O debate sobre o uso de defensivos agrícolas no Brasil é intenso e, muitas vezes, polarizado. Desde a chamada revolução verde, que expandiu as fronteiras agrícolas, o uso desses produtos se tornou uma ferramenta essencial na produção de alimentos.
Contudo, essa realidade gerou discussões acaloradas e informações conflitantes. De um lado, há quem afirme que o Brasil é o maior consumidor de pesticidas do mundo, associando seu uso a diversas doenças e defendendo que a agricultura poderia alimentar o planeta sem eles.
Do outro lado, alguns argumentam que os defensivos são inofensivos, que a criação de novas moléculas é indispensável e que seria impossível garantir a produção de alimentos em larga escala sem essa tecnologia.
Para ajudar você, produtor rural, a navegar por esse cenário complexo, vamos analisar alguns dos principais mitos e verdades sobre o tema, trazendo informações técnicas para esclarecer cada ponto.
1. O Brasil é o país que mais consome pesticidas no mundo (5 litros por habitante)?
Mito. Essa afirmação, embora muito difundida, é uma forma tendenciosa e incompleta de apresentar os dados.
O cálculo que resulta nesse número simplesmente divide o volume total de defensivos vendidos no país pelo número de habitantes. Essa abordagem é incorreta por várias razões:
- Nem todos os produtos são para alimentação humana: Uma parte significativa dos defensivos é usada em culturas não alimentícias, como algodão, eucalipto e cana-de-açúcar para produção de etanol.
- Tamanho da área cultivada: O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, com uma vasta área plantada que, naturalmente, demanda mais insumos.
- Diversidade de culturas: Produzimos múltiplas safras ao longo do ano em condições tropicais, o que aumenta a pressão de pragas, doenças e plantas daninhas.
Ainda assim, é totalmente possível e desejável reduzir o uso de defensivos. A chave está no Manejo Integrado de Pragas (MIP), que combina recomendações técnicas precisas com outras estratégias eficientes, como:
- Rotação de culturas: Alternar espécies plantadas para quebrar o ciclo de pragas e doenças.
- Adubação verde: Utilizar plantas de cobertura para melhorar a saúde do solo.
- Controle biológico: Usar inimigos naturais para controlar as pragas.
- Indução de resistência: Aplicar produtos que ativam as defesas naturais das plantas.
2. O uso de pesticidas prejudica a biodiversidade do meio ambiente?
Verdade. O uso de defensivos agrícolas em larga escala, especialmente quando feito de forma inadequada, pode impactar negativamente a biodiversidade. Os principais afetados são os inimigos naturais de pragas, os insetos polinizadores e os microrganismos benéficos do solo.
Mesmo que o produtor siga rigorosamente todas as recomendações técnicas, ainda podem ocorrer alguns impactos ambientais. O problema se agrava quando o uso é indiscriminado, com aplicações em modalidades proibidas (como pulverização aérea de produtos não autorizados) ou quando se utilizam produtos contrabandeados ou falsificados.
Um dos exemplos mais preocupantes é a diminuição da população de abelhas em todo o mundo. Esse fenômeno é alarmante, pois as abelhas são fundamentais para a polinização de inúmeras culturas agrícolas, sendo essenciais para a própria produtividade no campo.
(Fonte: DW)
3. Lavar frutas com bicarbonato de sódio elimina 100% dos resíduos de pesticidas?
Mito. Uma boa higienização de frutas e verduras antes do consumo é fundamental, mas o uso de bicarbonato de sódio ou outras soluções caseiras não garante a remoção completa dos resíduos.
Existem duas situações a considerar:
- Produto aplicado corretamente: Se o defensivo foi usado seguindo as recomendações de bula (dose, cultura e período de carência), a presença de resíduos no alimento colhido será insignificante ou nula.
- Produto aplicado fora da recomendação: Nesse caso, pode haver resíduos. No entanto, a solução de bicarbonato não será totalmente eficaz, pois muitos produtos têm ação sistêmica, ou seja, são absorvidos e se movem por toda a planta, não ficando apenas na superfície.
