Nuvem de Gafanhotos no Brasil: O Que o Produtor Precisa Saber

Engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Fitotecnia focado em plantas daninhas.
Nuvem de Gafanhotos no Brasil: O Que o Produtor Precisa Saber

Nas últimas semanas, as notícias sobre uma nuvem de gafanhotos se aproximando do Brasil geraram muita preocupação. Muitas reportagens usaram termos fortes, como “devastação”, criando um clima de alerta nas lavouras. Mas, para o produtor rural, a pergunta que fica é: essa nuvem representa um perigo real e imediato para a minha safra?

Neste artigo, vamos analisar o histórico desses eventos no país, entender o comportamento deste inseto específico, qual era a situação real da nuvem na época e as medidas de controle que o governo preparou.

Ocorrências de Gafanhotos no Brasil: Um Histórico

Apesar do alarme recente, a presença de nuvens de gafanhotos não é uma novidade completa para o Brasil ou nossos vizinhos. O país possui suas próprias espécies nativas com hábitos migratórios, como o gafanhoto Rhammatocerus pictus, comum no estado de Rondônia.

A principal diferença é que as nossas espécies nativas geralmente têm uma capacidade de reprodução menor e não viajam distâncias tão longas quanto a nuvem que gerou o alerta.

close-up detalhado de um gafanhoto em seu habitat natural. O inseto, de coloração predominantemente marrom Espécie de gafanhoto migratório presente no Brasil (Rhammatocerus pictus) (Fonte: Agrolink)

A espécie que formou a nuvem recente, Schistocerca cancellata, também já foi registrada no Brasil, com ocorrências notáveis nos anos de 1947 e 1948. Embora sejam agressivos e causem danos, seu poder de destruição ainda é considerado menor que o das espécies encontradas no continente africano, por exemplo.

momento dramático e desesperador em uma lavoura. Uma agricultora, com uma expressão de angústia, corre pe Nuvem de gafanhotos no continente africano (Fonte: Hypeness)

Conhecendo o Gafanhoto-Sul-Americano (Schistocerca cancellata)

Os gafanhotos que compunham a nuvem monitorada na fronteira Sul do Brasil são da espécie Schistocerca cancellata, popularmente conhecidos como gafanhotos-sul-americanos. Eles vieram da região do Chaco, no Paraguai.

Essa espécie tem uma característica interessante: normalmente, os indivíduos não são migratórios. No entanto, quando uma combinação de fatores específicos acontece, alguns gafanhotos desenvolvem um comportamento migratório para garantir a sobrevivência do grupo.

Os principais gatilhos para essa mudança são:

  • Falta de alimento na região de origem;
  • Condições climáticas desfavoráveis, como temperaturas consistentemente acima de 30℃.

A rota de migração deste ano foi incomum, algo que não acontecia há cerca de 70 anos. Geralmente, quando migram, esses gafanhotos se mantêm próximos à fronteira entre Paraguai, Argentina e Bolívia.

diagrama ilustrativo que detalha o ciclo de vida de um gafanhoto, uma praga comum na agricultura. O ciclo é apr Ciclo de vida do gafanhoto-sul-americano (Schistocerca cancellata) (Fonte: El Diario)

Uma das diferenças visíveis entre os gafanhotos que migram e os que ficam está na coloração, que muda conforme eles se preparam para longos deslocamentos.

infográfico comparativo que ilustra as diferentes fases de desenvolvimento, ou instares, de ninfas de gafanhoto Estádios de desenvolvimento do gafanhoto-sul-americano (Schistocerca cancellata) com características migratórias e não migratórias (Fonte: Entomology Today)

Dimensão do Problema: Números e Comportamento da Nuvem

O que mais impressiona na nuvem monitorada são os números. Estima-se que ela era composta por cerca de 400 milhões de gafanhotos, cobrindo uma área de aproximadamente 10 km².

Para se ter uma ideia do estrago, considere que um único gafanhoto come cerca de duas gramas de matéria verde por dia. Multiplicando isso pelo tamanho da nuvem, o consumo diário seria equivalente ao de um rebanho com 20 mil bovinos.

close-up de um gafanhoto marrom e verde pousado sobre uma folha de milho. A folha da planta, de um verde vi Ataque do gafanhoto-sul-americano a uma lavoura de milho (Fonte: Guía Rural del Paraguay)

O comportamento desses insetos é previsível: eles se deslocam durante o dia e, ao entardecer, pousam para se alimentar e ovipositar (depositar os ovos no solo). Na manhã seguinte, levantam voo e continuam o trajeto. O perigo, portanto, é duplo: o dano da alimentação e a infestação futura.

Cada fêmea pode depositar de 80 a 100 ovos no solo a cada postura, e ela pode fazer isso até 6 vezes durante seu ciclo de vida. Isso significa que um único local de pouso pode se tornar um foco de infestação massiva.

