Percevejo-Marrom na Soja: Guia Completo de Manejo e Controle

Sou Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Agronomia/Proteção de Plantas pela UNESP, e doutorando em entomologia pela ESALQ/USP.
Percevejo-Marrom na Soja: Guia Completo de Manejo e Controle

O percevejo-marrom da soja, de nome técnico Euschistus heros, representa um dos maiores desafios no manejo de pragas na cultura da soja. O ataque deste inseto ocorre diretamente nas vagens, impactando negativamente a produtividade e a qualidade dos grãos que você irá colher.

As perdas são significativas. Estima-se que os grãos atacados pelo percevejo podem ter seu peso reduzido em até 40% em comparação com grãos sadios, o que pode causar perdas de até 10 sacas de soja por hectare.

Com as ferramentas de manejo se tornando cada vez mais limitadas, essa praga tem gerado grande preocupação a cada safra. Por isso, preparamos este guia com as principais estratégias de controle, para que você possa escolher as mais adequadas para a sua lavoura e proteger sua produção.

1. Entenda o Ciclo de Vida e o Período Crítico do Percevejo-Marrom

Para controlar o percevejo-marrom, o primeiro passo é conhecer seu comportamento. Este inseto adulto tem uma coloração marrom característica e mede aproximadamente 11 mm de comprimento.

Durante o inverno, com as temperaturas mais baixas, o percevejo-marrom pode entrar em diapausa: uma espécie de hibernação do inseto, onde seu desenvolvimento é reduzido. Nesse período, ele se abriga e sobrevive na palhada e nos restos culturais da safra anterior, ou migra para áreas de mata e refúgio próximas.

Este infográfico ilustra a correlação entre os estágios fenológicos da cultura da soja e o ciclo de vida e comportamento do p Atividade alimentar do percevejo marrom na safra e entressafra da cultura da soja (Fonte: Fundação MS)

As fêmeas costumam colocar seus ovos, de cor amarelada, nas folhas ou vagens, organizados em pequenas massas ou fileiras com 5 a 7 ovos. Após a eclosão, as ninfas (os “filhotes” do percevejo) passam por diferentes estágios, chamados de ínstares.

  • 1º ínstar: As ninfas recém-nascidas permanecem agrupadas sobre os ovos.
  • 2º ínstar: Elas começam a se alimentar, mas os danos ainda são insignificantes.
  • 3º ínstar: A partir deste estágio, a alimentação se intensifica e os prejuízos na lavoura se tornam significativos.

composição de quatro fotografias que ilustram as diferentes fases do ciclo de vida do percevejo-marrom (Euschi Percevejo marrom Euschistus heros adulto (a), ovos (b), ninfas de primeiro (c) e quinto ínstar (d) (Fonte: Embrapa)

A imagem ilustra de forma detalhada o ciclo de vida de um percevejo, provavelmente o percevejo-marrom (Euschistus heros), uma Ciclo de desenvolvimento do percevejo marrom, Euschistus heros (Fonte: Cividanes)

Portanto, o período de maior risco, que causa os maiores prejuízos, vai do estádio R3 (formação das vagens) até R7 (início da maturação). É nessa janela que o monitoramento deve ser intensificado e as medidas de controle devem ser aplicadas.

Fique atento também à presença de plantas daninhas, pois o capim-rabo-de-burro é uma das principais hospedeiras do percevejo. Se você notar essa planta em sua área, redobre a atenção para a possível presença da praga.

2. Identifique os Danos na Lavoura: Sinais Visíveis e Ocultos

Os danos causados pelo percevejo-marrom variam conforme o estágio da cultura. Em fases iniciais, ataques podem causar o abortamento de vagens e provocar o retardamento da maturação da planta.

Um sinal claro desse problema é o distúrbio conhecido como Soja Louca I: a planta retém suas folhas e mantém as hastes verdes, mesmo quando já deveria estar secando para a colheita.

Quando o ataque ocorre no período mais crítico (de R3 a R7), o percevejo suga as vagens, o que resulta na redução do peso e do tamanho dos grãos. Visualmente, os grãos ficam enrugados, chochos e com uma coloração que varia de arroxeada a preta.

uma vagem de soja aberta, mostrando o impacto de danos em diferentes estágios de desenvolvimento do grão. Trat Danos nos grãos ocasionados pela alimentação do percevejo marrom da soja (Fonte: Bayer)

Para lavouras destinadas à produção de sementes, esse dano é ainda mais grave, pois os grãos atacados perdem seu vigor e se tornam inviáveis para o plantio.

