A ramulária, também conhecida como mancha de ramulária, se tornou um dos maiores desafios fitossanitários para a cultura do algodão no Brasil.
Esta doença ataca tanto as folhas quanto as maçãs do algodoeiro, causando perdas significativas na produção e comprometendo a qualidade da fibra.
Mas nem sempre foi assim. No passado, a ramulária não representava uma ameaça tão grande. O que mudou para que ela se tornasse um problema tão sério?
Neste artigo, vamos explicar em detalhes como a ramulária se desenvolve, os sinais para identificá-la na lavoura e as estratégias mais eficazes para o seu controle. Acompanhe!
O que é a ramulária e por que ela se tornou tão importante?
A ramulária, popularmente chamada de falso-oídio, é uma doença provocada pelo fungo Ramularia gossypii (anteriormente classificado como R. aureola). Sua presença é registrada em todas as regiões produtoras de algodão do país desde o primeiro relato, em 1890.
Historicamente, essa doença era considerada secundária, aparecendo principalmente no final do ciclo da cultura nas tradicionais regiões produtoras do Sudeste e Nordeste.
No entanto, o cenário mudou drasticamente com a migração e expansão das lavouras de algodão para o Centro-Oeste, região que hoje concentra 74% da produção nacional. Com essa mudança, a ramulária passou a ocorrer durante todo o ciclo, transformando-se na principal doença do algodoeiro.
A razão para essa mudança está na combinação de novos sistemas de produção e condições ambientais da região, que favoreceram a proliferação do fungo, como veremos a seguir.
Volume de produção de algodão pelas regiões brasileiras. (Fonte: Conab)
Condições Favoráveis e Sintomas da Ramulária no Algodão
Para entender como uma doença se instala na lavoura, é útil lembrar do Triângulo da Doença. Esse conceito explica que uma doença só ocorre quando há a interação de três fatores ao mesmo tempo: um hospedeiro suscetível (a planta), um patógeno virulento (o fungo) e um ambiente favorável.
O Triângulo da Doença explica a interação necessária para a ocorrência de uma doença.
No caso da ramulária:
- O Patógeno: É o fungo Ramularia gossypii, que sobrevive nos restos culturais do algodão.
- O Hospedeiro: É a própria planta de algodão, especialmente as plantas voluntárias, conhecidas como algodão tiguera (plantas que nascem de sementes perdidas na colheita anterior).
- O Ambiente: São as condições de clima e manejo que favorecem o fungo.
A combinação da alta capacidade de desenvolvimento do fungo, o ambiente favorável do Centro-Oeste, o uso de variedades de algodão suscetíveis e o controle inadequado do algodão tiguera criaram a “tempestade perfeita” para o avanço da ramulária.
Condições que favorecem a doença
O fungo da mancha de ramulária se desenvolve melhor sob condições específicas. Fique atento quando sua lavoura apresentar:
- Alta umidade do ar;
- Temperaturas médias entre
25°C
e30°C
; - Períodos de chuva frequentes (alta pluviosidade).
Por isso, a doença é mais comum durante a estação chuvosa. Além disso, plantios muito adensados criam um microclima: significa um ambiente mais úmido e abafado dentro da própria lavoura, o que aumenta ainda mais o risco. Consequentemente, a parte de baixo da planta, o baixeiro, costuma ser a primeira e a mais afetada.
Sintomas e danos causados
A ramulária é disseminada principalmente pelo vento. Seus esporos infectam as folhas, e os sintomas podem ser observados em ambos os lados (faces) da folha.
- Sintomas Iniciais: Aparecem pequenas lesões de formato angular, com tamanho entre
1 mm
a3 mm
. Essas lesões são delimitadas pelas nervuras da folha. - Evolução da Doença: As lesões começam com uma coloração branca. Com o avanço da infecção, elas se tornam amareladas e adquirem um aspecto pulverulento (parecido com um pó), especialmente na parte de baixo da folha.
Detalhe dos sintomas de ramulária, mostrando as lesões angulares e o aspecto pulverulento. (Fonte: Embrapa)
Folha de algodão com sintomas avançados de ramulária. (Fonte: Embrapa)
Em ataques severos, a doença causa uma intensa desfolha, deixando a planta sem folhas, o que prejudica a fotossíntese. Isso pode levar ao apodrecimento das maçãs, principalmente as localizadas no baixeiro.
Os danos econômicos são graves:
- Em cultivares suscetíveis, as perdas de produtividade podem chegar a 70%.