Para proteger os ovos, o inseto insere parte do corpo no solo e os libera junto com uma substância que os impermeabiliza, protegendo-os do excesso de umidade.

composição de duas fotografias que mostram o solo de uma área agrícola com sinais de infestação de pragas. A f Postura de ovos do gafanhoto-sul-americano no solo (Fonte: Senasa)

Os ovos podem eclodir entre 15 e 61 dias após a postura, mas para isso precisam de uma condição essencial: uma chuva de pelo menos 25 mm. Dali, nascem as ninfas (chamadas de “saltões”), que ainda não voam, mas já se movem em grupo, seguindo a mesma direção da nuvem original.

Por isso, o controle eficaz deve focar tanto na nuvem de adultos voadores quanto nas novas gerações que nascem dos ovos.

Qual a Trajetória da Nuvem?

Quando os gafanhotos iniciam a migração, a trajetória principal já parece estar definida, embora eles possam fazer desvios para aproveitar correntes de ar favoráveis e evitar mau tempo. Alguns pesquisadores sugerem que a rota pode ser influenciada por atração magnética, mas isso ainda não foi cientificamente comprovado.

Com base no trajeto já percorrido e em previsões climáticas, pesquisadores da Epagri e outras instituições calcularam as rotas mais prováveis que a nuvem poderia seguir.

(Fonte: Epagri)

Esses estudos indicaram que a probabilidade da nuvem causar grandes problemas em território brasileiro era muito baixa. Mesmo assim, como medida preventiva, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) publicou uma portaria estabelecendo diretrizes e medidas de controle.

Medidas de Controle Recomendadas pelo MAPA

O plano de ação do governo brasileiro foi claro e dividido em duas frentes de batalha: controlar a nuvem de adultos e controlar as novas gerações que nasceriam dos ovos. O primeiro passo em ambas é sempre o monitoramento para demarcar os locais exatos de pouso.

1. Controle da Nuvem (Adultos)

A recomendação é acompanhar a nuvem e, assim que ela pousar para passar a noite, agir rapidamente:

  1. Demarcação Imediata: Isolar e determinar a área exata a ser tratada.
  2. Definição da Estratégia: Decidir como será feita a aplicação dos produtos, considerando as características do local (se é lavoura, pasto ou área florestal, por exemplo).
  3. Levantamento de Produtos: Verificar quais defensivos químicos recomendados estão disponíveis na região para uso imediato.
  4. Aplicação Rápida: Realizar a pulverização nas primeiras horas da manhã seguinte, antes que os gafanhotos levantem voo novamente.

O MAPA disponibilizou uma lista de produtos e dosagens autorizadas. Para acessá-la, consulte o Manual de controle do gafanhoto-sul-americano do MAPA.

2. Controle das Novas Gerações (Ovos e Ninfas)

Para os focos de infestação deixados pelos ovos, a estratégia é:

  1. Monitoramento do Local: Após demarcar a área de oviposição, acompanhar o local até a eclosão dos ovos.
  2. Manejo Químico em Faixas: Como as ninfas (“saltões”) têm menor mobilidade, o controle pode ser feito de forma mais eficiente. A recomendação é aplicar defensivos em faixas de 30m a 50m de largura, com intervalos de 150m a 500m sem aplicação. As ninfas são controladas ao passarem por essas faixas tratadas, o que otimiza o uso de produtos.
  3. Controle Mecânico (Último Recurso): Uma alternativa seria revolver o solo mecanicamente para expor os ovos ao sol e desidratá-los. No entanto, o MAPA recomenda esta prática apenas em locais onde o manejo químico é inviável.

Qual a Situação Atual da Nuvem de Gafanhotos?

No momento do alerta (início de julho daquele ano), a nuvem permanecia na Argentina, na província de Corrientes, a cerca de 130 km da fronteira com o Brasil, segundo o monitoramento do Senasa (órgão de sanidade agroalimentar argentino).

A boa notícia foi que as medidas de controle do governo argentino se mostraram eficientes, conseguindo eliminar grande parte da nuvem. Os poucos indivíduos que restaram tiveram um deslocamento curto (cerca de 4 km) devido às condições climáticas e continuaram sendo monitorados.

Mesmo com o risco diminuído, os estados do Sul do Brasil mantiveram o alerta ativo como forma de precaução. O episódio demonstrou que o país estava preparado com um plano de contenção caso uma nova migração acontecesse.

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Conclusão

Como vimos, a ocorrência de nuvens de gafanhotos não é um fenômeno totalmente novo no Brasil. A espécie Schistocerca cancellata já havia sido registrada em nosso território no passado.

Entendemos os fatores que tornam essa praga perigosa: sua alta capacidade de consumo e rápida reprodução, além do comportamento migratório que é ativado por condições específicas de clima e falta de alimento.

No final, a perspectiva de que a nuvem não chegaria ao Brasil se confirmou. Mais importante que isso, o episódio serviu para mostrar que o governo brasileiro, através do MAPA, possui um plano de ação estruturado para conter a praga, caso seja necessário proteger as lavouras do país.


Glossário

  • Epagri: Sigla da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. No artigo, é citada como uma das instituições que realizou previsões sobre a rota provável da nuvem de gafanhotos.

  • MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento): Órgão do governo federal brasileiro responsável pelas políticas do agronegócio. Foi a entidade que estabeleceu as diretrizes e o plano de controle para a possível chegada dos gafanhotos ao Brasil.

  • Ninfas (“saltões”): Fase jovem do gafanhoto, logo após a eclosão dos ovos. Nesta fase, os insetos ainda não desenvolveram asas e se movem em grupos pelo solo, alimentando-se de vegetação.

  • Oviposição: O ato de depositar ovos no solo, realizado pelas fêmeas de gafanhotos. Cada fêmea pode depositar centenas de ovos durante seu ciclo de vida, criando novos focos de infestação.

  • Rhammatocerus pictus: Espécie de gafanhoto nativa do Brasil, com ocorrências principalmente em Rondônia. É mencionada para contextualizar que o país possui suas próprias espécies migratórias, embora com menor poder de deslocamento que a Schistocerca cancellata.

  • Schistocerca cancellata: Espécie conhecida como gafanhoto-sul-americano, que formou a nuvem de gafanhotos mencionada no artigo. Originária da região do Chaco, desenvolve comportamento migratório sob condições específicas de clima e falta de alimento.

  • Senasa: Sigla do Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar da Argentina. É o órgão argentino responsável pelo monitoramento e controle da nuvem de gafanhotos em seu território.

Prevenção e controle: o papel da gestão agrícola

O episódio da nuvem de gafanhotos reforça uma lição essencial: o monitoramento constante e o planejamento de ações são as melhores defesas do produtor. Registrar cada avistamento, cada aplicação de defensivos e acompanhar o desenvolvimento da lavoura em tempo real são práticas que fazem a diferença. Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza essas informações, permitindo que o produtor e sua equipe registrem as atividades de manejo de pragas diretamente do campo, pelo celular.

Esse histórico detalhado não só ajuda a comprovar a eficácia das pulverizações, mas também facilita o planejamento das próximas safras e o controle dos custos com insumos. Ter todos os dados organizados em um só lugar transforma a incerteza em decisões mais seguras e estratégicas, protegendo a rentabilidade da fazenda contra ameaças inesperadas.

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Perguntas Frequentes

Qual a principal diferença entre o gafanhoto-sul-americano (Schistocerca cancellata) e as espécies nativas do Brasil?

A principal diferença está no comportamento e no potencial de dano. O gafanhoto-sul-americano, sob condições específicas de falta de alimento e calor, forma nuvens migratórias massivas que viajam longas distâncias, com alto poder de consumo. As espécies nativas do Brasil, como o Rhammatocerus pictus, geralmente têm uma capacidade de reprodução menor e não formam agregações tão grandes ou viajam tão longe.

Por que uma nuvem de gafanhotos como essa se formou e se moveu em direção ao Brasil?

A formação e migração da nuvem de Schistocerca cancellata são acionadas por uma combinação de fatores ambientais. Os principais gatilhos são a falta de alimento na região de origem (o Chaco paraguaio, neste caso) e condições climáticas favoráveis à sua atividade, como temperaturas consistentemente acima de 30℃. Essa mudança de comportamento é uma estratégia de sobrevivência do grupo.

Se uma nuvem de gafanhotos pousar na minha propriedade, qual a medida mais urgente a ser tomada?

A ação mais urgente é notificar imediatamente a autoridade de defesa agropecuária do seu estado ou o MAPA. Em seguida, é crucial demarcar a área exata onde a nuvem pousou. O controle químico deve ser feito de forma rápida, preferencialmente nas primeiras horas da manhã seguinte, antes que os insetos levantem voo novamente, seguindo as diretrizes e produtos autorizados pelo governo.

Os ovos depositados no solo representam um risco imediato para a safra seguinte?

O risco não é imediato, mas latente. Os ovos precisam de uma condição específica para eclodir: uma chuva de pelo menos 25 mm. Eles podem permanecer viáveis no solo por um período que varia de 15 a 61 dias. Por isso, as áreas de oviposição devem ser monitoradas para que o controle das ninfas (os “saltões”) seja feito logo após a eclosão, antes que se tornem adultos voadores.

O controle químico recomendado pelo MAPA para os gafanhotos pode prejudicar a lavoura?

O plano de controle do MAPA é desenhado para ser o mais preciso possível, visando minimizar danos colaterais. A aplicação de defensivos é direcionada sobre a nuvem de insetos pousada, geralmente em horários de baixa atividade (início da manhã). O uso de produtos e dosagens autorizadas, aliado a uma aplicação técnica, busca maximizar a eficiência sobre a praga e reduzir o impacto sobre a lavoura e o ambiente.

Ainda existe o risco de uma nova nuvem de gafanhotos da espécie Schistocerca cancellata chegar ao Brasil?

Sim, o risco existe, embora a nuvem específica do artigo tenha sido controlada. Enquanto as condições climáticas e ambientais que favorecem a formação desses enxames persistirem nas regiões de origem, como o Chaco, novas migrações podem ocorrer. Por isso, a vigilância constante nas fronteiras por parte das autoridades agrícolas e a prontidão dos produtores são fundamentais.

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