O Brasil é o líder mundial no setor de cana-de-açúcar, respondendo por 20% de toda a produção e 37% das exportações globais. O setor sucroenergético é um gigante em nossa economia, movimentando R$ 113 bilhões e representando 2% do PIB nacional.
Contudo, após uma safra 2018/19 desafiadora, que trouxe prejuízos para muitos produtores, a grande questão é: a produção de cana-de-açúcar voltou a ser rentável?
Neste artigo, vamos detalhar como o mercado funciona, como o preço é calculado e quais são as expectativas para o valor da tonelada de cana em 2019.
Entendendo o Mercado: Como o Preço da Cana é Formado?
O setor sucroenergético tem um impacto social e econômico imenso, gerando cerca de 1,2 milhão de empregos formais e envolvendo 70 mil fornecedores independentes de cana. Hoje, mais de 360 usinas operam no Brasil, sustentando a economia de aproximadamente 1.000 municípios com a produção de açúcar, etanol e energia.
Mas como os preços desses produtos são definidos? O cenário é dividido em três mercados principais:
- Energia: É um mercado regulado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Os preços são definidos em leilões ou no mercado livre (Spot).
- Etanol: Este mercado está ligado ao de combustíveis, regulado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
- Açúcar: Teoricamente, este é o único mercado livre, onde a oferta e a demanda têm maior influência.
Para organizar a precificação da matéria-prima (a cana) nesse cenário complexo, foi criado o modelo Consecana.
(Fonte: Revista Globo Rural)
A Base do Preço: O Modelo Consecana
O modelo Consecana (Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo) nasceu no final dos anos 90. Seu objetivo era criar um sistema justo para o pagamento da cana em uma economia com preços mais livres.
No mercado interno, que consome cerca de 12 milhões de toneladas de açúcar, a maior parte (85%) é vendida diretamente pelas usinas, seja no varejo com marcas próprias ou para a indústria de alimentos. Os outros 15% são vendidos para atacadistas e empacotadores.
O Consecana funciona como o principal mecanismo para definir o valor de referência da matéria-prima entregue pelo produtor.
(Fonte: Piracicaba Engenharia Sucroalcooleira)
Para entender o cálculo, precisamos conhecer dois termos técnicos fundamentais: ART e ATR.
- ART (Açúcares Redutores Totais): significa todo o açúcar presente na cana que você entrega na usina (glicose, frutose e sacarose).
- ATR (Açúcar Total Recuperável): significa a quantidade de açúcar que a usina consegue realmente extrair e transformar em produtos, já descontando as perdas do processo industrial.
No modelo Consecana, essas perdas industriais são fixadas em 8,5%
. Portanto, a conta para chegar ao ATR é direta: o valor do ART menos os 8,5%
de perdas.
A Fórmula Final: Como Calcular o Preço da Tonelada de Cana?
O preço final que o produtor recebe por sua cana é calculado com base em uma fórmula que une a qualidade da sua matéria-prima e o valor de mercado dos produtos.
A fórmula é: Preço da Tonelada de Cana (R$/t) = Qualidade da Matéria-Prima (kg de ATR/t) x Preço do ATR (R$/kg)
Vamos detalhar cada parte:
- Qualidade da Matéria-Prima (kg de ATR/t): Este valor é medido no laboratório da usina a partir de uma amostra da sua cana. A análise determina o ART, e subtraindo os
8,5%
, chega-se ao ATR por tonelada. - Preço do ATR (R$/kg): Este valor é uma média ponderada dos preços que a usina recebe pela venda de 9 produtos diferentes, tanto no mercado interno quanto no externo.
