Plantas Tiguera: O que são e por que ameaçam sua lavoura?

Engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Fitotecnia focado em plantas daninhas.
Plantas Tiguera: O que são e por que ameaçam sua lavoura?

Plantas de uma safra anterior que insistem em nascer no meio da nova cultura são chamadas de plantas tigueras, também conhecidas como guaxas ou voluntárias.

O exemplo mais comum que o produtor enfrenta é a presença de plantas de milho em uma lavoura de soja.

Embora pareça uma situação simples, ela está longe de ser inofensiva e pode causar prejuízos significativos. Para se ter uma ideia, uma alta densidade de milho tiguera, especialmente aquele que nasce de espigas deixadas no campo, pode reduzir a produtividade da soja em até 70%.

Neste guia, vamos detalhar o que causa a ocorrência de plantas tiguera e, mais importante, como realizar um manejo eficiente para proteger o potencial produtivo da sua lavoura.

Planta Tiguera: Por que o Problema Aumentou com as Lavouras Transgênicas?

Antigamente, antes da popularização de culturas tolerantes a herbicidas, o manejo de plantas tigueras era mais simples, muitas vezes resolvido com o uso de glifosato.

No entanto, com a chegada de cultivos resistentes ao glifosato, esse método de controle se tornou ineficaz para plantas tigueras que também carregavam essa tecnologia. Isso fez com que o problema crescesse significativamente.

Hoje, as principais culturas como soja, milho e algodão possuem diferentes tecnologias de resistência a herbicidas:

  • Soja: Roundup Ready (resistência ao glifosato) e Cultivance (resistência a imazapique e imazapir).
  • Milho: Roundup Ready (glifosato) e Liberty Link (glufosinato de amônio).
  • Algodão: Roundup Ready (glifosato), Liberty Link (glufosinato de amônio) e Glytol (resistência a glifosato e glufosinato de amônio).

Além das cultivares transgênicas, existem variedades obtidas por melhoramento genético convencional que também são tolerantes a herbicidas:

  • Soja: Tecnologia STS (tolerância ao Chlorimuron).
  • Arroz: Tecnologia Clearfield (tolerância a Imidazolinonas, como imazapir e imazapique).

E o cenário continua evoluindo, com novas tecnologias previstas para os próximos anos:

  • Soja: Enlist (resistência a 2,4-D colina, glifosato e glufosinato de amônio) e Xtend (resistência a Dicamba e glifosato).
  • Milho: Enlist (resistência a 2,4-D colina, glifosato, glufosinato de amônio e haloxyfop).

Para completar o desafio, nosso país já registra 28 espécies de plantas daninhas resistentes a diferentes herbicidas. A combinação de plantas tigueras resistentes com daninhas resistentes diminui as opções de manejo, exigindo do agricultor um planejamento muito mais cuidadoso para manter a lavoura limpa e garantir alta produtividade.

uma vasta lavoura de soja em estágio vegetativo, com as plantas verdes e saudáveis dispostas em fileiras retas (Fonte: Embrapa)

Manejo do Milho Tiguera na Lavoura de Soja

Graças às nossas condições climáticas, o Brasil é um dos poucos lugares onde é possível ter mais de uma safra no mesmo ano agrícola. Um dos sistemas mais comuns é a sucessão de soja na primeira safra, seguida pelo milho safrinha.

Isso cria um cenário de interferência mútua: soja tiguera no milho e, o mais comum, milho tiguera na soja. A presença de apenas uma planta de milho por metro quadrado na lavoura de soja pode causar uma redução de 17% na produtividade da cultura.

Mas como o milho sobrevive na área mesmo após o manejo da entressafra?

Durante a colheita do milho, a máquina acaba derrubando grãos, pedaços de espiga e até espigas inteiras na lavoura. Isso resulta em múltiplos fluxos de germinação do milho, dificultando o posicionamento ideal dos herbicidas para um controle eficaz.

infográfico técnico que compara duas estratégias de manejo de plantas daninhas, especificamente plantas voluntá (Fonte: Monsanto)

Se o controle na entressafra não for bem-sucedido, a soja emergirá já competindo com plantas de milho maiores, o que agrava as perdas por competição.

Estratégias de Controle Químico

Quando o milho tiguera é tolerante ao glifosato e ao glufosinato, os herbicidas mais eficientes para o controle em pós-emergência são os graminicidas, que são os inibidores da enzima ACCase.

  • Para milho em estádio inicial (até V2-V3), as opções incluem:
    • clethodim (0,40 L/ha)
    • sethoxydim (1,25 L/ha)
    • fluazifop (0,60 L/ha)
    • haloxyfop (0,40 L/ha)
  • Para milho em estádio mais avançado (V6-V8), os herbicidas fluazifop e haloxyfop demonstram maior eficiência.

Atenção: Lembre-se sempre de adicionar adjuvantes conforme a recomendação de bula para garantir a máxima eficácia do produto.

Um ponto importante no manejo de entressafra é a mistura de 2,4-D com graminicidas. Essa combinação tem um efeito antagônico, ou seja, o 2,4-D pode reduzir a eficiência do graminicida. Para compensar essa perda, é necessário aumentar a dose do graminicida em cerca de 20%.