- Estudos mostram que lavouras sem controle de ramulária produziram 45% menos em comparação com áreas que receberam tratamento químico.
Com um impacto tão grande, como podemos manejar a mancha de ramulária de forma eficiente?
Manejo Integrado da Ramulária no Algodão
O manejo eficaz de qualquer doença exige uma abordagem integrada, que combina diferentes técnicas de controle. A ideia é agir sobre os três pontos do Triângulo da Doença: o ambiente, o hospedeiro e o patógeno.
Para isso, o monitoramento constante da lavoura é fundamental para identificar os primeiros sintomas e tomar decisões no momento certo.
Controle Químico
O controle químico é uma ferramenta essencial. As aplicações de fungicidas devem começar assim que for confirmado o ataque do fungo nas folhas mais velhas (baixeiro).
Um critério técnico para otimizar o uso de produtos é iniciar as aplicações quando as lesões atingem 5% da área foliar, desde que a doença ainda não tenha chegado ao terço médio da planta.
Seguindo este critério, a recomendação geral é:
- Realizar três aplicações de fungicidas eficientes;
- Manter um intervalo de 15 dias entre cada aplicação.
Essa estratégia ajuda a controlar a doença antes que ela se espalhe e otimiza o uso dos defensivos.
Importante: Para evitar o desenvolvimento de resistência do fungo, é crucial alternar o uso de fungicidas com diferentes modos de ação. Consulte o Agrofit, sistema do MAPA, onde há 136 produtos registrados para o controle da mancha de ramulária no algodão.
Controle Cultural
Junto com o controle químico, as práticas de manejo cultural são decisivas para reduzir a pressão da doença.
- Escolha de Cultivares: O uso de variedades suscetíveis é uma das principais causas dos grandes prejuízos. Dê preferência a cultivares tolerantes ou resistentes à ramulária. Você pode encontrar essa informação no site da Embrapa, que oferece um catálogo completo, ou nos materiais das empresas de sementes.
Exemplo de catálogo da Embrapa, que detalha a resistência de cada cultivar a doenças como a ramulária. (Fonte: Embrapa)
Ajuste do Espaçamento: Espaçamentos mais abertos entre as plantas permitem maior ventilação e entrada de luz, o que reduz a umidade no microclima da lavoura e desfavorece o fungo.
Manejo da Soqueira: Um bom manejo da soqueira (restos culturais da lavoura anterior) e a eliminação do algodão tiguera são essenciais. Essas plantas servem de “ponte verde”, permitindo que o fungo sobreviva entre uma safra e outra. Capriche na destruição dos restos culturais para quebrar o ciclo da doença.
Conclusão
A ramulária ganhou destaque e se tornou a principal doença do algodão devido à migração da cultura para o Centro-Oeste, onde encontrou um ambiente ideal para seu desenvolvimento.
Fatores como o uso de cultivares suscetíveis e falhas no manejo da soqueira e do algodão tiguera agravaram ainda mais o problema, resultando em perdas expressivas de produtividade.
O controle eficiente depende de um manejo integrado, que inclui:
- Monitoramento constante da lavoura para identificação precoce.
- Uso de cultivares resistentes à doença.
- Práticas culturais, como espaçamento adequado e destruição rigorosa da soqueira.
- Controle químico estratégico, aplicando fungicidas no momento certo e rotacionando os modos de ação para evitar resistência.
Adotando essas medidas de forma combinada, é possível proteger a lavoura e garantir a produtividade e a qualidade da fibra do seu algodão.
Glossário
Algodão Tiguera: Plantas de algodão que nascem voluntariamente a partir de sementes perdidas na colheita anterior. Elas atuam como “pontes verdes”, permitindo que doenças como a ramulária sobrevivam e infectem a safra seguinte.
Baixeiro: Refere-se à parte inferior (o terço mais baixo) da planta de algodão. Por ser uma área mais úmida e sombreada, é frequentemente o primeiro local onde os sintomas da ramulária aparecem.
Desfolha: A queda prematura e acentuada das folhas de uma planta, causada por doenças ou estresse. Na cultura do algodão, a desfolha severa provocada pela ramulária compromete a fotossíntese e reduz drasticamente a produtividade.
Fitossanitário: Relativo à saúde das plantas (fito = planta; sanitário = saúde). Envolve todas as práticas e produtos destinados a prevenir, diagnosticar e controlar doenças, pragas e plantas daninhas em uma lavoura.
