O mercado de cafés especiais no Brasil está crescendo a um ritmo de 15% ao ano, uma velocidade quatro vezes maior que a dos cafés tradicionais. Essa tendência de valorização da qualidade não é apenas local, mas global. Para o produtor, isso representa uma excelente oportunidade.
O nicho de cafés especiais oferece preços mais atrativos e resulta em um produto final de maior valor agregado. No entanto, entrar nesse mercado exige uma mudança de mentalidade na cafeicultura. É preciso ajustar processos desde o manejo da lavoura até a forma como o café é comercializado.
Neste guia, separamos dicas práticas sobre como iniciar ou aprimorar a produção de cafés especiais e como fazer a transição do sistema convencional de forma segura e eficiente.
O Que Realmente Define um Café Especial?
Apesar do Brasil ser o maior produtor mundial de café, apenas 10% do consumo interno é de cafés especiais. Este cenário, contudo, está mudando rapidamente, e o crescimento desse segmento é certo. Mas, afinal, o que a régua do mercado diz sobre o que é um café especial?
A SCA (Specialty Coffee Association – Associação de Cafés Especiais) é a principal referência mundial que padroniza a metodologia para classificar um café. No Brasil, a BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais) segue diretrizes semelhantes.
De acordo com a SCA, um café é considerado especial quando atende a dois critérios principais:
Qualidade do Grão Verde: O café deve ser 100% da espécie arábica. Na análise de uma amostra de 350 gramas, ele não pode apresentar nenhum defeito primário. Defeitos primários são os mais graves, como grãos pretos, ardidos, fungados ou a presença de materiais estranhos. Além disso, a amostra pode ter, no máximo, cinco defeitos secundários (grãos quebrados, imaturos ou malformados).
Defeitos dos cafés em grão verde (Fonte: Mexido de ideias.com)
Pontuação Sensorial da Bebida: Após a torra e o preparo, o café passa por uma avaliação sensorial (chamada de cupping) onde especialistas analisam atributos como aroma, sabor, acidez, corpo e finalização. Em uma escala de 0 a 100, um café especial precisa atingir 80 pontos ou mais.
A seguir, vamos detalhar como ajustar sua produção para atender a esses exigentes padrões de qualidade.
Como Produzir Cafés Especiais: Um Roteiro Prático
O ponto fundamental na produção de cafés especiais é atender à demanda do mercado consumidor. É o que o cliente final valoriza que deve guiar todas as suas ações na fazenda. Por isso, vamos começar de trás para frente: primeiro, entendendo o que o consumidor quer, e depois, como produzir para atender a essa expectativa.
Entenda o Mercado
Uma pesquisa do Sebrae revelou o que os consumidores de cafés especiais no Brasil mais valorizam:
- Origem: Querem saber de onde vem o café, a história da fazenda e do produtor.
- Sustentabilidade: A produção sustentável, com respeito ao meio ambiente e às pessoas, é um grande diferencial.
- Qualidade e Experiência: Além de uma bebida de alta qualidade, buscam uma experiência completa, que envolve diferentes métodos de preparo, um ambiente agradável e uma conexão maior com a origem do produto.
Formas de Atender à Demanda
Com base no que o mercado busca, o produtor pode seguir diferentes caminhos estratégicos. Aqui estão três exemplos:
- Foco na Produção e Venda para Cooperativas: O produtor se concentra em produzir cafés de altíssima qualidade e se associa a cooperativas especializadas que cuidam da comercialização.
- Criação da Própria Marca: Além de produzir, o cafeicultor desenvolve sua própria marca, empacota o produto final e o vende diretamente para varejistas ou para o consumidor final, agregando mais valor.
- Turismo e Experiência na Fazenda: O produtor cria um espaço na propriedade para receber clientes, servir o café, vender o produto e contar a história por trás da produção, oferecendo uma experiência única.
Exemplo de cafés especiais com produção artesanal e, consequentemente, maior valor agregado (Fonte: Cafezal em Flor)
Cada um desses modelos de negócio possui diferentes níveis de complexidade, o que nos leva ao próximo ponto.
A Transição: Do Convencional ao Especial
A jornada de uma lavoura convencional para uma focada em cafés especiais varia em dificuldade.