A forma mais eficiente de garantir alimentos seguros é através da conscientização para o uso correto de defensivos e da fiscalização, como a realizada pela Anvisa.
Um grande desafio no Brasil é o chamado “uso não autorizado”. Isso ocorre quando um defensivo é aplicado em uma cultura para a qual não possui registro. Muitas vezes, isso acontece porque não existem produtos registrados para o controle de certas pragas em culturas menores (chamadas de “suporte fitossanitário insuficiente”). Melhorar esse suporte daria aos produtores opções legais e seguras, evitando o uso incorreto.
(Fonte: Gazeta do Povo)
4. O uso de glifosato pode afetar a absorção de nutrientes na soja RR?
Verdade. Estudos científicos, como este trabalho, demonstraram que as primeiras gerações de soja RR (soja “Roundup Ready”, geneticamente modificada para resistir ao herbicida glifosato) apresentavam uma menor absorção de nutrientes e água, além de uma redução na fixação biológica de nitrogênio quando tratadas com glifosato.
No entanto, as empresas de tecnologia têm trabalhado para contornar esse problema nas gerações mais recentes de sementes.
Além disso, o impacto do uso intensivo e contínuo de glifosato ao longo dos anos ainda é objeto de estudo, especialmente quanto ao acúmulo de seus compostos de decomposição no meio ambiente. Até o momento, os resultados não indicaram problemas graves o suficiente para justificar a retirada completa da molécula do mercado.
É fundamental que existam pesquisas contínuas para avaliar os riscos ambientais e para a saúde humana de todas as tecnologias e produtos utilizados na agricultura.
5. Alimentos orgânicos são sempre mais saudáveis que os convencionais?
Mito. Não é possível afirmar que alimentos orgânicos são, por definição, mais saudáveis ou de melhor qualidade que os convencionais. A verdade é que, se ambos forem produzidos seguindo as boas práticas agrícolas, terão a mesma qualidade nutricional e segurança para o consumo.
Muitas pessoas compram produtos orgânicos confiando apenas no selo, sem questionar a procedência ou os métodos de produção. É preciso ter atenção, pois alimentos orgânicos mal produzidos podem estar contaminados com patógenos (como bactérias e fungos), insetos ou outras substâncias prejudiciais à saúde.
Portanto, ao adquirir um alimento, seja ele orgânico ou convencional, certifique-se de sua origem e faça sempre uma boa higienização antes de consumir.
6. O uso de pesticidas pode contaminar águas subterrâneas?
Verdade. Sim, a contaminação pode ocorrer. Estudos recentes já detectaram a presença de certos defensivos em águas subterrâneas (lençóis freáticos) e rios. Surpreendentemente, algumas dessas moléculas estão proibidas há anos no país, mas ainda persistem no ambiente.
Essa contaminação está diretamente ligada ao não cumprimento das normas de aplicação. O uso indiscriminado ou o descarte incorreto de embalagens e sobras de calda podem causar sérios problemas ambientais e de saúde pública.
Nesse ponto, o Brasil tem um grande avanço a ser comemorado: o alto índice de devolução de embalagens vazias de defensivos. Nosso sistema de logística reversa é um exemplo mundial, superando muitos países desenvolvidos e diminuindo significativamente o risco de contaminação por descarte inadequado.
7. Culturas transgênicas transmitem genes de resistência para plantas daninhas?
Mito. As plantas transgênicas resistentes a herbicidas não têm a capacidade de transferir seus genes para espécies de plantas daninhas diferentes.
O cruzamento entre espécies distintas é extremamente raro na natureza. Para que uma cultura transgênica seja aprovada pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), ela passa por uma rigorosa análise de risco que avalia, entre outras coisas, a possibilidade de cruzamento com plantas nativas aparentadas. Se o risco for real, a tecnologia não é liberada.
O verdadeiro problema da resistência de plantas daninhas está no manejo incorreto. O uso repetido e indiscriminado do mesmo herbicida em uma grande área acaba selecionando plantas que, por uma variação natural, já eram resistentes. Com o tempo, essas plantas resistentes sobrevivem, se multiplicam e dominam a área, enquanto as sensíveis são eliminadas.
