Manejo do Picão-Preto: Como Evitar Resistência na Lavoura

Engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Fitotecnia focado em plantas daninhas.
Manejo do Picão-Preto: Como Evitar Resistência na Lavoura

O picão-preto já foi uma das plantas daninhas que mais deu dor de cabeça em áreas produtoras de grãos. Com a chegada das culturas RR, resistentes ao glifosato, ele pareceu se tornar um problema menor.

No entanto, um novo alerta preocupa os produtores: foi identificada no Paraguai uma população de picão-preto resistente ao glifosato. Como o trânsito de máquinas na fronteira é intenso, o risco para as lavouras brasileiras é real e imediato.

Quer saber como identificar e controlar essa planta daninha de forma eficiente? Neste guia completo, vamos detalhar tudo o que você precisa saber, desde a biologia da planta até o período ideal para o controle e os herbicidas mais indicados.

Conhecendo o Inimigo: A Biologia do Picão-Preto

O picão-preto (Bidens pilosa ou Bidens subalternans) é uma planta daninha de ciclo anual que se reproduz por sementes e pode ser encontrada em praticamente todo o território brasileiro.

É possível diferenciar as duas principais espécies presentes no Brasil observando suas sementes (aquênios) e flores:

  • Bidens pilosa: Possui de 2 a 3 “ganchinhos” (aristas) nas sementes e flores periféricas com pétalas brancas (lígulas) bem maiores.
  • Bidens subalternans: Possui 4 “ganchinhos” (aristas) nas sementes.

painel comparativo que ilustra as diferenças morfológicas entre duas espécies de plantas daninhas, provavelmentPrincipais características para diferenciar as espécies de picão-preto. À esquerda (A, C, E, G) temos a B. pilosa e à direita (B, D, F, H) a B. subalternans. (Fonte: Hrac)

A grande capacidade de infestação do picão-preto está ligada a dois fatores principais:

  1. Alta produção de sementes: Cada planta pode gerar de 3 mil a 6 mil sementes.
  2. Mecanismo de dormência: Dormência: significa que as sementes conseguem “esperar” no solo por períodos mais favoráveis para germinar.

As sementes do picão-preto são consideradas grandes e se espalham principalmente presas em animais, máquinas e implementos agrícolas.

A temperatura ideal para a germinação é de 15℃, enquanto temperaturas acima de 35℃ podem matar as sementes. Embora a luz possa melhorar a germinação, ela não é essencial para que o processo ocorra.

Um dos grandes desafios no controle do picão-preto é que suas sementes podem emergir de grandes profundidades (próximas a 10 cm) e permanecer viáveis no solo por mais de 5 anos. Por isso, práticas como o acúmulo de palhada e o revolvimento do solo não são muito eficientes para controlar essa planta daninha.

Embora o picão-preto não seja a planta mais competitiva com as culturas, altas infestações podem causar perdas significativas na produtividade. Por isso, é fundamental controlá-lo na entressafra, pois ele pode servir de “ponte verde” para pragas e doenças.

Em outras palavras: Ponte verde é quando uma planta daninha serve de abrigo e alimento para pragas e doenças, permitindo que elas sobrevivam entre uma safra comercial e outra. O picão-preto, por exemplo, é um dos principais hospedeiros de nematoides do gênero Meloidogyne.

O Histórico de Resistência do Picão-Preto no Brasil e o Novo Alerta

Para os produtores mais experientes, o picão-preto não é novidade. Foi com ele que se registrou o primeiro caso de resistência de plantas daninhas a herbicidas no Brasil.

  • 1993: B. pilosa se tornou resistente a herbicidas do grupo ALS (Imazethapyr, imazaquin, pyrithiobac, chlorimuron e nicosulfuron).
  • 1996: B. subalternans também se tornou resistente a herbicidas ALS (Imazethapyr, chlorimuron e nicosulfuron).
  • 2006: B. subalternans desenvolveu resistência múltipla: a herbicidas ALS (Iodosulfuron e foramsulfuron) e também aos do grupo Fotossistema II (Atrazina).
  • 2016: B. pilosa também apresentou resistência múltipla a ALS (Imazethapyr) e Fotossistema II (Atrazina).