- No primeiro modelo (venda para cooperativas), a transição é mais simples. Requer ajustes no sistema produtivo para focar em qualidade, mas a parte de marketing e vendas fica a cargo de terceiros.
- Nos outros dois modelos (marca própria e turismo), o desafio é maior. O produtor precisa dominar não apenas as técnicas de cultivo e processamento, mas também entender profundamente de mercado, canais de venda e, principalmente, como se comunicar e lidar diretamente com o público.
O desafio se torna ainda maior para quem deseja explorar o competitivo mercado internacional. De qualquer forma, a base de tudo é a mesma: um excelente café começa com boas práticas na produção.
Plantio, Escolha de Variedades e Manejo da Lavoura
Como a origem do café é um fator crucial para o consumidor, a rastreabilidade da semente à xícara é indispensável.
Ao fazer o plantio ou renovar a lavoura, é fundamental comprar mudas de viveiristas certificados, que garantam a origem e a sanidade do material.
Em teoria, qualquer variedade de café arábica pode produzir cafés especiais. Portanto, não é sempre necessário trocar a variedade já plantada. O segredo está no manejo.
Para lavouras novas ou em reforma, uma excelente estratégia é escalonar a produção com variedades de maturação precoce, média e tardia. Isso permite que sua colheita seja gradual, dando mais tempo para se dedicar a cada talhão e colher os frutos no ponto ideal de maturação (cereja), reduzindo a porcentagem de grãos verdes.
O manejo da lavoura pode ser convencional ou orgânico. O importante é seguir as boas práticas de manejo nutricional, de pragas e de doenças, garantindo uma produção sustentável e de alta qualidade.
O Momento Decisivo: Colheita e Pós-Colheita
Esta é talvez a etapa mais crítica em todo o processo. Para cafés especiais, todo capricho na colheita e no processamento faz a diferença. Padronização e uniformidade são as palavras de ordem.
A primeira regra é evitar a colheita de grãos verdes, selecionando apenas os cerejas. No caso de colheita mecanizada, o ideal é regular a máquina para manter a quantidade de verdes abaixo de 20% e, depois, separá-los no processamento.
Cafés no ponto ideal para colheita (Fonte: World Coffee Research)
Outra prática essencial é dividir os cafés colhidos em lotes menores, também conhecidos como microlotes. Essa separação pode ser feita por variedade, talhão, ou histórico da área. Isso facilita o controle de qualidade, permite obter lotes mais homogêneos e aumenta as chances de conseguir cafés excepcionais.
Separação de cafés em microlotes para secagem (Fonte: agenciaminas.mg.gov.br)
Após a colheita, existem inúmeras possibilidades de processamento (natural, cereja descascado, fermentado) que podem criar diferentes perfis de sabor na bebida. Cada etapa deve ser controlada e documentada com rigor.
Já falamos especificamente sobre esse processo aqui no Blog do Aegro! Confira aqui as tendências e perspectivas na pós-colheita para um café de qualidade.
É importante lembrar que, mesmo com todo o controle, nem 100% da produção atingirá a classificação de especial. Por isso, a separação em lotes e um controle rígido são tão importantes para identificar e valorizar as melhores partes da sua colheita.
Custo de Produção: O Café Especial Vale a Pena?
Quando o assunto é custo de produção, não há uma resposta única, pois cada propriedade tem sua realidade.
A transição de uma produção convencional para uma focada em especiais geralmente eleva os custos, pois exige um maior investimento em manejo e gerenciamento. Isso inclui:
- Mais análises de solo e foliares.
- Monitoramento mais frequente de pragas e doenças.
- Gerenciamento detalhado por talhões.
- Custo de uma colheita mais seletiva (manual ou mecanizada mais lenta).
- Processos de separação de lotes e secagem diferenciada.
Contudo, devido ao maior preço pago pelo café especial, as receitas também são maiores. Esse aumento na receita geralmente compensa os custos adicionais e pode aumentar significativamente a lucratividade da atividade.
Microlotes de cafés especiais podem atingir preços altíssimos, superando em muito o valor de várias sacas de café convencional.
Exemplo Prático: Concursos de Qualidade
Anualmente, a BSCA realiza o “Cup of Excellence – Brazil”, o principal concurso de qualidade de café do mundo. É uma vitrine que premia os melhores produtores, melhora a imagem do café brasileiro e incentiva a produção de alta qualidade.