Portanto, a resistência é um resultado da pressão de seleção causada pelo manejo, e não de uma transferência de genes da cultura transgênica.
Defensivo agrícola (ou pesticida) é uma substância química ou agente biológico usado para destruir, repelir ou controlar pragas. Os primeiros registros de uso incluem enxofre e, posteriormente, compostos como arsênio e mercúrio.
(Fonte: MAPA)
8. É proibido comprar pesticidas pela internet sem receituário agronômico?
Verdade. A legislação brasileira é muito clara e rigorosa quanto à venda de defensivos agrícolas. A compra e venda desses produtos deve seguir uma série de normas, e a comercialização pela internet sem os devidos controles é ilegal.
Para realizar a venda, a empresa deve cumprir exigências de armazenamento e transporte. Já o comprador precisa atender a dois requisitos principais:
- Ser um produtor rural cadastrado no sistema estadual correspondente (como o CAD/PRO no Paraná).
- Apresentar um receituário agronômico, emitido por um engenheiro agrônomo, que comprove a necessidade técnica do produto para um problema específico na lavoura.
Conclusão
Neste artigo, desvendamos alguns mitos e verdades sobre pesticidas, informações que circulam com frequência na internet e nas redes sociais.
Como profissional do campo, é fundamental que suas decisões sejam baseadas em dados técnicos e fatos, não em opiniões polarizadas ou manchetes sensacionalistas. O uso de defensivos agrícolas é uma ferramenta complexa, com benefícios e riscos que precisam ser gerenciados com responsabilidade.
Sempre que encontrar uma notícia sobre o assunto, procure aprofundar a informação. Consulte um engenheiro agrônomo de confiança, busque fontes científicas e desconfie de generalizações. A gestão eficiente e sustentável da sua lavoura depende de conhecimento técnico e informação de qualidade.
Glossário
Ação Sistêmica: Refere-se à capacidade de um defensivo agrícola de ser absorvido pela planta (pelas folhas, caule ou raízes) e se movimentar por todo o seu sistema vascular. Diferente de produtos de contato, que agem apenas na superfície, um produto sistêmico protege a planta de dentro para fora, tornando a simples lavagem do alimento ineficaz para sua remoção.
CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança): Órgão do governo brasileiro responsável por avaliar a segurança de organismos geneticamente modificados (OGMs), como as culturas transgênicas. A CTNBio analisa os riscos para a saúde humana, animal e o meio ambiente antes de liberar uma nova tecnologia para uso comercial.
Logística Reversa: Sistema de coleta e destinação final de embalagens vazias de defensivos agrícolas. No Brasil, os produtores são obrigados por lei a devolver as embalagens em postos de coleta, e as empresas são responsáveis por reciclá-las ou incinerá-las de forma segura, evitando a contaminação ambiental.
Manejo Integrado de Pragas (MIP): Estratégia que combina diferentes métodos de controle (biológico, cultural, físico e químico) para manter as pragas em níveis que não causem danos econômicos à lavoura. O uso de defensivos químicos é visto como a última opção, priorizando práticas mais sustentáveis.
Receituário Agronômico: Documento técnico, semelhante a uma receita médica, emitido por um engenheiro agrônomo. É obrigatório por lei para a compra de defensivos agrícolas e especifica o produto, a dose e o alvo (praga, doença ou planta daninha) a ser controlado, garantindo o uso correto e seguro da tecnologia.
Soja RR (Roundup Ready): Variedade de soja geneticamente modificada para ser tolerante ao herbicida glifosato (vendido comercialmente como Roundup). Essa tecnologia permite que o agricultor aplique o herbicida sobre a lavoura para eliminar as plantas daninhas sem prejudicar a cultura da soja.
Suporte Fitossanitário Insuficiente: Situação que ocorre quando não existem defensivos agrícolas registrados legalmente para controlar uma determinada praga ou doença em uma cultura específica, geralmente em culturas de menor expressão econômica (as “minor crops”). Isso pode levar ao uso não autorizado de produtos, gerando riscos.