Manejo da Soja Tiguera na Lavoura de Milho Safrinha

No cenário inverso, a soja tiguera no milho também é um problema. A presença de 8 plantas de soja por metro quadrado pode reduzir a produção de milho em 14%.

O grande desafio aqui é o tempo: a semeadura do milho safrinha muitas vezes acontece ao mesmo tempo que a colheita da soja. Por isso, o manejo da soja tiguera precisa ser feito antes que ela estabeleça competição com o milho recém-plantado.

uma fileira de plantas jovens de milho crescendo em solo de tonalidade avermelhada, característico de muitas r Controle da soja RR voluntária na safrinha do milho (Foto: Fernando Storniolo Adegas em USP/Esalq)

Mais que Competição: O Risco de Pragas e Doenças

As plantas tigueras funcionam como “ponte verde”, servindo de hospedeiras para insetos-praga e doenças entre uma safra e outra. No caso do milho safrinha, as plantas de soja tiguera devem ser rigorosamente controladas para evitar a sobrevivência do fungo da ferrugem asiática, respeitando o período do vazio sanitário.

Opções de Controle Químico

O controle da soja tiguera é mais eficaz quando as plantas estão pequenas, com até 2 trifólios. Para o manejo dentro da cultura do milho, as recomendações são:

  • Atrazina (3,0 L/ha)
  • Mesotrione (0,25 L/ha) + Atrazina (3,0 L/ha)
  • Nicosulfuron (0,40 L/ha) + Atrazina (3,0 L/ha)

Lembre-se: Sempre adicione adjuvantes conforme a recomendação de bula do produto utilizado.

gráfico de barras no estilo Gantt, intitulado ‘Períodos de Vazio Sanitário’, que funciona como um calendári (Fonte: Embrapa)

Manejo da Soja Tiguera na Cultura do Algodão

A sucessão soja-algodão também é muito comum. A planta de algodão tem um crescimento inicial lento, o que a torna muito vulnerável à competição. Pesquisas indicam que uma única planta de soja tiguera por metro quadrado pode reduzir a produtividade do algodoeiro em até 14%.

A boa notícia é que as sementes de soja que ficam um pouco enterradas no solo costumam ter um único fluxo de emergência, o que facilita o controle.

  • No caso da soja RR, o manejo pode ser feito com glufosinato de amônio (0,67 L/ha) isolado ou em mistura com pyrithiobac-sodium (0,06 L/ha).
  • Se o algodão não for resistente ao glufosinato de amônio, o controle deve ser feito com jato dirigido, utilizando herbicidas não seletivos como paraquat, paraquat+diuron e MSMA.

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Manejo de Algodoeiro Voluntário na Cultura da Soja

O algodão pode se tornar tiguera na safra seguinte de duas formas: pela rebrota da soqueira (o que resta da planta após a colheita) ou por sementes perdidas. Por isso, a destruição eficiente da soqueira após a colheita do algodão é fundamental.

Para o controle de plantas de algodão tiguera que nascem de sementes na cultura da soja, os herbicidas recomendados incluem imazethapyr, cloransulam, chlorimuron ou fomesafen.

uma lavoura de soja em estágio avançado, com as plantas majoritariamente secas e amareladas, indicando a proxi (Foto: Alexandre Ferreira em Embrapa)

Perspectivas para os Próximos Anos

Mesmo com o aumento dos desafios, o futuro traz novas soluções. Novas ferramentas ajudarão no controle de plantas tiguera e daninhas:

  • Novos Ingredientes Ativos: Princípios ativos já usados em outros países, como halauxifen e florpyrauxifen, devem ser registrados no Brasil.
  • Novas Formulações: Moléculas já conhecidas serão relançadas com formulações mais modernas e eficientes.
  • Novos Mecanismos de Ação: A maior expectativa do mercado é o lançamento, na próxima década, de produtos com mecanismos de ação inéditos, o que será crucial para o manejo da resistência.

Conclusão

Neste artigo, vimos como as plantas tiguera podem prejudicar a sua produção e por que se tornaram um problema tão relevante nos últimos anos. Cobrimos as principais recomendações de herbicidas para o manejo em diferentes sistemas de sucessão de culturas no Brasil.

Embora novas tecnologias estejam a caminho, a melhor estratégia começa antes da aplicação de qualquer produto.

Lembre-se: a primeira e mais importante etapa para reduzir a ocorrência de plantas tiguera é realizar uma colheita eficiente, com o mínimo de perdas de grãos. Mantenha a atenção na regulagem da colhedora e realize a operação no ponto ideal de umidade dos grãos.

Com um bom planejamento e as recomendações que compartilhamos, você estará mais preparado para evitar a competição e proteger o potencial produtivo da sua lavoura.


Glossário

  • Adjuvantes: Substâncias adicionadas à calda de pulverização para melhorar a eficácia de herbicidas e outros defensivos. Ajudam o produto a se espalhar e ser absorvido melhor pelas folhas da planta.

