A triticultura, como é conhecida a plantação de trigo, desempenha um papel fundamental na alimentação mundial. No Brasil, com o aumento da demanda, a área de produção do cultivo de trigo vem apresentando um crescimento constante.
Contudo, para alcançar altas produtividades, você precisa dominar todas as etapas do processo produtivo. Entre elas, uma das mais críticas para o sucesso da safra é o momento do plantio do trigo.
Neste artigo, você encontrará informações técnicas detalhadas para otimizar o manejo inicial da sua lavoura de trigo, garantindo um excelente estabelecimento da cultura. Vamos abordar desde a escolha da cultivar até os cuidados fitossanitários. Boa leitura!
A Importância Estratégica do Cultivo de Trigo
O trigo é uma das culturas mais antigas e importantes do mundo. Sendo uma rica fonte de carboidratos, proteínas, fibras e minerais essenciais, seu papel na alimentação humana é insubstituível, sendo consumido de diversas formas.
Por essa razão, a plantação de trigo está presente em quase todo o mundo. Os maiores produtores globais incluem China, União Europeia, Índia, Rússia, e Estados Unidos, entre outros.
Maiores produtores mundiais de trigo.
(Fonte: Conab)
A plantação de trigo no Brasil ocupa atualmente a 15ª posição no ranking mundial de produção. No entanto, existe um grande potencial para crescimento, tanto em área cultivada quanto em produtividade por hectare.
Para aproveitar essa oportunidade, é necessário um planejamento agrícola detalhado e o uso de técnicas de plantio corretas. A seguir, apresentamos informações essenciais para te auxiliar nesse processo.
Características da Cultura do Trigo
O trigo é um cereal que tem como principal característica o perfilhamento, que é a capacidade da planta de emitir novos brotos (perfilhos) a partir de sua base. Esses ramos laterais se desenvolvem de forma idêntica ao colmo principal, cada um com potencial para produzir uma espiga e aumentar a produção de grãos.
Exemplo de uma planta de trigo e seus perfilhos.
(Fonte: UFMS)
As folhas do trigo são compridas e finas, e seus colmos são cilíndricos e eretos, com 5 a 7 nós. A inflorescência tem o formato de uma espiga composta, onde os grãos se desenvolvem.
O ciclo de desenvolvimento do trigo, ou ciclo fenológico, pode ser dividido em cinco etapas principais:
- Germinação e Crescimento da Plântula: A emergência das plântulas ocorre de 5 a 7 dias após o plantio, com a formação da raiz (radícula), da parte aérea e das primeiras folhas.
- Afilhamento ou Perfilhamento: Esta etapa dura cerca de 15 dias. É nela que surgem os perfilhos. A quantidade de perfilhos varia conforme a cultivar e as condições de manejo.
- Alongamento: Nesta fase, que dura de 15 a 20 dias, ocorre a formação da folha bandeira (a última folha da planta). O final desta etapa é marcado pelo “emborrachamento”, que é quando a espiga, ainda dentro do colmo, começa a inchar antes de emergir.
- Espigamento: Dura de 12 a 15 dias. Abrange a emergência da espiga, a floração, a frutificação e o início do enchimento dos grãos.
- Maturação: Esta é a fase final, com duração de 30 a 40 dias. As folhas e os colmos secam, e os grãos se desenvolvem completamente até atingirem o ponto de colheita.
Como Plantar Trigo: Um Passo a Passo Técnico
Saber como o trigo é plantado corretamente é o primeiro passo para obter altas produtividades. Cada etapa do processo exige atenção a detalhes específicos que impactam diretamente o resultado final.
1. Escolha da Cultivar Adequada
No Brasil, a produção de trigo se concentra na Região Sul, mas também ocorre em estados como Bahia, Minas Gerais, Goiás e no Distrito Federal. A principal diferença entre as regiões é o tipo de cultivar utilizado.
Cada cultivar é desenvolvida para ser adaptada às condições de clima e solo de uma região específica. Para fazer a escolha certa, considere os seguintes fatores:
- Indicação de produção para sua região.
- Histórico de alto desempenho e produtividade no campo.
- Resistência às principais doenças da sua localidade.
- Adequação da cultivar ao seu sistema de produção (sequeiro ou irrigado).
- Exigências de fertilidade do solo.