Antes da popularização da soja RR (Soja RR: geneticamente modificada para ser resistente ao herbicida glifosato), os herbicidas dos grupos ALS e Fotossistema II eram as principais ferramentas para controlar folhas largas na soja e no milho, principalmente em pós-emergência.

Com a ampla adoção da soja RR a partir de 2006, o picão-preto deixou de ser um grande problema, pois o glifosato oferecia um excelente controle, mesmo em plantas mais desenvolvidas.

O grande alerta atual é o registro de picão-preto resistente ao glifosato no Paraguai. Por ser uma área de fronteira com alto tráfego de máquinas e implementos, o risco de essas sementes resistentes chegarem às lavouras brasileiras é muito alto.

experimento de dose-resposta, demonstrando o efeito de diferentes concentrações de um produto químico, provTeste de dose-resposta em populações de picão-preto resistente ao glifosato no Paraguai. A dose base (1x) foi de 720 g e.a. ha-1, equivalente a 1,95 L/ha do produto comercial. (Fonte: Kzryzaniak et al., 2018)

Mesmo que o glifosato tenha controlado as populações resistentes a outros herbicidas por anos no Brasil, a ameaça de uma nova resistência é real e exige atenção.

Como Evitar a Seleção de Resistência na sua Fazenda

Para evitar que o picão-preto se torne um problema ainda maior na sua área, siga estas práticas essenciais:

  • Conheça o histórico de resistência da sua fazenda e da sua região.
  • Faça a rotação de mecanismos de ação de herbicidas, não usando sempre o mesmo produto.
  • Inclua herbicidas pré-emergentes no seu plano de manejo.
  • Siga os princípios da tecnologia de aplicação para garantir a eficácia do produto.
  • Realize aplicações em pós-emergência sempre sobre plantas pequenas.
  • Faça corretamente as aplicações sequenciais, respeitando os intervalos.
  • Priorize o controle de plantas daninhas na entressafra.
  • Utilize a rotação de culturas e a adubação verde para competir com as daninhas.
  • Limpe corretamente máquinas e implementos antes de levá-los para outras áreas.

Estratégias de Controle: O Manejo na Entressafra é Crucial

A entressafra é o período ideal para um bom manejo de picão-preto, pois há um número maior de herbicidas que podem ser utilizados. O momento certo para a aplicação é com as plantas pequenas, entre 2 e 4 folhas, pois as chances de sucesso são muito maiores.

Herbicidas Pós-Emergentes (Controle de Plantas Já Nascidas)

2,4-D

  • Como usar: Utilizado nas primeiras aplicações do manejo sequencial, geralmente em associação com herbicidas sistêmicos (como o glifosato) ou pré-emergentes.
  • Dose recomendada: 1,0 a 1,5 L/ha.
  • Atenção: Cuidado com problemas de incompatibilidade no tanque de mistura, principalmente com graminicidas. Se for plantar soja logo após a aplicação, respeite o intervalo de 1 dia para cada 100 g de ingrediente ativo por hectare. Cuidado com a deriva para lavouras vizinhas.

Glifosato

  • Como usar: Apresenta ótimo controle de plantas pequenas (2 a 4 folhas). Pode ser usado na primeira aplicação do manejo sequencial, associado a pré-emergentes.
  • Dose recomendada: 2,0 a 3,0 L/ha.

Glufosinato de Amônio

  • Como usar: Eficaz em plantas pequenas (2 folhas) ou em aplicações sequenciais para controlar a rebrota de plantas maiores.
  • Dose recomendada: 2,5 a 3,0 L/ha.

Saflufenacil

  • Como usar: Pode ser usado em plantas pequenas (2 folhas) ou no manejo sequencial para controlar a rebrota.
  • Dose recomendada: 35 a 70 g/ha.
  • Atenção: Em solos arenosos (menos de 30% de argila e menos de 2% de matéria orgânica), é necessário um intervalo mínimo de 10 dias entre a aplicação e o plantio da soja. Não ultrapasse a dose de 50 g/ha nesse tipo de solo.

