Mela do Algodoeiro: O Guia Completo para Identificar, Prevenir e Controlar

Engenheira agrônoma, mestre e doutora na linha de pesquisa de sementes.
Mela do Algodoeiro: O Guia Completo para Identificar, Prevenir e Controlar

A lavoura de algodão enfrenta diversas ameaças, e uma das doenças fúngicas que mais tem gerado preocupação e perdas de produtividade no Brasil é a mela do algodoeiro. Por ser uma doença relativamente nova em nossas lavouras, ainda existem muitas dúvidas sobre o manejo correto.

Diante desse cenário, a estratégia mais inteligente e econômica é a prevenção. Entender como evitar a entrada do fungo na sua área é o primeiro passo para proteger seu investimento.

Neste artigo, reunimos as informações e recomendações mais atualizadas. Você vai aprender a identificar os sintomas, a aplicar as melhores práticas preventivas e, se necessário, a controlar a doença de forma eficaz na sua propriedade.

O que é a mela do algodoeiro?

A mela do algodoeiro é uma doença causada pelo fungo de solo Rhizoctonia solani Kuhn, especificamente do grupo de anastomose AG4. A sua forma reprodutiva sexuada é conhecida como teleomorfo: significa a fase em que o fungo produz esporos para se multiplicar, chamada de Thanatephorus cucumeris.

Este é um patógeno de solo que ataca a cultura do algodão logo no início do seu desenvolvimento. O controle é particularmente difícil porque o fungo produz escleródios: significa estruturas de resistência que sobrevivem no solo por longos períodos.

Na prática, a ocorrência da mela resulta em menor rentabilidade para o produtor. A doença reduz a população de plantas no campo, o que muitas vezes exige a custosa operação de ressemeadura.

Condições que favorecem a doença

A presença do fungo é fortemente favorecida por uma combinação de fatores, principalmente:

  • O monocultivo do algodão (plantar algodão sobre algodão na mesma área).
  • O preparo intensivo e excessivo do solo.
  • Encharcamento ou alagamento do solo, especialmente se combinado com sementes de baixo vigor.
  • Semeadura do algodoeiro fora da época recomendada.

A dica principal é evitar o plantio em épocas muito chuvosas. Este patógeno se desenvolve rapidamente em ambientes com alta umidade (acima de 80%) e temperaturas entre 25°C e 30°C.

O primeiro relato oficial da doença no Brasil ocorreu na safra 2004/05, no Mato Grosso. Desde então, sua presença já foi confirmada em outros grandes estados produtores, como Mato Grosso do Sul e Bahia.

infográfico técnico que ilustra o ciclo fisiológico das doenças que afetam a cultura do algodoeiro. A parte sup Mela do algodoeiro é uma das doenças iniciais da cultura do algodão (Fonte: Luiz Chitarra/Embrapa em Congresso do Algodão)

Sintomas da doença no algodoeiro

Para identificar a mela na sua lavoura, observe os sintomas iniciais com atenção. O primeiro sinal são lesões de aspecto oleoso que aparecem nas bordas dos cotilédones: significa as primeiras “folhas” que surgem quando a semente germina.

Com o avanço da doença, os cotilédones podem apresentar encharcamento, um sintoma conhecido como anasarca: significa um inchaço visível causado pelo acúmulo de água nos tecidos da planta. Em casos severos, os cotilédones são totalmente destruídos, levando a plântula à morte.

composição de duas fotografias que ilustram de perto os sintomas avançados de uma doença em uma plântula, prov Plântulas de algodoeiro com sintomas de mela (Fonte: Goulart e colaboradores)

Cuidado para não confundir com o “Tombamento”

É fundamental não confundir os sintomas da mela com outra doença também causada pelo R. solani AG4, popularmente conhecida como “tombamento”. No caso do tombamento, os sintomas são diferentes: as lesões se formam na região do colo (base do caule) e nas raízes das plântulas. A identificação correta é crucial para o manejo adequado.

Como evitar a mela do algodoeiro

Atingir altas produtividades no algodão exige um manejo cuidadoso, especialmente no controle preventivo de doenças fúngicas. O primeiro passo é sempre evitar a entrada e a proliferação de fungos na lavoura. Um bom planejamento e atitudes simples podem ser extremamente eficazes.