Na edição de 2019, o café vencedor, produzido no Sul de Minas Gerais, foi vendido por impressionantes US$ 7.900 a saca! Na média geral do concurso, nenhum café premiado foi vendido por menos de US$ 1.500 a saca.
Regiões brasileiras produtoras de café arábica e robusta (Fonte: BSCA)
Este exemplo mostra o enorme potencial financeiro da produção de cafés especiais, especialmente em períodos de baixa cotação do café na bolsa de Nova York.
Claro, essa qualidade excepcional não surge da noite para o dia. É resultado de muita dedicação, estudo e trabalho. Mas se outros produtores conseguiram, você também pode.
Conclusão
O mercado de cafés especiais é uma oportunidade clara e em expansão para o cafeicultor brasileiro. Existem diferentes caminhos a seguir, mas todos exigem cuidados adicionais, do campo à xícara.
O produtor brasileiro já tem o conhecimento técnico para produzir café com excelência. Com alguns ajustes focados em qualidade, é possível agregar muito mais valor ao produto.
Lembre-se dos pontos principais:
- A produção deve ser orientada pelas exigências do mercado consumidor.
- O custo de produção é mais alto, mas o preço de venda e a lucratividade potencial também são maiores.
- Não existe uma receita pronta. Cada fazenda deve encontrar a melhor estratégia para explorar esse mercado, de acordo com sua realidade e seus objetivos.
Glossário
BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais): Principal entidade no Brasil que promove e certifica os cafés especiais do país. Ela segue padrões de qualidade internacionais e organiza concursos para premiar os melhores produtores.
Cereja (ponto de maturação): Estágio ideal de maturação do fruto do café, quando ele adquire uma cor vermelha ou amarela intensa. A colheita seletiva de frutos “cereja” é crucial para obter a doçura e complexidade necessárias em um café especial.
Cupping: Processo técnico de avaliação sensorial do café, onde provadores profissionais analisam atributos como aroma, sabor, acidez e corpo. É nesta etapa que o café recebe sua pontuação final.
Defeito Primário: Imperfeição grave no grão de café verde que desclassifica um lote como especial, como grãos pretos, ardidos ou mofados. De acordo com a SCA, um café especial não pode ter nenhum defeito primário.
Microlote: Uma pequena e seleta porção da colheita de café, separada por suas características únicas (como variedade ou talhão). Essa prática permite um controle de qualidade superior e a criação de cafés com perfis de sabor distintos e de alto valor.
Pontuação Sensorial: Nota atribuída a um café durante a avaliação de cupping, numa escala de 0 a 100. Para ser classificado como “especial”, um café deve atingir no mínimo 80 pontos.
Rastreabilidade: Capacidade de acompanhar toda a jornada do café, desde a semente no viveiro até a xícara do consumidor final. A rastreabilidade garante a origem e a transparência do processo, sendo um fator muito valorizado no mercado de especiais.
SCA (Specialty Coffee Association): A principal associação mundial que define os padrões de qualidade para o café especial. A metodologia da SCA é a referência global para a classificação e pontuação de cafés.
Como simplificar a gestão e garantir a lucratividade dos cafés especiais
A transição para cafés especiais, embora muito rentável, eleva a complexidade da gestão. Controlar os custos de produção por talhão, garantir a rastreabilidade de cada microlote e analisar a lucratividade de forma precisa são desafios que planilhas e anotações manuais nem sempre conseguem resolver com eficiência.
Para superar esses obstáculos, a tecnologia é fundamental. Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza o controle financeiro e operacional em um só lugar, permitindo que o cafeicultor associe custos a cada lote específico. Com registros detalhados das atividades, fica mais fácil garantir a rastreabilidade exigida pelo mercado e, com relatórios visuais, identificar os talhões mais produtivos para tomar decisões que realmente aumentam o lucro.
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Perguntas Frequentes
Preciso trocar a variedade do meu café para começar a produzir grãos especiais?
Não necessariamente. Embora algumas variedades tenham maior potencial sensorial, qualquer café da espécie arábica pode se tornar especial. O segredo está no manejo cuidadoso, na colheita seletiva dos frutos maduros (cerejas) e nos processos de pós-colheita, que são os fatores que mais impactam a qualidade final da bebida.
O que são microlotes e por que são tão importantes na produção de cafés especiais?
