Os nematoides representam um desafio complexo e muitas vezes silencioso nas lavouras brasileiras. A presença desses vermes microscópicos pode causar perdas significativas na produção de soja e milho. Além do prejuízo direto na colheita, eles abrem portas para a entrada de outras doenças nas plantas, agravando ainda mais o problema.
Entre os diversos tipos, o nematoide de cisto da soja (Heterodera glycine) é uma das maiores dores de cabeça para o produtor. Mas como identificar sua presença na área antes que o dano seja grande? E qual a forma mais eficaz de controle?
Neste guia prático, vamos detalhar tudo o que você precisa saber para identificar e manejar esse fitonematoide, protegendo o potencial produtivo da sua lavoura.
Conhecendo o Inimigo: O Ciclo de Vida do Heterodera glycine
O nematoide de cisto (Heterodera glycine) é um endoparasita: significa que ele vive e se alimenta dentro das raízes das plantas. Seu ciclo de vida é relativamente rápido, durando entre 21 e 23 dias, e passa por quatro fases de crescimento, chamadas ecdises. A infestação começa na segunda fase do ciclo, quando o nematoide juvenil penetra no sistema radicular da soja.
As fêmeas são as protagonistas do dano. Após serem fertilizadas dentro da raiz, elas se tornam imóveis e começam a produzir ovos, armazenando-os dentro do próprio corpo. Quando a fêmea morre, seu corpo endurece, escurece para uma cor marrom e se transforma em uma estrutura protetora chamada cisto.
Essa estrutura é extremamente resistente e funciona como um cofre biológico.
- Capacidade de Armazenamento: Cada cisto pode conter cerca de
500 ovos
. - Viabilidade Longa: Mesmo sem a presença de uma planta hospedeira, os ovos dentro do cisto podem permanecer vivos e prontos para infectar por até 7 anos no solo.
- Gerações Múltiplas: Em um único ano agrícola, o nematoide de cisto consegue completar de três a seis gerações, multiplicando rapidamente sua população.
(Fonte: Nematoide Brasil)
As fêmeas são pequenas, com formato de limão, medindo de 0,4 mm
a 0,8 mm
. Os machos são mais alongados, parecidos com vermes, e medem de 0,6 mm
a 1,6 mm
.
As condições ideais para seu desenvolvimento são temperaturas do solo entre 23℃ e 28℃. Sua atividade diminui drasticamente abaixo de 14℃ ou acima de 34℃. Em um país tropical como o Brasil, essas condições ideais são facilmente encontradas durante a maior parte do ciclo da soja.
Sinais na Lavoura: Ocorrência e Sintomas do Nematoide de Cisto
O nematoide de cisto foi identificado pela primeira vez no Brasil na safra de 1991/92, em lavouras de soja na região do Cerrado. Hoje, estima-se que ele esteja presente em milhões de hectares por todo o país.
Os sintomas na lavoura costumam aparecer em manchas ou reboleiras, que são áreas delimitadas onde as plantas apresentam problemas visíveis. Fique atento a estes sinais:
- Crescimento Reduzido: Plantas visivelmente menores que as do resto do talhão.
- Clorose e Amarelamento: As folhas ficam amareladas, um sintoma clássico de que algo está errado.
- Nanismo: Plantas raquíticas, que não se desenvolvem corretamente.
O amarelamento causado pelo nematoide de cisto geralmente se torna mais evidente na época do florescimento da cultura da soja. Isso o diferencia do amarelamento causado por deficiências nutricionais (como a de ferro), que costuma aparecer mais cedo no ciclo da cultura.
Contudo, o diagnóstico definitivo só é possível com a observação direta das raízes. Plantas infectadas apresentam um sistema radicular pouco desenvolvido e infestado com as minúsculas fêmeas brancas do nematoide, que se parecem com pequenos pontos brilhantes grudados nas raízes.
Sistema de raízes fica reduzido e infestado por minúsculas fêmeas do nematoide de cisto da soja (A); fêmeas maduras e cistos (B); cisto rompido com ovos (C);
(Fonte: Luiz Ferraz e Derek Brown)
Diagnóstico Preciso: A Importância da Análise de Solo
Se você suspeita da presença de nematoides, a análise de solo é a ferramenta essencial para um diagnóstico correto. É ela que vai confirmar não apenas a presença, mas também qual espécie está atacando a lavoura, permitindo um manejo direcionado.
O período da entressafra é o momento ideal para realizar essa coleta. Além do solo, você também pode enviar para análise as raízes de plantas daninhas, pois muitas delas servem como hospedeiras e mantêm a população de nematoides ativa na área.
A boa notícia é que a mesma amostra de solo que você já coleta para análise de fertilidade pode ser utilizada para a análise de nematoides. Basta informar ao laboratório que você deseja essa análise específica.