Considere adotar os seguintes cuidados como rotina:

  • Limpeza de Maquinário: Realize a limpeza frequente de máquinas e implementos agrícolas para não transportar terra contaminada entre talhões.
  • Sementes de Qualidade: Utilize sempre sementes certificadas e de alto vigor.
  • Qualidade da Água: Se utiliza irrigação, faça testes periódicos na qualidade da água.
  • Tratamento de Sementes: Realize o tratamento de sementes com fungicidas recomendados.
  • Rotação de Culturas: Implemente a rotação de culturas, priorizando gramíneas que ajudam a reduzir a infestação de R. Solani.
  • Adubação Equilibrada: Mantenha a nutrição do solo equilibrada para ter plantas mais fortes e resistentes.
  • Época de Plantio: Escolha a janela de plantio com cuidado, evitando períodos de chuvas intensas e contínuas.
  • Manejo Integrado: Adote um sistema de Manejo Integrado de Doenças (MID).
  • Eliminação de Hospedeiras: Controle plantas daninhas e outras plantas hospedeiras do fungo na área.
  • Análise de Solo: Realize análises de solo frequentemente para monitorar as condições e ajustar o manejo.

Quando o assunto é fungo de solo, é sempre melhor pecar pelo excesso de prevenção do que arcar com os prejuízos da contaminação.

extensa área de lavoura recém-plantada sofrendo com alagamento devido ao excesso de chuvas. As linhas de Situação ideal de desenvolvimento da mela do algodoeiro; doença é altamente favorecida pelo clima chuvoso na fase inicial da cultura (Fonte: Cultivar)

Mas, e quando a lavoura já está afetada pela doença? Veja a seguir as formas de controle.

Formas de controle

Para o controle da mela do algodoeiro, o tratamento de sementes com fungicidas é um forte aliado, já que a doença se manifesta nas fases iniciais da cultura.

Estudos realizados pela Embrapa Algodão indicam que o tratamento químico com a combinação Dynasty + Cruiser proporcionou um menor número de plântulas afetadas pelo fungo. Os resultados são ainda melhores quando combinados com a aplicação de fungicidas preventivos nos estágios iniciais da cultura.

Outros estudos também mostram ótimos resultados na emergência de plântulas para sementes tratadas com a mistura de tolylfluanid + pencycuron + triadimenol.

Uma alternativa de manejo é a adição do fungicida PCNB (pentachloronitrobenzene), na dose de 500g/100kg de sementes, às misturas que já são padrão para o controle do tombamento, como:

  • fludioxonil + mefenoxan + azoxistrobina
  • carbendazim + tirame + pencycuron + triadimenol
  • carboxina + thiram

Antes de decidir, avalie quais são os principais problemas históricos da sua lavoura. Se a sua área já possui infestação do patógeno, a estratégia mais robusta é a combinação de três ações: tratamento de sementes + aplicação foliar logo após a emergência + rotação de culturas.

Para escolher o produto mais adequado para a aplicação foliar no manejo da mela, consulte sempre um(a) engenheiro(a) agrônomo(a). Além disso, mantenha o monitoramento constante da sua propriedade.

O manejo rápido e correto da mela do algodoeiro evitará perdas significativas de produtividade e, o mais importante, impedirá que o fungo se espalhe por todos os talhões.

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Conclusão

A mela do algodoeiro é uma doença de ocorrência recente que já está causando problemas sérios em diversas regiões produtoras do país. Conhecer o inimigo é o primeiro passo para vencê-lo.

Neste artigo, você viu em detalhes como reconhecer os sintomas da doença no campo e quais os cuidados essenciais para evitar a contaminação da sua lavoura. Também apresentamos as recomendações técnicas e os manejos mais indicados para o controle, caso a doença já esteja instalada.

Esperamos que estas informações ajudem no seu dia a dia e, principalmente, no planejamento preventivo para proteger a sua safra contra a mela do algodoeiro.


Glossário

  • Anasarca: Inchaço visível nos tecidos da planta, como nos cotilédones, causado pelo acúmulo excessivo de água. É um sintoma característico da mela, dando à folha um aspecto encharcado e oleoso.

  • Cotilédones: As primeiras “folhas” que surgem quando uma semente germina, também chamadas de folhas embrionárias. Na mela do algodoeiro, é nos cotilédones que os primeiros sintomas da doença aparecem.

  • Escleródios: Estruturas de resistência formadas pelo fungo, compactas e endurecidas, que podem sobreviver no solo por longos períodos, mesmo em condições desfavoráveis. Funcionam como “sementes” do fungo, aguardando o momento ideal para infectar uma nova planta.