Existem também os danos invisíveis, que são alterações nos teores de proteína e óleo do grão. Essas alterações não são vistas no campo, mas podem resultar em penalidades financeiras no momento da venda da produção. A indústria pode aplicar descontos devido aos grãos escurecidos, que dificultam o processo de beneficiamento e a extração de óleo.

3. Monitore Corretamente: A Chave para o Controle na Hora Certa

Embora o percevejo-marrom possa ser encontrado na lavoura desde o período vegetativo, é no período reprodutivo que os prejuízos econômicos realmente acontecem. O momento de maior vulnerabilidade da soja vai do início do desenvolvimento das vagens, em R3 (fase de “canivetinho”), até a maturação fisiológica, em R7.

Este infográfico detalha os níveis de ação para o controle de percevejos na cultura da soja, correlacionando-os com os estági Nível de controle para o percevejo marrom da soja pelo monitoramento por exame de plantas (Fonte: Embrapa)

Para estimar a população de percevejos, o método mais eficaz é o pano de batida. Recomenda-se realizar as amostragens semanalmente, de preferência nos períodos mais frescos do dia, quando os insetos estão menos ativos.

O controle químico só deve ser iniciado quando a infestação atingir o Nível de Controle (NC), que é a quantidade de pragas que justifica o custo da aplicação para evitar perdas maiores. Os níveis são:

  • Produção de grãos: Atingir a média de 2 percevejos adultos por pano de batida.
  • Produção de sementes: Atingir a média de 1 percevejo adulto por pano de batida.

a interface de um software de gestão agrícola, especificamente a funcionalidade de monitoramento de pragas. À Com o Aegrovocê tem todos os dados de monitoramento de pragas agrícolas organizados, seguros e fáceis de serem visualizados.

Para ajudar você a organizar seu MIP (Manejo Integrado de Pragas), disponibilizamos uma planilha gratuita. Com ela, você pode registrar o Nível de Controle de cada praga e saber o momento exato de aplicar. Clique na imagem abaixo para baixar!

banner horizontal com fundo verde-escuro. À esquerda, encontra-se o logo da Lavoura…

4. Controle Químico: Conheça os Inseticidas e Sua Eficácia

Dentro das estratégias do Manejo Integrado de Pragas (MIP), o controle químico com a pulverização de inseticidas continua sendo a ferramenta mais efetiva contra o percevejo-marrom.

Atualmente, os produtos comerciais disponíveis para o controle se concentram em três grupos químicos principais: Organofosforado, Piretróide e Neonicotinóide. No portal Agrofit do MAPA, existem 47 produtos registrados para este alvo.

Embora existam suspeitas no campo sobre a perda de eficiência de algumas moléculas, estudos recentes indicam que os principais produtos ainda são eficazes. Um projeto realizado pelo IRAC em parceria com a PROMIP concluiu que os seguintes ingredientes ativos não perderam eficiência sobre o percevejo-marrom:

  • Acefato
  • Tiametoxam
  • Imidacloprid
  • Lambda-cialotrina
  • Beta-ciflutrina
  • Imidacloprid + beta-ciflutrina

Adicionalmente, um trabalho do pesquisador Edmar Tuelher e colaboradores mapeou o risco de falhas de controle em Goiás e confirmou que os produtos ainda apresentavam a eficiência mínima de 80% recomendada pelo MAPA. Foram identificadas falhas pontuais apenas para a beta-ciflutrina no sudoeste de Goiás e para o imidaclopride no nordeste do estado.

5. Evite a Resistência: Dicas Práticas para Manter a Eficácia dos Produtos

Na maioria das vezes, as suspeitas de resistência são, na verdade, falhas na aplicação ou pulverizações feitas no momento errado, como em aplicações tardias, quando a população da praga já está muito alta.