Para saber mais, confira: “Tudo o que você precisa saberpara acertar na escolha do laboratório de análise de solo.”
Como o Nematoide se Espalha (e Como Evitar)
A movimentação natural dos nematoides no solo é muito limitada, eles se movem apenas alguns centímetros por ano por conta própria. Portanto, a disseminação a longas distâncias, entre talhões e fazendas, é quase sempre causada pelo trânsito de máquinas e implementos agrícolas.
Para evitar levar o problema de uma área para outra, siga estas duas regras simples:
- Limpeza do Maquinário: Sempre lave tratores, colheitadeiras e implementos para remover a terra aderida antes de mover o maquinário de uma área infestada para uma área limpa.
- Ordem de Operação: Planeje o trabalho para começar sempre pelas áreas sadias ou com baixa infestação, deixando as áreas mais problemáticas por último.
Estratégias de Manejo Integrado para Controlar o Nematoide de Cisto
Uma vez que o nematoide de cisto se estabelece em uma área, sua erradicação é extremamente difícil. O foco do manejo, portanto, é quebrar o ciclo de vida da praga e reduzir sua população a níveis que não causem dano econômico.
1. Manejo Cultural: Rotação de Culturas Inteligente
A rotação de culturas é uma das ferramentas mais poderosas contra nematoides, desde que você utilize espécies que não são hospedeiras da praga.
- Crotalárias: São uma das melhores opções. Suas raízes funcionam como uma armadilha: elas permitem a entrada dos nematoides juvenis, mas impedem que eles se desenvolvam até a fase adulta, quebrando o ciclo reprodutivo. Leia mais em nosso artigo: “Como a crotalária controla nematoides em sua lavoura”.
- Braquiária e Milheto: Essas gramíneas são excelentes para a produção de palhada e matéria orgânica no solo. O aumento da matéria orgânica favorece o desenvolvimento de outros microrganismos que competem com os fitonematoides ou até mesmo se alimentam deles, ajudando a equilibrar o sistema.
Além disso, as crotalárias também contribuem com massa verde e fixação biológica de nitrogênio, melhorando a saúde geral do solo.
Sintomas do nematoide de cisto aparecem em reboleiras, com amarelamento. Em muitos casos, plantas acabam morrendo
(Fonte: Revista Globo Rural)
2. Controle Biológico e Químico: Nematicidas
O uso de produtos biológicos tem mostrado resultados excelentes no campo, atuando por competição por espaço e nutrientes ou pela predação direta dos nematoides. Uma grande vantagem dos biológicos é que eles permanecem ativos no solo por mais tempo, contribuindo para a saúde da rizosfera (rizosfera: significa a região do solo que fica em contato direto com as raízes das plantas).
Os principais agentes biológicos utilizados são:
- Pochonia chlamydosporia
- Pasteuria nishizawae
- Paecilomyces lilacinus
Esses produtos podem ser aplicados diretamente no solo ou via tratamento de sementes. O tratamento de sementes, seja com produtos biológicos ou químicos, tem como objetivo principal proteger o desenvolvimento inicial das raízes, permitindo que a planta se estabeleça com mais vigor e consiga tolerar melhor a pressão da praga.
3. Genética a seu Favor: O Uso de Cultivares Resistentes
O melhoramento genético oferece cultivares de soja com resistência ao nematoide de cisto (NCS). A maioria das opções disponíveis no mercado é resistente às raças 1 e 3. Ao escolher uma cultivar, é fundamental avaliar também seu ciclo (precoce ou tardio) para que ela se encaixe no seu planejamento agrícola.
A Embrapa, por exemplo, lançou recentemente a cultivar BRS 7581RR, que é resistente a quatro raças do nematoide (1, 3, 5 e 14). Trata-se de uma cultivar RR de ciclo médio (85 a 117 dias), uma opção robusta para áreas com alta pressão da praga.
Outra alternativa que vem ganhando espaço é o uso de silicatos, que atuam como indutores químicos de resistência, fortalecendo as defesas naturais da planta contra o ataque do nematoide.
Conclusão
O controle do nematoide de cisto não depende de uma única solução, mas de um conjunto de estratégias integradas. Muitas das práticas de manejo, como a rotação de culturas e o plantio direto, não apenas combatem a praga, mas também melhoram a qualidade e a saúde do solo como um todo.
Ao combinar manejo cultural, uso de microrganismos benéficos e a escolha de cultivares resistentes, você consegue quebrar o ciclo do nematoide, reduzir sua população e, aos poucos, construir uma lavoura mais equilibrada, sã e produtiva.
Glossário
Cisto: Estrutura de resistência formada pelo corpo da fêmea morta do nematoide, que protege centenas de ovos no solo. Esta estrutura permite que os ovos sobrevivam por até 7 anos, mesmo sem a presença de uma planta hospedeira.
