A muda cítrica é, sem dúvida, o principal insumo da citricultura moderna. A qualidade dessa muda é o que define o sucesso na implantação e garante a longevidade e a produtividade dos pomares comerciais.
Contudo, o processo de produção não é simples. Ele envolve múltiplas etapas técnicas e precisa seguir uma série de legislações específicas para garantir a sanidade e a genética do material.
Neste artigo, vamos detalhar todo o processo de produção de mudas cítricas, desde a história até as normas atuais e as etapas práticas no viveiro. Continue a leitura para entender tudo o que você precisa saber antes de implantar seu pomar.
A Evolução da Produção de Mudas Cítricas no Brasil
A história da citricultura brasileira começou ainda no período colonial. Os primeiros pomares de que se tem registro em São Paulo e na Bahia datam de 1540 e 1567, respectivamente.
Naquela época, a produção de mudas era feita exclusivamente por meio de sementes. Esse método dava origem aos chamados pés-francos: plantas muito grandes, frequentemente com muitos espinhos, que levavam anos para começar a produzir.
O cenário começou a mudar no início do século 20, com a descoberta das vantagens da propagação vegetativa, especificamente através da técnica de enxertia.
- Enxertia: significa unir partes de duas plantas diferentes (a copa e o porta-enxerto) para que cresçam como uma só.
Essa inovação permitiu a formação de pomares mais homogêneos, com produção mais rápida (precoce), plantas de menor porte e com menos espinhos, facilitando o manejo.
Com o tempo, a seleção e o uso de diferentes variedades de copas e porta-enxertos permitiram que os citricultores identificassem as características e a adaptabilidade de cada combinação, otimizando a produção para cada tipo de solo e clima.
A uniformidade dos pomares de citros, um resultado direto do uso da propagação vegetativa.
(Fonte: Fundecitrus)
Assim, a técnica de enxertia de borbulhas de variedades comerciais em porta-enxertos selecionados se consolidou como o principal método para multiplicar plantas cítricas.
No entanto, há um risco: as borbulhas e os porta-enxertos podem se tornar uma fonte de disseminação de patógenos, como fungos, vírus, bactérias e nematoides que causam doenças graves.
Para evitar a contaminação, foi necessário adotar medidas preventivas rigorosas. Entre elas, o uso de substrato estéril em vez de terra e a produção de todas as plantas (matrizes e mudas) em ambientes protegidos, como estufas teladas.
Para padronizar a produção e garantir a fidelidade sanitária e genética das mudas, leis e normas foram criadas tanto em nível nacional quanto estadual. Vamos detalhar essas regras a seguir.
Leis e Normas na Produção de Mudas Cítricas
A legislação pode parecer complexa, mas ela serve como um guia fundamental para a elaboração do projeto técnico de um viveiro e para garantir a qualidade do produto final. É essencial que os viveiristas estejam atentos a todas as exigências para serem aprovados nas auditorias.
Aqui estão os principais pontos da legislação:
- Registro no RENASEM: Todo viveiro deve ser inscrito no Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM), que é gerenciado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
(Fonte: RENASEM)
Registro de Cultivares (RNC): As cultivares utilizadas para formar as mudas devem estar habilitadas no Registro Nacional de Cultivares (RNC).
Instrução Normativa 48 (Mapa): Esta norma federal estabelece as regras para a produção e comercialização de todo o material propagativo de citros no país.
Além das regras nacionais, cada estado produtor pode ter suas próprias exigências.
Exemplo de Legislação Estadual (São Paulo): Em São Paulo, além de seguir as normas do Mapa, o produtor, o viveiro e as borbulheiras (plantas matrizes) precisam ser cadastrados na Coordenadoria de Defesa Agropecuária da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (CDA).
- Este cadastro permite a fiscalização da infraestrutura e a emissão da Guia de Permissão de Trânsito Vegetal (PTV), um documento obrigatório para transportar e comercializar as mudas.
- Todo o processo deve ser acompanhado por um Engenheiro Agrônomo com registro ativo no CREA e credenciado no Mapa.
Durante a produção, três laudos técnicos são exigidos em momentos chave:
- Após a semeadura dos porta-enxertos.