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Manter um controle rigoroso sobre o uso de defensivos é fundamental para garantir a conformidade legal, proteger o meio ambiente e, claro, otimizar os custos de produção. O desafio está em registrar cada aplicação, seguir as recomendações do receituário agronômico e, ao mesmo tempo, entender o impacto financeiro de cada decisão.
Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza essas tarefas. Nele, você pode planejar e registrar todas as atividades de manejo, criando um histórico completo que apoia a implementação do Manejo Integrado de Pragas (MIP). Além disso, o sistema conecta as operações de campo ao controle de estoque e financeiro, permitindo que você saiba exatamente quanto foi gasto com insumos em cada talhão e tome decisões mais inteligentes para reduzir custos sem comprometer a produtividade.
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Perguntas Frequentes
O que é o Manejo Integrado de Pragas (MIP) e como ele ajuda a reduzir o uso de defensivos?
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) é uma estratégia que combina diversas técnicas de controle, como o uso de inimigos naturais (controle biológico), rotação de culturas e monitoramento constante da lavoura. O uso de defensivos químicos é considerado a última opção, aplicado apenas quando a praga atinge um nível de dano econômico. Essa abordagem racionaliza o uso de pesticidas, reduzindo custos e o impacto ambiental.
Se lavar com bicarbonato não remove tudo, como posso garantir a segurança dos alimentos que consumo?
A principal garantia de segurança vem do cumprimento das boas práticas agrícolas pelo produtor, especialmente o respeito ao ‘período de carência’ – o tempo mínimo entre a última aplicação do defensivo e a colheita. Órgãos como a ANVISA monitoram os resíduos nos alimentos. Para o consumidor, a melhor prática é comprar de fontes confiáveis e sempre higienizar bem frutas e verduras em água corrente antes do consumo.
Qual a diferença entre um defensivo de ação sistêmica e um de contato?
Um defensivo de contato age apenas na superfície da planta onde foi aplicado, sendo mais fácil de ser removido pela lavagem. Já um defensivo de ação sistêmica é absorvido pela planta e se move por todo o seu sistema vascular (seiva), protegendo-a de dentro para fora. Por isso, a lavagem externa não consegue remover resíduos de produtos sistêmicos.
Se as plantas transgênicas não transmitem genes, por que as plantas daninhas ficam resistentes aos herbicidas?
A resistência não ocorre por transferência de genes da cultura para a planta daninha. Ela surge por um processo de seleção natural: o uso repetido do mesmo herbicida elimina as plantas daninhas sensíveis, mas algumas, que naturalmente já possuem alguma tolerância, sobrevivem. Com o tempo, apenas essas plantas resistentes se reproduzem, dominando a área.
Por que o Brasil, por ser um país tropical, tende a usar mais defensivos agrícolas?
O clima tropical, com altas temperaturas e umidade ao longo do ano, favorece a ocorrência de múltiplas safras, mas também acelera o ciclo de vida e a proliferação de uma maior diversidade de pragas, doenças e plantas daninhas. Essa pressão constante exige um manejo fitossanitário mais intenso em comparação com países de clima temperado, que possuem um inverno rigoroso que quebra o ciclo de muitos desses organismos.
Qual a importância do receituário agronômico na compra e uso de defensivos?
O receituário agronômico é um documento técnico obrigatório, emitido por um engenheiro agrônomo, que funciona como uma prescrição. Ele garante que o produtor está comprando o produto correto para o problema específico de sua lavoura, na dose adequada e com as orientações de segurança necessárias. Sua exigência visa promover o uso responsável, eficaz e seguro dos defensivos.
É verdade que a produção orgânica não utiliza nenhum tipo de defensivo?
Isso é um mito. A agricultura orgânica também utiliza defensivos para controlar pragas e doenças, porém, apenas produtos de origem natural ou biológica são permitidos. São utilizados, por exemplo, extratos de plantas, óleos essenciais, microrganismos benéficos (fungos e bactérias) e outros insumos autorizados pela legislação de orgânicos, evitando-se completamente os pesticidas sintéticos.
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