o perigo para a cultura sucessora.

Como posso saber o tempo de espera seguro antes de plantar a próxima cultura após aplicar um herbicida?

A informação mais segura e obrigatória está sempre na bula do produto. O fabricante especifica o período de carência ou o intervalo de segurança necessário entre a aplicação do herbicida e o plantio de culturas sensíveis. É fundamental consultar essa recomendação e planejar sua rotação de culturas com base nela para evitar prejuízos.

Todos os herbicidas apresentam o mesmo risco de carryover?

Não, o risco varia muito conforme a persistência do produto no solo. Herbicidas do grupo das imidazolinonas (como imazaquin) e outros como picloram e tebuthiuron são conhecidos por sua longa persistência e alto risco de carryover, exigindo intervalos de meses ou até anos para o plantio de culturas sensíveis em rotação.

Se o ano for muito seco após a aplicação do herbicida, o risco de carryover aumenta?

Sim, o risco aumenta consideravelmente. Em condições de seca, a atividade dos microrganismos do solo, que são responsáveis pela degradação do herbicida, diminui drasticamente. Com menos água, o produto também fica mais ‘preso’ às partículas do solo, prolongando sua permanência e o potencial de causar danos à próxima cultura.

Além de planejar a rotação, existe outra medida prática para reduzir o risco de carryover?

Sim. A aplicação em faixas ou de forma dirigida, focando apenas nas linhas de plantio ou diretamente sobre as plantas daninhas, é uma excelente estratégia. Essa técnica reduz a quantidade total de herbicida aplicada na área, diminuindo a carga química no solo e, consequentemente, o risco de residual para a safra seguinte.

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