Microlotes são pequenas porções de café separadas por características específicas, como talhão, variedade ou tipo de processamento. Eles são cruciais porque permitem um controle de qualidade superior e a identificação de cafés com perfis de sabor excepcionais. Essa separação agrega valor, pois lotes de alta pontuação podem ser vendidos por preços muito mais elevados no mercado.
O custo para produzir café especial é muito maior? O retorno financeiro é garantido?
Sim, o custo de produção geralmente aumenta devido à necessidade de mais mão de obra para uma colheita seletiva e um manejo mais detalhado. O retorno financeiro não é garantido, pois depende da obtenção de uma alta qualidade e do acesso ao mercado correto. No entanto, o potencial de lucratividade é significativamente maior, já que os preços pagos por cafés especiais podem compensar e superar em muito o investimento adicional.
Qual a diferença exata entre um defeito primário e um secundário no café?
Um defeito primário é uma falha grave que compromete seriamente a qualidade da bebida, como grãos pretos, ardidos ou mofados. A presença de um único defeito primário já desclassifica o café como especial. Defeitos secundários são menos graves, como grãos quebrados ou imaturos. Para ser classificado como especial, um lote pode ter no máximo cinco defeitos secundários em uma amostra de 350g.
É possível para um pequeno produtor entrar no mercado de cafés especiais?
Sim, absolutamente. Pequenos produtores podem se destacar focando na qualidade excepcional e na história por trás do seu café. Estratégias como a criação de microlotes, o desenvolvimento de uma marca própria e a venda direta para torrefações ou consumidores finais são muito eficazes. O mercado valoriza a rastreabilidade e a conexão com a origem, o que representa uma grande vantagem para o pequeno cafeicultor.
Além da colheita no ponto certo, o que mais impacta a pontuação final do café?
O processo de pós-colheita é igualmente decisivo. A forma como o café é processado (natural, cereja descascado, fermentado), a secagem controlada para atingir a umidade ideal e o armazenamento adequado são etapas que influenciam diretamente atributos como doçura, acidez e corpo. Cada uma dessas fases, se bem executada, pode elevar drasticamente a pontuação sensorial do café.
Artigos Relevantes
- Pós-colheita do café: tendências e perspectivas para cafés de qualidade (+ cuidados com a lavoura): Este artigo é o complemento mais direto e essencial, pois aprofunda a seção “O Momento Decisivo” do texto principal, que é a pós-colheita. Ele detalha os métodos de processamento (natural, lavado, fermentado) apenas mencionados no guia, explicando como cada um cria perfis sensoriais distintos, conhecimento fundamental para agregar valor ao café especial.
- Colheita de café: quando realizar e como evitar perda de qualidade: O artigo principal estabelece a colheita seletiva dos frutos “cereja” como o pilar da qualidade. Este conteúdo expande esse conceito crucial, explicando detalhadamente os estágios de maturação, os impactos de uma colheita precoce ou tardia e os diferentes métodos para executar a operação, fornecendo a base prática para o sucesso de todo o processo.
- Como estimar o custo de produção do café (+ calculadora rápida): Enquanto o artigo principal afirma que o café especial pode aumentar a lucratividade apesar dos custos mais altos, este guia oferece a ferramenta prática para o produtor validar essa premissa. Ele ensina a calcular detalhadamente os custos da lavoura, permitindo que o cafeicultor tome uma decisão informada e gerencie a transição para os especiais com segurança financeira.
- Como a colheita mecanizada do café pode reduzir os custos da sua operação: Este artigo aborda uma questão prática e moderna para produtores que buscam escalar a produção de cafés especiais: a mecanização. Ele conecta diretamente a redução de custos com a manutenção da qualidade, explicando como regular as máquinas para uma colheita seletiva, uma solução tecnológica que otimiza a operação sem sacrificar o padrão exigido pelo mercado.
- Entenda como a umidade do grão de café pode impactar a qualidade do produto final: Para garantir a qualidade do café especial, o controle técnico é vital. Este artigo foca no parâmetro mais crítico da pós-colheita e armazenamento: a umidade do grão. Ele oferece o conhecimento técnico aprofundado para evitar defeitos, garantir uma secagem correta e preservar o valor do produto final, complementando perfeitamente as informações mais gerais sobre secagem.