- Após a realização da enxertia.
- Antes da liberação das mudas para comercialização.
Os lotes de mudas também devem ser testados em laboratórios credenciados pelo Mapa e pela CDA. Esses testes verificam a ausência de doenças importantes como CVC, Phytophthora, HLB (greening) e nematoides.
Todo esse rigor serve para garantir a origem, a sanidade e a qualidade genética do material vegetal que chegará ao campo.
Fontes de consulta para a legislação sobre produção de mudas cítricas.
(Fonte: RENASEM, Mapa, RNC e CDA)
Instalação do Viveiro de Mudas Cítricas
Para instalar um viveiro, dois fatores são cruciais: a escolha do local e a montagem da infraestrutura adequada.
Escolha do Local
Ao escolher a área para o viveiro, alguns cuidados são essenciais:
- Relevo e Solo: O terreno deve ter um leve declive e solo que favoreçam a boa drenagem da água da chuva, evitando empoçamentos.
- Clima da Região: É fundamental conhecer dados como temperatura média, chuvas e sua distribuição ao longo do ano. Isso ajuda a decidir se será necessário instalar telas termorrefletoras, ventiladores ou cortinas laterais na estufa.
- Distanciamento de Pomares: A Portaria Nº 5 da CDA (SP) recomenda que os viveiros sejam instalados a uma distância de no mínimo 20 metros de pomares cítricos. Essa distância pode aumentar para até 1.200 metros se houver histórico de cancro cítrico na região.
- Quebra-Vento: Existem regras sobre o uso da murta (Murraya paniculata) como quebra-vento, pois ela pode ser hospedeira alternativa para o psilídeo, inseto transmissor do greening (HLB).
Infraestrutura Necessária
A legislação também define os requisitos mínimos para a estrutura das estufas onde as mudas serão produzidas. Os principais são:
- Tela Antiafídica: Uso obrigatório de tela com malha específica (
0,87 mm x 0,30 mm
) para impedir a entrada de insetos como pulgões e o psilídeo. - Cobertura Plástica: O teto deve ser de plástico impermeável para proteger as mudas da chuva.
- Antecâmara: Uma área de entrada isolada com no mínimo 4 m², equipada com pedilúvio (para desinfecção dos calçados) e recipientes com álcool para higienização das mãos.
- Piso: Preferencialmente de concreto, para facilitar a limpeza e evitar o contato com o solo.
- Bancadas Elevadas: As mudas devem ser mantidas em bancadas com altura mínima de
40 cm
do chão. - Proteção Externa: A estufa deve ser cercada por muretas para impedir a entrada de água da enxurrada.
É importante notar que podem existir pequenas diferenças nas exigências para as estufas de mudas e as estufas de borbulheiras. Todos os detalhes estão descritos nas normativas oficiais.
Etapas da Produção de Mudas Cítricas
1. Produção dos Porta-Enxertos
O primeiro passo é a produção dos porta-enxertos, que é realizada a partir da germinação de sementes em tubetes preenchidos com substrato.
As sementes de citros possuem características muito importantes para este processo:
- Poliembrionia: significa que uma única semente pode conter vários embriões.
- Apomixia: parte desses embriões são apomíticos, ou seja, são formados diretamente do tecido da planta-mãe, sem fecundação.
Em outras palavras: Embriões apomíticos são clones genéticos da planta matriz. Isso garante que o porta-enxerto terá exatamente as mesmas características desejadas (resistência a doenças, adaptação ao solo, etc.).
Por essa razão, as plantas matrizes que fornecem os frutos para a retirada das sementes precisam ser registradas e certificadas.
Nos tubetes, apenas os embriões apomíticos são mantidos, enquanto os demais (originados de fecundação) são eliminados. Quando as plântulas atingem o tamanho adequado, são transplantadas para sacolas plásticas maiores.
Porta-enxertos semeados em tubetes no início de seu desenvolvimento.
(Fonte: Marcelo B. Santoro)
2. Produção, Coleta e Processamento dos Enxertos (Borbulhas)
Em citros, o enxerto utilizado é formado por uma única gema vegetativa, que recebe o nome de borbulha. As plantas matrizes registradas que fornecem essas gemas são chamadas de borbulheiras.