Mesmo assim, é fundamental adotar práticas para prevenir o desenvolvimento de resistência e garantir que os inseticidas continuem funcionando. Siga estas dicas:

  • Invista em tecnologia de aplicação: Verifique se a barra de pulverização, os bicos e a vazão estão adequados para garantir uma boa cobertura da cultura.
  • Pulverize no momento certo: Realize as aplicações nos períodos de maior atividade da praga, que geralmente ocorrem nos horários mais quentes do dia.
  • Evite “aplicações de carona”: Não misture o inseticida para percevejo com fungicidas para o controle da ferrugem asiática apenas por conveniência. Essas aplicações têm intervalos de até 21 dias, o que pode não ser o ideal para o controle do percevejo.
  • Siga o Nível de Controle: Sempre baseie suas decisões de pulverização no monitoramento e aplique somente quando o Nível de Controle for atingido.

6. Use a Natureza a seu Favor: O Papel do Controle Biológico

Ao escolher um inseticida, além da eficiência, é muito importante priorizar produtos que sejam seletivos aos inimigos naturais. Esses organismos benéficos já estão presentes na sua lavoura e ajudam a reduzir a população do percevejo-marrom de forma gratuita.

Os inimigos naturais mais importantes são os parasitoides de ovos, que são pequenas vespas que colocam seus próprios ovos dentro dos ovos do percevejo, impedindo que as ninfas nasçam. As espécies que mais se destacam são:

  • Trissolcus basalis: Já foram relatadas taxas de parasitismo de até 60%.
  • Telenomus podisi: Pode atingir taxas de parasitismo de até 80%.

Esta é uma imagem macro que captura um momento crucial do controle biológico na agricultura. Vemos uma pequena vespa parasito Parasitoides em ovos de percevejo (Fonte: BUG/Koppert em Veja)

Ao longo da safra, o parasitismo natural nos ovos do percevejo varia de 30% a 70%. Além dos parasitoides de ovos, o parasitoide de ninfas e adultos, Hexacladia smithii, também contribui, com taxas de parasitismo de até 14%.

Utilizar inseticidas seletivos permite que esses inimigos naturais sobrevivam e continuem trabalhando na lavoura. Essa combinação de controle químico e biológico maximiza suas chances de sucesso no manejo do percevejo-marrom.

7. Estratégias Alternativas e o Futuro do Manejo

Além do controle químico e biológico, outras estratégias podem ser associadas para um manejo mais robusto e integrado. Algumas alternativas incluem:

  • Uso de cultivares precoces: Associado a um ajuste na época de semeadura para evitar o pico populacional da praga.
  • Uso de plantas-armadilha: Plantar culturas atrativas em bordaduras para concentrar os percevejos e facilitar o controle localizado.

O mercado também está desenvolvendo novas tecnologias que devem ser lançadas em breve. Fique de olho na soja tolerante ao percevejo, que suporta até 4 percevejos por metro linear sem perdas de produtividade, e em armadilhas com feromônio sexual, que prometem tornar o monitoramento da praga ainda mais preciso.


Glossário

  • Diapausa: Um estado de dormência ou “hibernação” do inseto, ativado por condições desfavoráveis como o frio do inverno. Durante a diapausa, o percevejo-marrom abriga-se na palhada para sobreviver até a próxima safra.

  • Estádios Fenológicos (R3 a R7): Fases do desenvolvimento reprodutivo da soja, cruciais para o monitoramento de pragas. R3 é o início da formação das vagens (“canivetinho”) e R7 é o início da maturação, marcando o período de maior vulnerabilidade da planta ao ataque do percevejo.

  • Ínstar: Cada uma das fases de desenvolvimento de uma ninfa (o “filhote” do percevejo) entre duas trocas de pele (mudas). O percevejo-marrom se torna economicamente danoso a partir do 3º ínstar, quando sua alimentação se intensifica.

  • MIP (Manejo Integrado de Pragas): Uma estratégia de controle que combina diferentes métodos (químico, biológico, cultural) de forma racional e sustentável. O objetivo é manter as pragas abaixo do nível de dano econômico, em vez de simplesmente erradicá-las com inseticidas.

  • Nível de Controle (NC): A densidade populacional de uma praga em que é necessário aplicar uma medida de controle para evitar perdas econômicas. Para o percevejo na soja de grãos, o NC é de 2 insetos por pano de batida.