Microclima: As condições climáticas específicas (umidade, temperatura, ventilação) em uma área muito pequena, como o espaço entre as plantas de uma lavoura. Plantios muito adensados criam um microclima úmido que favorece o desenvolvimento de fungos.
Patógeno: Um microrganismo, como um fungo, bactéria ou vírus, que é capaz de causar uma doença em um organismo hospedeiro. No artigo, o patógeno é o fungo Ramularia gossypii.
Ramulária (Ramularia gossypii): Doença fúngica, também conhecida como “mancha de ramulária” ou “falso-oídio”, que se tornou a principal ameaça à cultura do algodão no Brasil. Causa lesões nas folhas e maçãs, levando a perdas significativas de produtividade.
Soqueira: O conjunto de restos culturais, como caules e raízes, que permanecem no campo após a colheita do algodão. A destruição da soqueira é uma prática cultural essencial para quebrar o ciclo de doenças.
Triângulo da Doença: Um conceito que explica que uma doença vegetal só ocorre com a interação de três fatores: um hospedeiro suscetível (a planta), um patógeno virulento (o fungo) e um ambiente favorável (clima).
Otimize o manejo da ramulária com a gestão agrícola
O monitoramento constante e o controle financeiro são os pilares para manejar a ramulária sem comprometer a lucratividade. O desafio é registrar as informações da lavoura de forma organizada para decidir o momento certo de agir. Ferramentas de gestão agrícola, como o Aegro, permitem registrar as ocorrências da doença direto do campo, criando um histórico que ajuda a definir o timing ideal para a aplicação de fungicidas.
Além disso, com perdas que podem chegar a 70%, cada aplicação de defensivo é um investimento crucial. Um sistema de gestão integrada conecta o custo de cada operação ao seu planejamento financeiro. Isso garante que você tenha uma visão clara do custo de produção da sua lavoura de algodão e do retorno de cada decisão de manejo, protegendo sua margem de lucro.
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Perguntas Frequentes
Qual é o primeiro sinal da ramulária no algodão que devo procurar no campo?
O primeiro sinal geralmente aparece nas folhas mais baixas da planta, conhecidas como baixeiro. Procure por pequenas lesões de formato angular, delimitadas pelas nervuras, que inicialmente são brancas. Com a evolução da doença, essas manchas desenvolvem um aspecto de pó branco, principalmente na parte inferior da folha.
Por que a destruição do algodão tiguera é tão crucial para o manejo da ramulária?
O algodão tiguera, que nasce de sementes perdidas na colheita anterior, serve como hospedeiro para o fungo Ramularia gossypii durante a entressafra. Ao eliminar essas plantas, quebramos o ciclo de vida do patógeno, reduzindo drasticamente a quantidade de fungo presente no início da nova safra e, consequentemente, diminuindo a pressão da doença.
É possível controlar a ramulária apenas com práticas culturais, sem usar fungicidas?
Em regiões de alta pressão da doença, como o Centro-Oeste, o controle apenas com práticas culturais é muito difícil. Embora a escolha de cultivares resistentes e a destruição da soqueira sejam fundamentais para reduzir a severidade, o controle químico estratégico é quase sempre necessário para proteger o potencial produtivo da lavoura e evitar perdas econômicas.
Qual a diferença entre a ramulária (falso-oídio) e o oídio verdadeiro no algodão?
A principal diferença está nos sintomas. A ramulária causa lesões angulares delimitadas pelas nervuras da folha. Já o oídio verdadeiro forma manchas brancas e pulverulentas mais difusas, que não são limitadas pelas nervuras e podem cobrir grandes áreas da folha, em ambos os lados.
Quando é o momento ideal para iniciar a aplicação de fungicidas contra a ramulária?
A aplicação deve começar preventivamente ou logo nos primeiros sintomas, quando a doença é identificada nas folhas do baixeiro. Um critério técnico recomendado é iniciar o controle quando as lesões atingem 5% da área foliar, desde que a infecção ainda não tenha subido para o terço médio da planta, garantindo maior eficácia do tratamento.
O clima da minha região não é tão úmido. Ainda preciso me preocupar com a ramulária?
Sim, a vigilância é sempre necessária. Embora a doença seja favorecida por alta umidade e temperaturas entre 25°C e 30°C, o fungo pode sobreviver em restos culturais. Além disso, plantios adensados podem criar um microclima úmido favorável à doença, mesmo em regiões mais secas. Por isso, o monitoramento constante é essencial em qualquer cenário.
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