O viveirista tem duas opções:
- Manter suas próprias borbulheiras em estufas exclusivas.
- Comprar as borbulhas de outros viveiristas credenciados.
As borbulheiras devem ser cultivadas em estufas separadas das mudas em formação. Após a colheita, o ideal é que as borbulhas sejam utilizadas imediatamente. Caso seja necessário armazenar, elas suportam até 2 meses, desde que mantidas em sacos plásticos e refrigeradas a uma temperatura entre 5℃ e 10℃.
Banco de matrizes de cultivares copa de citros para formação de borbulheiras.
3. Produção da Muda Cítrica: A Enxertia
A época ideal para fazer a enxertia é determinada pelo desenvolvimento do porta-enxerto. O “ponto de enxertia” ideal ocorre quando o caule do porta-enxerto atinge um diâmetro de 0,5 mm a 0,8 mm
, o que geralmente acontece de 3 a 5 meses após o transplantio.
A técnica de enxertia mais utilizada para mudas cítricas é a borbulhia do tipo “T” invertido. O nome vem do formato do corte feito no caule do porta-enxerto para inserir a borbulha.
O processo é o seguinte:
Esquema da borbulhia “T” invertido: abertura do corte, retirada da borbulha, inserção e amarrio.
(Fonte: Fachinello et al., 2005)
- Inserção e Amarrio: Após inserir a borbulha no corte, a área é amarrada firmemente com um fitilho plástico. Esse fitilho pode ser removido cerca de 15 dias depois, quando o enxerto já estiver fixado.
- Estímulo da Brotação: Para forçar a gema da borbulha a brotar, a parte aérea do porta-enxerto (acima do ponto de enxertia) é dobrada ou “enrolada”.
- Corte Final: A parte dobrada do porta-enxerto é cortada e removida 50 dias após a enxertia ou quando a nova brotação atingir de 20 cm a 30 cm de comprimento, o que ocorrer primeiro.
À esquerda, mudas recém-enxertadas com o porta-enxerto dobrado. À direita, a brotação da borbulha já desenvolvida.
(Fonte: Marcelo B. Santoro)
Após essa etapa, a muda continua seu desenvolvimento até atingir o padrão ideal para ser comercializada e plantada no campo.
Muda cítrica pronta para a comercialização, com sanidade e padrão genético garantidos.
(Fonte: Teófilo Citros)
Conclusão
A muda cítrica é o alicerce da citricultura de alta performance. Investir em mudas de qualidade, produzidas sob um rigoroso controle sanitário e legal, é o primeiro passo para garantir o sucesso e a rentabilidade do pomar.
A produção de mudas cítricas no Brasil, especialmente em São Paulo, é regulada por leis que asseguram a entrega de um material de alta qualidade ao produtor.
Embora o processo seja técnico e detalhado, segui-lo corretamente resulta em pomares sadios, produtivos e longevos. O bom resultado no campo começa com a escolha certa no viveiro.
Glossário
Apomixia: Fenômeno em que uma semente gera embriões que são clones genéticos da planta-mãe, sem necessidade de fecundação. Em citros, isso é fundamental para garantir que os porta-enxertos mantenham exatamente as mesmas características desejadas, como resistência a doenças.
Borbulha: Nome técnico dado ao enxerto em citros, que consiste em uma única gema (broto) retirada de uma planta matriz. Essa gema é inserida no porta-enxerto e dará origem à copa da nova planta, responsável por produzir os frutos.
Borbulheira: Planta matriz registrada e cultivada em ambiente protegido para fornecer as borbulhas. A qualidade genética e a sanidade desta planta são rigorosamente controladas, pois ela define as características da futura copa e dos frutos.
Enxertia: Técnica que une partes de duas plantas distintas para que cresçam como uma só. Na citricultura, une-se uma borbulha (copa produtora) a um porta-enxerto (sistema radicular), combinando as melhores características de cada um.
Pé-franco: Refere-se a uma planta que se desenvolveu diretamente de uma semente, sem passar por enxertia. Historicamente, eram plantas grandes, com muitos espinhos e que demoravam muito tempo para começar a produzir.