Ecdises: Termo técnico para as fases de crescimento ou “mudas de pele” pelas quais os nematoides passam. O nematoide de cisto passa por quatro ecdises até atingir a maturidade.
Endoparasita: Organismo que vive e se alimenta dentro de seu hospedeiro. O nematoide de cisto da soja é um endoparasita, pois completa a maior parte do seu ciclo de vida dentro das raízes da planta.
Fitonematoide: Refere-se a um nematoide que parasita plantas para se alimentar e reproduzir. Diferente de outros nematoides de vida livre, os fitonematoides causam danos diretos às culturas agrícolas.
NCS: Sigla para Nematoide de Cisto da Soja (Heterodera glycine), a praga específica abordada no artigo. O uso de cultivares com resistência ao NCS é uma das principais estratégias de manejo.
Reboleiras: Áreas localizadas na lavoura, geralmente de formato circular, onde as plantas exibem desenvolvimento reduzido, amarelamento ou nanismo. É a forma característica como os sintomas de ataque do nematoide de cisto aparecem no campo.
Rizosfera: Região do solo que sofre influência direta das raízes das plantas e de seus exsudatos. É um ambiente rico em microrganismos, fundamental para a saúde do solo e onde atuam muitos agentes de controle biológico.
Simplifique o manejo integrado com a ajuda da tecnologia
Implementar todas essas estratégias — rotação de culturas, controle biológico, limpeza de maquinário e escolha de cultivares — exige um planejamento minucioso. Acompanhar o que foi feito em cada talhão, safra após safra, pode se tornar um grande desafio, especialmente quando as informações ficam espalhadas em planilhas ou cadernos.
É aqui que a tecnologia se torna uma grande aliada. Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza o planejamento e o registro de todas as operações. Nele, você pode documentar o histórico de infestações, agendar a aplicação de nematicidas, planejar a rotação de culturas e até controlar a ordem de entrada do maquinário nos talhões para evitar a disseminação da praga. Ter esses dados organizados facilita a tomada de decisão e garante que o manejo seja executado com precisão.
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Perguntas Frequentes
O que é exatamente o cisto do nematoide e por que ele é tão difícil de controlar?
O cisto é o corpo da fêmea do nematoide que, após a morte, endurece e se transforma em uma cápsula protetora para centenas de ovos. Ele é extremamente resistente às condições do ambiente e pode manter os ovos viáveis no solo por até 7 anos, mesmo sem uma planta hospedeira. Essa longa capacidade de sobrevivência é o que torna a erradicação tão difícil, exigindo um manejo integrado e contínuo.
Qual a diferença entre os sintomas do nematoide de cisto e os de deficiência nutricional na soja?
Embora ambos possam causar o amarelamento das folhas (clorose), a principal diferença está na época em que os sintomas aparecem. A deficiência de nutrientes geralmente se manifesta nos estágios iniciais do desenvolvimento da cultura. Já o amarelamento causado pelo nematoide de cisto tende a se tornar mais evidente e intenso durante o período de florescimento da soja, aparecendo em manchas ou reboleiras.
É possível eliminar completamente o nematoide de cisto de uma área já infestada?
A erradicação completa do nematoide de cisto é considerada praticamente impossível, devido à alta resistência e longevidade dos cistos no solo. O objetivo principal do manejo não é eliminar a praga, mas sim reduzir sua população a níveis que não causem perdas econômicas, quebrando seu ciclo de vida através de práticas como rotação de culturas e uso de cultivares resistentes.
Além da rotação com crotalária, que outra prática cultural ajuda no manejo do nematoide de cisto?
O uso de gramíneas como braquiária e milheto na rotação ou cobertura de solo é muito benéfico. Elas não são hospedeiras ideais para o nematoide e, ao se decomporem, aumentam significativamente a matéria orgânica do solo. Isso favorece o desenvolvimento de microrganismos benéficos que competem com os nematoides ou até mesmo os predam, ajudando a criar um ambiente mais supressivo à praga.
Como posso prevenir a entrada do nematoide de cisto na minha propriedade?
A principal medida preventiva é evitar a introdução de solo contaminado. Como a praga se dissemina principalmente por terra aderida a máquinas e implementos, a limpeza rigorosa de todo o maquinário antes de entrar em sua fazenda ou ao mover de um talhão para outro é fundamental. Planeje as operações para começar sempre pelas áreas sadias, deixando as áreas suspeitas por último.
O tratamento de sementes com nematicidas resolve o problema do nematoide de cisto sozinho?
Não, o tratamento de sementes é uma ferramenta importante, mas não uma solução isolada. Sua função é proteger as raízes nos estágios iniciais de desenvolvimento, garantindo que a planta se estabeleça com mais vigor. Para um controle efetivo durante todo o ciclo da cultura, essa prática deve ser integrada a outras estratégias, como o uso de cultivares resistentes e a rotação de culturas.
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