Os 9 produtos que compõem o cálculo do preço do ATR são:
- Açúcar branco de mercado interno (ABMI)
- Açúcar branco de mercado externo (ABME)
- Açúcar “Very High Pol” para exportação (AVHP)
- Etanol anidro combustível (EAC)
- Etanol hidratado combustível (EHC)
- Etanol anidro industrial (EAI)
- Etanol hidratado industrial (EHI)
- Etanol anidro de exportação (EAE)
- Etanol hidratado de exportação (EHE)
Nesse sistema, o produtor participa da receita da usina. A divisão estabelecida é de 60% da receita para o fornecedor de cana e 40% para a usina.
(Fonte: Orplana (2013))
Atualmente, existem quatro modelos Consecana no Brasil (São Paulo, Paraná, Pernambuco e Alagoas/Sergipe). Eles variam porque o custo da matéria-prima e os preços dos produtos são diferentes em cada região.
(Fonte: Unica)
Cenário de 2019: Custos em Alta e Mercado Desafiador
Agora que entendemos o cálculo, vamos analisar os números de 2019. A safra passada foi marcada por uma forte pressão nos custos e na rentabilidade do produtor.
De acordo com dados do Pecege/Orplana/CNA, a situação era a seguinte:
- Custo Médio de Produção:
R$ 103,83
por tonelada. - Valor Médio Recebido:
R$ 78,00
por tonelada, um valor bem abaixo do custo. - Queda na Produtividade: A produtividade média caiu de
80
para77
toneladas por hectare. - Aumento Acumulado dos Custos: Segundo a Orplana, o custo de produção subiu
177,4%
nos últimos 11 anos.
Para a safra 2019, a estimativa de fechamento era de um preço de R$ 64 por tonelada, com uma estratégia de reter o máximo possível da produção e dos estoques para aguardar melhores condições de mercado.
No cenário global, o mercado dava sinais de redução do superávit de açúcar, com uma perspectiva de aumento nos preços internacionais. A Organização Internacional de Açúcar (OIA) previu um segundo ano de superávit, mas menor, de 2,17 milhões de toneladas, com uma produção mundial de 180,49 milhões de toneladas. O consumo, por sua vez, deveria aumentar 1,6%, chegando a 176,9 milhões de toneladas.
Segundo o Cepea, o volume de açúcar cristal negociado vinha diminuindo. Isso ocorreu por causa das vendas já realizadas entre julho e agosto e pelo forte direcionamento da cana para a produção de etanol. Essas condições levaram a uma estabilização de preços em R$ 60,22 por saca de 50 kg, uma leve alta de 0,17% em relação à semana anterior.
(Fonte: Tecnologia de Materiais)
Conclusão
O setor sucroenergético é vital para o Brasil, movimentando uma parte expressiva da economia e gerando milhares de empregos.
Neste artigo, detalhamos como o preço da tonelada de cana é formado pelo sistema Consecana, baseado na qualidade da matéria-prima (ATR) e nos preços dos produtos finais.
Vimos também que o cenário para 2019 foi desafiador, com custos de produção superando o valor pago ao produtor. A expectativa do mercado, no entanto, apontava para uma futura recuperação dos preços internacionais, influenciada pela redução do superávit global de açúcar.
Glossário
Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica): Órgão que regula o setor elétrico no Brasil, definindo regras e preços para a energia gerada a partir do bagaço da cana, por exemplo.
ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis): Agência que regula o mercado de combustíveis no país, incluindo o etanol. Suas políticas impactam diretamente o preço da cana destinada a esse fim.
ART (Açúcares Redutores Totais): Medida que quantifica a totalidade de açúcares (sacarose, glicose e frutose) presentes na cana-de-açúcar entregue na usina. É o potencial máximo de açúcar contido na matéria-prima bruta.
ATR (Açúcar Total Recuperável): O indicador mais importante para o preço da cana. Representa a quantidade de açúcar que a indústria consegue efetivamente extrair e transformar em produtos, já descontando as perdas do processo industrial.
Consecana: Sigla para Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol. É o nome do modelo de precificação que calcula o valor da cana com base na qualidade (ATR) e nos preços de venda dos produtos finais.