Porta-enxerto: A base da muda, compreendendo o sistema radicular e a parte inferior do caule, sobre a qual a borbulha é enxertada. É escolhido por sua resistência a doenças de solo e sua capacidade de adaptação a diferentes climas e solos.
PTV (Permissão de Trânsito Vegetal): Documento oficial obrigatório para o transporte e a comercialização de mudas entre diferentes localidades. A PTV atesta que o lote de mudas foi inspecionado e atende às exigências fitossanitárias.
RENASEM (Registro Nacional de Sementes e Mudas): Cadastro obrigatório no Ministério da Agricultura (Mapa) para todos que produzem ou comercializam sementes e mudas. A inscrição no RENASEM formaliza o viveiro e garante que ele segue as normas legais.
Como otimizar a gestão do seu viveiro de mudas cítricas
Como vimos, a produção de mudas cítricas é um processo detalhado, que envolve um controle rigoroso de etapas, insumos e conformidade com a legislação. Gerenciar todos esses fatores e, ao mesmo tempo, manter os custos sob controle para garantir a rentabilidade do viveiro é o principal desafio do viveirista.
Nesse cenário, um software de gestão agrícola como o Aegro se torna um grande aliado. Ele permite planejar e registrar todas as atividades no viveiro, desde a semeadura dos porta-enxertos até a comercialização das mudas prontas. Com o controle preciso de insumos e mão de obra, é possível saber exatamente o custo de produção de cada lote, facilitando a precificação e a análise de lucratividade.
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Perguntas Frequentes
Qual a principal diferença entre uma muda de pé-franco e uma muda enxertada de citros?
Uma muda de pé-franco vem diretamente de uma semente, resultando em plantas desuniformes, com espinhos e que demoram anos para produzir. Já a muda enxertada combina um porta-enxerto (raiz resistente) com uma borbulha (copa produtiva), criando plantas uniformes, de produção precoce e com características agronômicas superiores, sendo o padrão da citricultura moderna.
Por que a produção de mudas cítricas precisa ser feita em estufas teladas e não a céu aberto?
A produção em estufas teladas é uma exigência legal para proteger as mudas contra pragas e doenças, especialmente insetos como o psilídeo, transmissor do greening (HLB). Esse ambiente controlado garante a sanidade das plantas, impedindo a contaminação que poderia ocorrer em campo aberto e se espalhar para outros pomares.
O que é apomixia e por que é tão importante para os porta-enxertos de citros?
Apomixia é a capacidade da semente de gerar embriões que são clones genéticos da planta-mãe, sem precisar de fecundação. Isso é fundamental para os porta-enxertos, pois garante que eles mantenham 100% das características desejadas da planta matriz, como resistência a doenças de solo e adaptação climática, assegurando a uniformidade do pomar.
Quais os principais riscos de comprar mudas cítricas sem a devida certificação e a PTV?
Comprar mudas sem certificação ou sem a Permissão de Trânsito Vegetal (PTV) expõe o produtor ao risco de introduzir doenças devastadoras em sua propriedade, como o greening (HLB) e o cancro cítrico. Além disso, não há garantia sobre a identidade genética da copa e do porta-enxerto, o que pode comprometer toda a produtividade e a longevidade do pomar.
Quanto tempo leva, em média, para produzir uma muda cítrica pronta para a comercialização?
O processo completo, desde a semeadura das sementes do porta-enxerto até a muda atingir o padrão ideal para ir a campo, leva em média de 8 a 12 meses. Esse período inclui o desenvolvimento inicial do porta-enxerto, o tempo para a enxertia e o crescimento da nova copa até o tamanho e a formação adequados.
Qualquer produtor pode manter suas próprias borbulheiras para produzir mudas?
Não. Para manter borbulheiras (plantas matrizes que fornecem as gemas para enxertia), o viveirista precisa seguir normas rigorosas. As borbulheiras devem ser mantidas em estufas separadas, registradas e passar por testes laboratoriais periódicos para garantir sua sanidade e identidade genética, conforme a legislação vigente.
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