Triclopir

  • Como usar: Utilizado nas primeiras aplicações do manejo sequencial, associado a outros herbicidas como o glifosato ou pré-emergentes.
  • Dose recomendada: 1,5 a 2,0 L/ha.
  • Atenção: Se for plantar soja, deixe um intervalo mínimo de 20 dias entre a aplicação e a semeadura. Cuidado com a deriva para áreas vizinhas.

Herbicidas Pré-Emergentes (Controle do Banco de Sementes)

Flumioxazin

  • Como usar: Herbicida com ação residual para controlar o banco de sementes. Pode ser usado na primeira aplicação do manejo de entressafra (associado a glifosato e 2,4-D) ou no sistema de aplique-plante da soja.
  • Dose recomendada: 40 a 100 g/ha.

Sulfentrazone

  • Como usar: Também possui ação residual para controle do banco de sementes, usado na primeira aplicação da entressafra junto com herbicidas sistêmicos.
  • Dose recomendada: Até 0,5 L/ha.
  • Atenção: Este produto apresenta grande variação na seletividade entre as cultivares de soja, então use com cautela. É uma excelente opção para áreas com infestação de tiririca.

Controle Durante a Safra: Manejo em Pós-Emergência da Soja e do Milho

O manejo de picão-preto após a emergência da soja convencional é pouco recomendado. Existem poucas opções de herbicidas, e como o picão-preto já está mais desenvolvido, os produtos geralmente apenas seguram seu crescimento, sem eliminar a planta.

No caso de soja e milho RR, o glifosato ainda exerce um ótimo controle em pós-emergência. No entanto, é fundamental fazer uma boa rotação de princípios ativos e ficar atento a qualquer planta que escape da aplicação.

  • Soja: Pode-se utilizar Cloransulam em pós-emergência, na dose de 35,7 g/ha.
  • Milho Safrinha: As opções são Bentazon na dose de 1,2 L/ha e Mesotrione na dose de 0,3 a 0,4 L/ha.

O Futuro do Controle: Novas Tecnologias a Caminho

Nos próximos anos, a liberação comercial de novas tecnologias de resistência a herbicidas na soja e no milho trará mais ferramentas para o controle do picão-preto.

  • Soja:
    • Enlist: Resistência a 2,4-D Colina, glifosato e glufosinato de amônio.
    • Xtend: Resistência a dicamba e glifosato.
  • Milho:
    • Enlist: Resistência a 2,4-D Colina, glifosato, glufosinato de amônio e haloxyfop.

Conclusão

Neste artigo, você viu a importância de dar atenção ao picão-preto e como realizar um manejo eficiente em lavouras de grãos.

Revisamos os principais herbicidas, com suas doses recomendadas para aplicações na entressafra e em pós-emergência na soja e no milho. Mais importante ainda, reforçamos que práticas de manejo integrado são essenciais para evitar o agravamento dos problemas com plantas daninhas resistentes.

Esperamos que, com estas informações, você consiga implementar um controle eficaz do picão-preto, protegendo a produtividade da sua lavoura.


Glossário

  • Deriva: Fenômeno em que as partículas de herbicida são carregadas pelo vento para fora da área de aplicação. Pode causar danos a culturas vizinhas sensíveis e reduzir a eficácia do controle na área alvo.

  • Dormência (de sementes): Estado em que sementes viáveis não germinam, mesmo em condições favoráveis. É um mecanismo de sobrevivência que permite ao picão-preto permanecer no solo por anos até encontrar o momento ideal para emergir.

  • Glifosato: Herbicida sistêmico não seletivo, amplamente utilizado no controle de plantas daninhas. É o princípio ativo principal para o qual as culturas RR (Roundup Ready) são resistentes.

  • Herbicidas Pós-Emergentes: Produtos aplicados após a germinação e emergência das plantas daninhas. Seu objetivo é controlar as plantas que já estão visíveis e crescendo na lavoura.

  • Herbicidas Pré-Emergentes: Produtos aplicados no solo antes que as sementes das plantas daninhas germinem. Eles criam uma barreira química na superfície do solo, controlando as daninhas antes mesmo de aparecerem.