- Época de semeadura recomendada.
2. Definição da Época de Plantio
A janela de semeadura do trigo varia significativamente pelo Brasil:
- Região do Brasil Central (Cerrado): O plantio de sequeiro ocorre de janeiro a fevereiro, enquanto o trigo irrigado é semeado de abril a maio.
- Região Sul: A janela de semeadura é mais ampla, estendendo-se de março a junho.
Para definir a melhor época com segurança, utilize o Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático). Essa ferramenta do governo federal indica os períodos de menor risco para a cultura.
No portal do Zarc, você encontra uma lista de cultivares indicadas para sua região e o calendário de plantio para cada município. Basta acessar o sistema, selecionar seu estado e a cultura do trigo para obter:
- Cidades indicadas para o cultivo.
- Períodos de plantio (início e fim da janela) para cada município.
- Recomendações por tipo de solo e grupo de cultivar.
Seguir o Zarc ajuda a reduzir riscos climáticos, como geadas na fase de espigamento, e a diminuir a incidência de doenças no enchimento de grãos, garantindo a qualidade e o potencial produtivo da lavoura.
3. Condições Ideais de Clima e Umidade
O trigo se adapta bem a regiões de clima tropical e subtropical. Para alcançar seu máximo potencial produtivo, a umidade relativa do ar ideal é de 70%.
Umidades muito elevadas favorecem o desenvolvimento de doenças, impactando negativamente o rendimento de grãos. Da mesma forma, a umidade do solo no momento do plantio deve ser adequada.
A temperatura do solo ideal para a emergência das plântulas de trigo está entre 15°C e 20°C. Temperaturas acima de 26°C podem ser prejudiciais e comprometer o estabelecimento inicial da cultura.
Por isso, planeje sua semeadura acompanhando as previsões climáticas para evitar períodos de temperaturas extremas. As condições de umidade, temperatura e chuva durante todo o ciclo influenciam diretamente a qualidade final do grão.
4. Preparo do Solo para o Plantio de Trigo
Com o planejamento feito e as sementes em mãos, o próximo passo é preparar o solo. A abordagem dependerá do sistema de cultivo adotado na área, seja convencional ou plantio direto.
Para garantir um bom estabelecimento da lavoura de trigo, siga estas práticas:
- Semear no limpo: Realize um controle eficaz de plantas daninhas antes do plantio.
- Manejo da cobertura: Mantenha uma boa cobertura do solo até a semeadura, especialmente no sistema de plantio direto.
- Análise de solo: Fundamental para uma adubação equilibrada e correção da acidez.
- Qualidade da semeadura: Atenção à velocidade da semeadora e à profundidade de deposição das sementes (
2 cm a 5 cm). - Sementes de qualidade: Utilize sementes certificadas e com alto vigor.
- População de plantas: Calcule a densidade correta para a sua cultivar e realidade.
O custo com fertilizantes representa aproximadamente 25% do investimento total na lavoura de trigo. Portanto, a análise de solo é uma ferramenta indispensável para otimizar o uso de insumos e maximizar o retorno.
Análise de Solo
A análise de solo é o que determina a necessidade de correção e de fertilizantes. As amostras devem ser representativas da área total.
- Plantio Direto: A amostragem recomendada é na camada de
0 cm a 10 cm, com coletas ocasionais de0 cm a 20 cm. - Plantio Convencional: A amostragem deve ser feita na camada de
0 cm a 20 cm.
A interpretação dos resultados e as recomendações de calagem e adubação devem seguir os manuais técnicos específicos para a sua região.
Correção com Calcário (Calagem)
Com a interpretação da análise de solo em mãos, determine se a área precisa de calagem — a aplicação de calcário para corrigir a acidez do solo. A quantidade a ser aplicada deve seguir as recomendações técnicas regionais para a cultura do trigo.
Adubação
A adubação com fertilizantes NPK e micronutrientes é geralmente realizada no sulco de semeadura. O nitrogênio (N), por sua vez, é complementado com uma ou duas aplicações em cobertura.
O infográfico abaixo mostra a relação entre as fases de desenvolvimento do trigo e o manejo nutricional.
Manejo nutricional relacionado à fenologia da cultura do trigo.