  • Pano de batida: Ferramenta de monitoramento que consiste em um pano estendido no solo entre duas fileiras de soja. As plantas são sacudidas sobre ele para derrubar e contar os percevejos, permitindo estimar a infestação na área.

  • Parasitoides: Inimigos naturais, como pequenas vespas, que depositam seus ovos dentro dos ovos ou do corpo de outros insetos (os hospedeiros). As larvas do parasitoide se alimentam do hospedeiro, matando-o e ajudando a controlar a população da praga de forma natural.

  • Soja Louca I: Distúrbio fisiológico da planta de soja, causado pelo ataque de percevejos. Caracteriza-se pela retenção das folhas e hastes verdes no final do ciclo, quando a planta já deveria estar secando para a colheita.

Otimize o manejo do percevejo e proteja sua lucratividade

Realizar o monitoramento constante com pano de batida e registrar os dados para agir no momento certo são as chaves para um controle eficaz, mas fazer isso manualmente pode ser um desafio. Um software de gestão agrícola como o Aegro simplifica essa rotina, permitindo registrar as contagens de percevejos diretamente no campo pelo celular. Esses dados geram mapas de calor que indicam as áreas de maior infestação, tornando a decisão de pulverizar mais precisa.

Ao aplicar defensivos apenas onde e quando necessário, você não só otimiza o manejo da praga, mas também reduz os custos de produção, protegendo a rentabilidade da sua safra. Essa gestão integrada garante que cada aplicação seja um investimento, não apenas um gasto.

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Perguntas Frequentes

Qual é o período mais crítico para o ataque do percevejo-marrom na soja e por quê?

O período mais crítico vai do estágio R3 (início da formação das vagens) ao R7 (início da maturação). Nessa fase, o percevejo ataca diretamente as vagens para sugar os grãos em desenvolvimento, causando os maiores prejuízos, como redução drástica de peso, grãos chochos e perda de qualidade que impactam diretamente a produtividade final.

Por que o nível de controle do percevejo-marrom é mais rigoroso para a produção de sementes?

Na produção de sementes, o nível de controle é de apenas 1 percevejo por pano de batida, contra 2 para grãos comerciais. Isso ocorre porque o ataque do percevejo, mesmo que leve, compromete o vigor e o poder de germinação da semente, tornando-a inviável para o plantio. A qualidade fisiológica da semente é o foco principal e é mais sensível aos danos.

Minha aplicação de inseticida falhou. Isso significa que o percevejo-marrom está resistente?

Nem sempre. Muitas falhas de controle são, na verdade, causadas por problemas na aplicação, como pulverizações tardias com a população da praga já muito alta, tecnologia de aplicação inadequada (bicos, volume de calda) ou condições climáticas desfavoráveis. É crucial revisar todo o processo de pulverização antes de suspeitar de resistência.

O que é o sintoma da ‘Soja Louca I’ e como o percevejo-marrom o causa?

A ‘Soja Louca I’ é um distúrbio em que a planta de soja retém suas folhas e hastes verdes no final do ciclo, em vez de secar naturalmente para a colheita. O percevejo-marrom causa isso ao injetar toxinas enquanto se alimenta, desregulando os hormônios da planta e impedindo sua maturação normal, o que dificulta a colheita mecânica.

Como o controle biológico pode ajudar no manejo do percevejo, mesmo quando se usa inseticidas?

O controle biológico, realizado por inimigos naturais como as vespas parasitoides, já elimina gratuitamente uma grande porcentagem dos ovos do percevejo na lavoura. Ao optar por inseticidas seletivos, você combate a praga, mas preserva esses inimigos naturais. Eles continuam agindo, ajudando a manter a população do percevejo baixa por mais tempo e reduzindo a necessidade de futuras pulverizações.

É uma boa prática misturar inseticidas para percevejo com fungicidas para economizar na aplicação?

Não, essa prática, conhecida como ‘aplicação de carona’, deve ser evitada. O momento ideal para controlar o percevejo é definido pelo monitoramento (nível de controle), que raramente coincide com o calendário fixo de aplicação de fungicidas. Aplicar o inseticida fora da hora certa resulta em baixa eficácia, desperdício de produto e aumenta a pressão de seleção para resistência.

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