  • Ponte verde: Ocorre quando plantas daninhas presentes na entressafra servem de abrigo e alimento para pragas e doenças. Essas plantas criam uma “ponte” que permite a sobrevivência dos patógenos até a implantação da próxima cultura comercial.

  • Resistência de plantas daninhas: Habilidade herdada de uma população de plantas daninhas de sobreviver a uma aplicação de herbicida que, em condições normais, a controlaria. É um problema crescente causado pelo uso repetitivo do mesmo produto.

  • Soja RR (Roundup Ready): Variedade de soja geneticamente modificada para ser tolerante ao herbicida glifosato. Essa tecnologia permite que o herbicida seja aplicado sobre a lavoura para controlar as plantas daninhas sem afetar a soja.

Como a tecnologia pode simplificar o manejo de plantas daninhas

Controlar o picão-preto exige um planejamento cuidadoso, especialmente para rotacionar herbicidas e evitar a resistência, como vimos no artigo. Manter o registro de todas as aplicações, doses e datas pode se tornar um desafio complexo. Ferramentas de gestão agrícola, como o Aegro, centralizam essas informações, permitindo planejar e acompanhar cada atividade no campo. Isso garante que as aplicações sejam feitas no momento certo e com os produtos corretos, aumentando a eficácia do controle.

Além de organizar o manejo, essa prática ajuda a controlar os custos com defensivos, um dos pontos mais importantes da gestão financeira da fazenda. Saber exatamente o que foi gasto em cada talhão transforma dados em decisões mais seguras e lucrativas. Quer otimizar o controle de plantas daninhas e os custos da sua produção?

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Perguntas Frequentes

O glifosato ainda é eficaz para controlar o picão-preto no Brasil?

Sim, no momento o glifosato ainda controla a maioria das populações de picão-preto no Brasil. No entanto, o alerta principal é a recente identificação de populações resistentes no Paraguai. Devido ao intenso tráfego de máquinas na fronteira, o risco de introdução dessas sementes resistentes em lavouras brasileiras é muito alto, exigindo monitoramento e práticas preventivas.

Qual é o momento ideal para aplicar herbicidas e garantir um bom controle do picão-preto?

O momento mais eficaz para a aplicação de herbicidas pós-emergentes é quando as plantas de picão-preto estão pequenas, idealmente no estágio de 2 a 4 folhas. Nessa fase, elas são mais suscetíveis aos produtos, o que garante um controle superior, reduz a competição com a cultura e diminui o risco de seleção de plantas resistentes.

O que significa dizer que o picão-preto atua como ‘ponte verde’?

O efeito ‘ponte verde’ ocorre quando uma planta daninha, como o picão-preto, serve de hospedeira para pragas e doenças durante a entressafra. Ela oferece abrigo e alimento para patógenos, como nematoides do gênero Meloidogyne, permitindo que eles sobrevivam e se multipliquem até a chegada da próxima cultura comercial, aumentando a pressão de pragas na safra seguinte.

Por que o manejo do picão-preto na entressafra é considerado tão importante?

O manejo na entressafra é crucial porque permite o uso de uma variedade maior de herbicidas e mecanismos de ação, já que não há a cultura principal no campo. Isso facilita a rotação de produtos, quebra o ciclo da planta daninha e reduz significativamente o banco de sementes no solo, diminuindo a infestação na safra seguinte e tornando o controle mais fácil e barato.

Quais as principais práticas para evitar o surgimento de picão-preto resistente na minha fazenda?

Para evitar a resistência, é fundamental adotar o manejo integrado. As principais práticas incluem: rotacionar herbicidas com diferentes mecanismos de ação, utilizar produtos pré-emergentes, realizar as aplicações no momento correto (plantas pequenas), limpar máquinas e implementos para não transportar sementes, e investir na rotação de culturas para suprimir o crescimento das daninhas.

É possível controlar o picão-preto apenas com o revolvimento do solo ou acúmulo de palhada?

Não, essas práticas são pouco eficientes para o picão-preto. Suas sementes conseguem emergir de profundidades de até 10 cm e podem permanecer viáveis no solo por mais de cinco anos. Portanto, o revolvimento pode até trazer mais sementes para a superfície, enquanto a palhada sozinha não é suficiente para impedir sua germinação.

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