(Fonte: Modificada de Pires et al. (2011) em Ipni)
A adubação nitrogenada é a que a cultura do trigo mais demanda. A dose recomendada depende de fatores como o teor de matéria orgânica do solo, a cultura anterior, o clima da região e a expectativa de rendimento.
- Para Rio Grande do Sul e Santa Catarina: A dose de N varia conforme o nível de matéria orgânica, a cultura antecessora e a produtividade esperada.
- Para o Paraná: A recomendação é baseada principalmente na cultura anterior.
O nitrogênio é aplicado em cobertura, geralmente entre as fases de perfilhamento e alongamento do colmo.
Tabela de indicação de adubação nitrogenada (kg/ha) para trigo e triticale no RS e SC (bloco 1) e no PR (bloco 2).
(Fonte: Embrapa)
Para recomendações específicas de outros estados e nutrientes, consulte os manuais técnicos da Embrapa. Em caso de dúvidas, sempre consulte um(a) engenheiro(a) agrônomo(a).
5. Semeadura, Espaçamento e Densidade
No Brasil, a maior parte do plantio de trigo é mecanizado com semeadoras. As recomendações técnicas para a operação são:
- Espaçamento entre linhas: de 17 cm a 20 cm.
- Densidade de semeadura: de 200 a 400 sementes viáveis por metro quadrado (m²).
- Profundidade de semeadura: de 2 cm a 5 cm.
Representação da área ocupada por planta de trigo em diferentes arranjos (população vs. espaçamento).
(Fonte: Sistemas de Produção Embrapa)
Embora menos comum, a semeadura a lanço (manual ou mecanizada) também é praticada, mas resulta em espaçamento irregular e desuniformidade da lavoura.
Para calcular a quantidade de sementes (kg/ha) necessária, é preciso ajustar a população desejada com base na qualidade do seu lote (germinação e pureza). Utilize a seguinte fórmula:
(Fonte: adaptação da autora)
Manejo Inicial da Lavoura de Trigo
Os cuidados com a lavoura de trigo começam antes mesmo da instalação e continuam durante todo o ciclo inicial. O manejo de doenças, pragas e plantas daninhas da cultura é fundamental para um bom arranque.
As plantas daninhas devem ser controladas para que a semeadura seja feita “no limpo”. O trigo precisa de, no mínimo, 12 dias iniciais livre da competição com invasoras. A atenção deve ser redobrada com gramíneas de difícil controle, como azevém, capim-amargoso e aveia.
Doenças e pragas devem ser monitoradas e controladas antes que causem danos econômicos. Entre as principais doenças do trigo que podem surgir no início do ciclo, destacam-se:
- Oídio;
- Ferrugem da folha;
- Mancha amarela;
- Mancha-marrom;
- Nanismo-amarelo;
- Mal-do-pé.
Para combatê-las, a adoção do MID (Manejo Integrado de Doenças) é a estratégia mais eficiente.
As pragas do trigo também exigem monitoramento desde a germinação. As mais comuns no início do ciclo são pulgões, corós, percevejo-barriga-verde e lagartas.
Para o controle, o MIP (Manejo Integrado de Pragas) é indispensável. Ele combina diferentes táticas para reduzir os danos e a dependência de defensivos químicos.
Conhecer o histórico da área, monitorar o clima, praticar a rotação de culturas e realizar o controle químico no momento correto são ferramentas essenciais para manter a lavoura sadia e produtiva.
Conclusão
Neste artigo, você revisou os pontos técnicos essenciais para o sucesso na plantação de trigo, incluindo a época de plantio correta, a escolha de cultivares, o espaçamento ideal e o cálculo da densidade de sementes.
Vimos também que um bom preparo do solo, incluindo adubação e calagem baseadas em análise, é um passo fundamental para garantir altas produtividades.
Após a implantação da cultura, o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas desde o início do ciclo é o que garantirá que sua lavoura se desenvolva sem danos e expresse seu máximo potencial genético.
Com um planejamento cuidadoso e a execução correta dessas práticas, você estará no caminho certo para uma excelente safra.
Atualizado em 26 de julho de 2022 por Carina Oliveira.
Carina é engenheira-agrônoma formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Sistemas de Produção (Unesp) e doutora em Fitotecnia pela Esalq-USP.