Setor sucroenergético: Refere-se à cadeia produtiva que engloba desde o cultivo da cana-de-açúcar até sua transformação em produtos como açúcar, etanol (combustível) e bioeletricidade (energia).
Superávit: Termo econômico que, no contexto do artigo, significa que a produção global de açúcar foi maior que o consumo. Um superávit grande tende a pressionar os preços do produto para baixo.
Tonelada por hectare (t/ha): Unidade padrão de produtividade agrícola. Indica quantas toneladas de cana foram colhidas em uma área de um hectare, que equivale a 10.000 metros quadrados.
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O cenário desafiador, com o custo de produção superando o valor recebido pela tonelada de cana, evidencia um ponto crítico para o produtor: a gestão financeira precisa. Em um mercado de preços voláteis, saber exatamente o seu custo por tonelada é essencial para garantir a rentabilidade. Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza o acompanhamento de todas as despesas da safra, desde a compra de insumos até as operações com maquinário, permitindo que você conheça sua lucratividade em tempo real. Com relatórios claros, fica mais fácil tomar decisões estratégicas para reduzir custos e planejar o futuro com segurança.
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Perguntas Frequentes
O que é o modelo Consecana e por que ele é tão importante para o produtor de cana?
O Consecana é um sistema de precificação que define o valor da cana-de-açúcar com base na sua qualidade (ATR) e nos preços de mercado dos produtos finais, como açúcar e etanol. Sua importância está em criar uma relação transparente e justa entre produtores e usinas, garantindo que o fornecedor participe da receita gerada pela indústria, geralmente na proporção de 60%.
Qual a diferença fundamental entre ART e ATR no cálculo do preço da cana?
ART (Açúcares Redutores Totais) representa todo o potencial de açúcar contido na cana entregue na usina. Já o ATR (Açúcar Total Recuperável) é a quantidade de açúcar que a indústria efetivamente consegue extrair e transformar em produtos, já descontando as perdas do processo industrial. O pagamento ao produtor é feito com base no ATR, que é o indicador real da qualidade da matéria-prima.
Como um produtor de cana pode aumentar o valor que recebe por sua matéria-prima?
O valor recebido é o resultado da multiplicação do seu ATR (qualidade) pelo preço do ATR no mercado. Como o produtor não controla o preço, a principal forma de aumentar o valor é melhorando a qualidade da cana para elevar o seu teor de ATR. Isso pode ser alcançado com manejo agronômico adequado, escolha de variedades mais ricas em sacarose e colheita no ponto ideal de maturação.
Por que o preço do etanol afeta o valor da cana mesmo que meu foco seja produzir açúcar?
Isso ocorre porque o preço do ATR é calculado a partir de uma média ponderada dos preços de todos os produtos que a usina vende, incluindo diferentes tipos de açúcar, etanol e bioeletricidade. Mesmo que sua cana seja destinada ao açúcar, a receita total da usina é influenciada por todos os mercados. Assim, uma alta no preço do etanol eleva o valor do ATR, beneficiando todos os fornecedores.
O sistema Consecana garante que o produtor sempre terá lucro na venda da cana?
Não necessariamente. O Consecana garante uma participação justa na receita da usina, mas não garante o lucro. A rentabilidade do produtor depende da relação entre o preço recebido pela tonelada de cana e o seu custo de produção. Como visto no cenário de 2019, se os custos de produção forem maiores que o valor de venda, o produtor terá prejuízo.
Quem é responsável por medir o ATR da minha cana e como posso confiar nesse resultado?
A medição do ATR é realizada no laboratório da própria usina, a partir de amostras retiradas de cada carga de cana entregue. Para garantir a transparência e a confiabilidade do processo, o sistema é fiscalizado por entidades representativas dos produtores, como associações e o próprio Conselho do Consecana, que estabelecem os padrões e podem auditar os resultados.
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