  • Patógeno de solo: Um microrganismo, como um fungo ou bactéria, que vive no solo e tem a capacidade de causar doenças nas plantas. O fungo Rhizoctonia solani é um exemplo clássico de patógeno de solo.

  • PCNB (Pentachloronitrobenzene): Princípio ativo de um fungicida utilizado no tratamento de sementes e do solo. É recomendado como uma alternativa para reforçar o controle de doenças causadas por Rhizoctonia solani.

  • Rhizoctonia solani: Nome científico do fungo de solo que causa a mela do algodoeiro. Este mesmo fungo também é responsável por outras doenças em diversas culturas, como o “tombamento” (damping-off).

  • Teleomorfo: Refere-se à fase sexuada do ciclo de vida de um fungo, na qual ele produz esporos para se reproduzir e se disseminar. É uma forma de reprodução que aumenta a variabilidade genética do patógeno.

Simplifique o manejo da mela com uma gestão eficiente

O controle eficaz da mela do algodoeiro vai além do campo: exige um planejamento financeiro rigoroso para cobrir os custos com defensivos e eventuais ressemeaduras, além de uma organização impecável das atividades preventivas. Manter o controle de todas essas variáveis em planilhas ou cadernos pode levar a erros e prejuízos. É nesse ponto que a tecnologia se torna uma grande aliada.

Um software de gestão agrícola como o Aegro, por exemplo, ajuda a centralizar essas informações. Nele, você pode registrar todos os custos com insumos e operações, planejando e acompanhando cada etapa do manejo – desde o tratamento de sementes até o monitoramento da lavoura –, tudo em um só lugar.

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Perguntas Frequentes

Qual é a principal diferença entre a mela e o tombamento do algodoeiro?

A principal diferença está no local onde os sintomas aparecem. A mela ataca as primeiras folhas (cotilédones), causando lesões de aspecto oleoso e encharcado. Já o tombamento, embora também causado pelo fungo R. solani, afeta a base do caule (colo) e as raízes da plântula, fazendo com que ela tombe.

Por que a rotação de culturas com gramíneas é tão recomendada para prevenir a mela?

A rotação de culturas, especialmente com gramíneas, ajuda a quebrar o ciclo de vida do fungo Rhizoctonia solani. Como as gramíneas não são hospedeiras ideais para o grupo específico do fungo que ataca o algodão (AG4), sua presença na área reduz a quantidade de escleródios (estruturas de resistência) no solo, diminuindo a pressão da doença para a safra seguinte.

Quais são as condições climáticas ideais para o desenvolvimento da mela do algodoeiro?

A mela é fortemente favorecida por um ambiente de alta umidade, acima de 80%, e temperaturas entre 25°C e 30°C. Essas condições são comuns em períodos de chuvas intensas e contínuas, especialmente durante a fase inicial de desenvolvimento da cultura do algodão, tornando a escolha da época de plantio um fator crítico de manejo.

O tratamento de sementes sozinho é suficiente para controlar a mela em áreas com histórico da doença?

Embora o tratamento de sementes seja uma ferramenta fundamental e indispensável, em áreas com alta infestação do patógeno ele pode não ser suficiente. A estratégia mais robusta e recomendada para essas situações é a combinação de três ações: o tratamento de sementes, a aplicação de fungicidas via foliar logo após a emergência das plântulas e a rotação de culturas.

O que são escleródios e por que eles dificultam tanto o manejo da mela?

Escleródios são estruturas de resistência, compactas e endurecidas, que o fungo produz para sobreviver no solo por longos períodos, mesmo em condições adversas. Eles funcionam como ‘sementes’ do fungo, tornando o controle da mela mais difícil, pois garantem que o patógeno permaneça na área mesmo na ausência da cultura do algodão, pronto para infectar o próximo plantio.

Se minha lavoura já está com sintomas de mela, ainda há o que fazer?

Sim. Embora a prevenção seja a melhor estratégia, se a doença já está instalada, o manejo deve ser rápido para evitar perdas maiores. A recomendação é buscar a orientação de um engenheiro agrônomo para avaliar a aplicação foliar de fungicidas específicos. Além disso, é crucial iniciar o planejamento para as próximas safras, incluindo a rotação de culturas para reduzir a contaminação do solo.

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