  • Glifosato: Um dos herbicidas mais utilizados no mundo, conhecido por sua eficácia em eliminar a maioria das plantas (não seletivo). O surgimento de culturas resistentes ao glifosato, como a soja RR, tornou o controle de plantas tigueras que também possuem essa característica um grande desafio.

  • Graminicidas: Classe de herbicidas seletivos usados para controlar plantas da família das gramíneas (capins, milho, trigo). São a principal ferramenta química para eliminar milho tiguera em lavouras de folhas largas, como a soja e o algodão.

  • Milho safrinha: Refere-se à segunda safra de milho cultivada no mesmo ano agrícola, geralmente semeada logo após a colheita da soja de verão. Esse sistema de sucessão é o cenário mais comum para a ocorrência de milho tiguera.

  • Plantas tigueras: Plantas que germinam a partir de sementes ou grãos perdidos durante a colheita da safra anterior. Também conhecidas como guaxas ou voluntárias, elas competem por recursos com a nova cultura, como o milho que nasce espontaneamente no meio da lavoura de soja.

  • Ponte verde: Termo técnico para descrever como as plantas tigueras e daninhas que sobrevivem na entressafra servem de hospedeiras para pragas e doenças. Elas criam uma “ponte” que permite a sobrevivência e a transferência desses problemas para a safra seguinte.

  • Soqueira: Refere-se à base do caule e ao sistema radicular que permanecem no campo após a colheita de culturas como o algodão. Se não for bem destruída, a soqueira pode rebrotar e se tornar uma fonte de plantas tigueras na safra seguinte.

  • Vazio sanitário: Período legalmente determinado em que é proibido manter plantas vivas de uma cultura específica (como a soja) no campo. Essa medida visa quebrar o ciclo de doenças importantes, como a ferrugem asiática, impedindo que elas encontrem hospedeiros para sobreviver entre as safras.

Veja como a tecnologia pode simplificar o manejo de plantas tigueras

O controle de plantas tigueras, como vimos, exige um planejamento preciso para ser eficaz e não comprometer o orçamento da safra. Acompanhar as doses de herbicidas, o momento ideal de aplicação e o histórico de cada talhão é um desafio que impacta diretamente a produtividade.

Um software de gestão agrícola como o Aegro ajuda a organizar esse processo. Com ele, você planeja e registra todas as atividades no campo, controla o estoque de insumos e monitora os custos de cada operação. Isso permite tomar decisões baseadas em dados concretos, garantindo que o manejo seja feito da forma mais eficiente e econômica possível.

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Perguntas Frequentes

O que exatamente são plantas tigueras e por que são tão prejudiciais?

Plantas tigueras, também conhecidas como guaxas ou voluntárias, são plantas de uma safra anterior que nascem espontaneamente na lavoura seguinte, como milho em meio à soja. Elas são prejudiciais porque competem diretamente com a cultura principal por recursos vitais como água, luz e nutrientes, podendo causar perdas de produtividade que, em casos de alta infestação, podem chegar a 70%.

Por que o problema com milho tiguera aumentou após a popularização da soja transgênica RR?

O problema se agravou porque, com a adoção de soja e milho com tecnologia Roundup Ready (RR), ambos se tornaram resistentes ao herbicida glifosato. Isso significa que o glifosato, antes usado para limpar a área, já não consegue eliminar o milho tiguera RR que nasce na lavoura de soja RR, forçando os produtores a buscarem herbicidas alternativos e mais específicos.

Além da competição, existe algum outro risco associado às plantas tigueras?

Sim. As plantas tigueras funcionam como uma ‘ponte verde’, servindo de hospedeiras para pragas e doenças entre as safras. Por exemplo, a soja tiguera pode abrigar o fungo da ferrugem asiática durante a entressafra, o que compromete a eficácia do vazio sanitário e aumenta a pressão de doenças para a safra seguinte de soja.

Quais os herbicidas mais recomendados para o controle de milho tiguera na soja?

Quando o milho tiguera é resistente ao glifosato, os herbicidas mais eficientes são os graminicidas, que inibem a enzima ACCase. Opções como clethodim, sethoxydim, fluazifop e haloxyfop são recomendadas, especialmente quando o milho está em estágios iniciais (até V3). É fundamental aplicar os produtos com adjuvantes conforme a recomendação de bula para garantir a máxima eficácia.

Qual é a medida preventiva mais importante para reduzir a incidência de plantas tigueras?

A medida mais eficaz e fundamental é realizar uma colheita bem feita, com o mínimo de perdas. A principal fonte de plantas tigueras são os grãos e espigas deixados no campo pela colhedora. Portanto, uma regulagem correta da máquina e a operação no ponto ideal de umidade dos grãos são essenciais para diminuir drasticamente a infestação na safra futura.

É verdade que misturar 2,4-D com graminicidas pode prejudicar o controle do milho tiguera?

Sim, essa combinação pode causar um efeito antagônico, onde o 2,4-D reduz a eficiência do graminicida no controle do milho. Para compensar essa perda de eficácia e garantir um bom controle, é necessário aumentar a dose do graminicida em aproximadamente 20% quando essa mistura for utilizada no manejo de entressafra.

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