Glossário
Calagem: Processo de aplicação de calcário no solo para corrigir a acidez (aumentar o pH) e fornecer nutrientes como cálcio e magnésio. É uma etapa fundamental do preparo do solo, pois melhora a eficiência da adubação e o desenvolvimento das raízes do trigo.
Cultivar: Refere-se a uma variedade específica de planta desenvolvida por meio de melhoramento genético para possuir características desejáveis. No caso do trigo, a escolha da cultivar é baseada na adaptação ao clima regional, resistência a doenças e potencial produtivo.
Emborrachamento: Fase do desenvolvimento do trigo que ocorre no final do alongamento do colmo, pouco antes da emissão da espiga. O nome se refere à sensação tátil de inchaço na base da “folha bandeira”, onde a espiga está se formando e crescendo dentro da bainha foliar.
MID (Manejo Integrado de Doenças): Uma estratégia de controle que combina diferentes métodos (culturais, biológicos e químicos) para prevenir e manejar doenças. O objetivo é manter as doenças abaixo do nível de dano econômico, de forma sustentável e racional.
MIP (Manejo Integrado de Pragas): Abordagem que utiliza um conjunto de táticas para controlar pragas, como o monitoramento da lavoura e o uso de defensivos apenas quando a população de insetos atinge um nível crítico. Visa reduzir a dependência de inseticidas e os custos de produção.
Perfilhamento: Capacidade natural do trigo de emitir brotos laterais (perfilhos) a partir da base da planta principal. Cada perfilho tem o potencial de formar uma espiga, o que aumenta diretamente o número de grãos por área e o rendimento da lavoura.
Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático): Ferramenta do governo federal que indica os períodos de plantio com menor risco climático para cada cultura em cada município. Consultar o Zarc ajuda o produtor a evitar perdas por eventos como geadas na fase de espigamento ou seca no enchimento de grãos.
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Perguntas Frequentes
Qual o erro mais comum no plantio de trigo que pode comprometer a produtividade inicial?
Um dos erros mais comuns é a profundidade de semeadura inadequada. Plantar as sementes muito raso (menos de 2 cm) pode expô-las à desidratação, enquanto plantá-las muito fundo (mais de 5 cm) pode esgotar as reservas da semente antes da emergência, resultando em um estande desuniforme e com baixo vigor.
Como a adubação nitrogenada em cobertura impacta o rendimento do trigo?
A adubação nitrogenada em cobertura, aplicada entre o perfilhamento e o alongamento, é crucial para estimular a emissão de perfilhos viáveis, que se tornarão espigas produtivas. Além disso, o nitrogênio é fundamental para a formação da folha bandeira e para o enchimento dos grãos, influenciando diretamente o peso e a qualidade do grão colhido.
Por que é tão importante seguir a janela de plantio indicada pelo Zarc?
Plantar fora da janela recomendada pelo Zarc aumenta significativamente os riscos climáticos. A semeadura tardia pode expor a fase de espigamento e enchimento de grãos a geadas ou a um período de alta umidade, favorecendo doenças como a giberela. Já a semeadura muito antecipada pode submeter a planta a estresse hídrico no início do ciclo.
O que é o perfilhamento do trigo e como posso estimulá-lo?
O perfilhamento é a capacidade da planta de emitir novos brotos (perfilhos) a partir de sua base, o que aumenta o número de espigas por área. Para estimular um bom perfilhamento, é essencial garantir uma adubação nitrogenada adequada na fase inicial, manter uma densidade de semeadura correta para evitar competição excessiva e controlar plantas daninhas no início do ciclo.
Qual a diferença no preparo do solo para o trigo em sistema de plantio direto e convencional?
No sistema convencional, o solo é preparado com aração e gradagem, o que o deixa exposto. No plantio direto, a semeadura é feita sobre a palhada da cultura anterior, sem revolvimento do solo. Isso exige um bom manejo da cobertura vegetal e um controle eficaz de plantas daninhas antes do plantio para garantir o bom contato da semente com o solo.
O que é a ‘folha bandeira’ e por que ela é tão importante para a cultura do trigo?
A folha bandeira é a última folha a se desenvolver na planta de trigo e é a principal responsável pela fotossíntese durante a fase de enchimento dos grãos. Manter essa folha sadia e livre de doenças é vital, pois ela contribui com até 75% da energia necessária para formar grãos pesados e de qualidade, impactando diretamente a produtividade final da lavoura.
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