Todos os anos, os prejuízos causados pela mancha púrpura são significativos na sojicultura. A doença, provocada pelo fungo Cercospora kikuchii, é uma das principais doenças de final de ciclo da soja (DFC).
Embora seja conhecida como uma doença de final de ciclo, seu controle eficaz precisa começar muito antes. Também chamada de cercosporiose ou crestamento foliar de cercospora, ela exige que o produtor saiba identificar os sintomas precocemente para aplicar as estratégias de manejo corretas.
Neste artigo, vamos detalhar como a mancha-púrpura afeta a qualidade dos grãos e das sementes, e apresentar um guia completo sobre como realizar o manejo mais eficiente. Boa leitura!
O que é a mancha-púrpura em soja (Cercospora kikuchii)?
A mancha-púrpura, ou crestamento-foliar de cercospora, é uma doença de final de ciclo (DFC) da soja. Ela é causada pelo fungo Cercospora kikuchii e ataca diretamente a produtividade e a qualidade dos grãos, além de prejudicar a germinação das sementes para a próxima safra.
Apesar do nome, a infecção pode começar bem antes, ainda no período vegetativo da planta. Nessa fase inicial, os danos podem parecer pequenos, pois a cultura consegue compensar a perda foliar sem impactar imediatamente o potencial produtivo.
No entanto, é fundamental entender que uma infecção que começa cedo, se não for controlada, tende a se agravar severamente no período reprodutivo. Além disso, grãos e sementes afetados pela doença perdem qualidade e têm um potencial de armazenamento muito menor.
Danos causados na cultura e no armazenamento da soja
Em condições favoráveis para o fungo e em cultivares suscetíveis, a redução da produtividade da soja por conta da mancha-púrpura pode chegar a 50%. O fungo causa três problemas principais na lavoura:
- Crestamento foliar: É o sintoma mais visível, manifestando-se na parte aérea da planta com manchas e desfolha.
- Morte de plântulas: O fungo pode atacar durante a emergência da cultura, reduzindo o estande inicial e comprometendo o potencial produtivo da área desde o início.
- Danos em grãos e sementes: Caracterizados pela presença de manchas arroxeadas, que resultam em menor poder de germinação e vigor para a soja.
A intensidade dos danos está diretamente ligada à fase em que a doença se manifesta. Se a infecção ocorre no início do enchimento dos grãos de soja, os prejuízos são muito mais severos. Se ocorre no final desse período, os danos costumam ser menores.
Foto do agente causador da mancha púrpura, também conhecida como crestamento-foliar de cercospora (Fonte: Chanda, 2012)
Por isso, o controle deve ser focado nas fases que antecedem o enchimento de grãos, especialmente após o fechamento das entrelinhas, para evitar que o patógeno se estabeleça. Controlar a doença no baixeiro da planta é mais desafiador, pois as aplicações de fungicidas têm dificuldade de alcançar essa região.
A soja colhida, mesmo quando armazenada corretamente, já se deteriora rapidamente. A presença de fungos como o Cercospora kikuchii acelera essa deterioração, servindo como porta de entrada para outros patógenos e até favorecendo a infestação por insetos durante o armazenamento.
Como identificar o crestamento foliar de cercospora na soja?
Os sintomas da mancha púrpura podem ser observados desde o período vegetativo, pois o fungo sobrevive em restos culturais da safra anterior ou no solo. A doença pode afetar todas as partes da planta (haste, folhas, vagens e sementes), com exceção das raízes.
Fique atento aos principais sinais para identificar a doença na sua lavoura:
- Folhas com aspecto arroxeado e textura parecida com couro.
- Desfolha severa, principalmente durante o estádio reprodutivo.
- Manchas arroxeadas nas folhas, com variações de tons mais claros e escuros.
- Rachadura do tegumento (a “casca”) das sementes e grãos.
- Escurecimento e necrose na haste, que é um dos primeiros locais de surgimento dos sintomas.
- Pontuações escuras castanho-avermelhadas nas folhas.
- Lesões vermelho-arroxeadas ao longo da haste.
A identificação pode ser feita visualmente. Porém, cuidado: os sintomas da mancha-púrpura podem ser confundidos com fitotoxidez, especialmente se você realizou aplicações recentes com adjuvantes.
Para diferenciar: No caso da fitotoxidez, a folha mantém sua superfície lisa. Já no crestamento foliar, além da mancha de cor arroxeada, as folhas ficam enrugadas, dobrando-se das bordas para o centro.
À esquerda, bronzeamento de folhas de soja causado por aplicação de adjuvantes. À direita, sintomas de crestamento-foliar. (Fonte: Forcelini, 2014)
Como controlar a mancha na soja e outras doenças de final de ciclo?
Primeiramente, monitore as condições climáticas. O fungo se desenvolve melhor com temperaturas entre 23°C e 27°C e alta umidade. Curiosamente, estudos mostram que períodos com menor volume de chuva (que resulta em menor molhamento foliar) também favorecem a doença.
Assim como para outras doenças, o MID (Manejo Integrado de Doenças) é a estratégia mais recomendada. Ele consiste em usar diferentes métodos de controle para reduzir a população do patógeno na área, diminuindo também as chances de selecionar populações resistentes.
Confira as práticas mais eficientes para controlar a mancha-púrpura:
- Uso de sementes certificadas: É a primeira linha de defesa. Evite sementes piratas para prevenir não só a mancha-púrpura, mas diversas outras doenças.
- Tratamento de sementes: Protege as plântulas do ataque inicial do patógeno que sobrevive no solo e nos restos culturais.
- Uso de variedades resistentes ou tolerantes: Dê preferência a variedades de ciclo precoce, que ficam expostas ao fungo por menos tempo.
- Rotação de culturas com milho: Essa prática ajuda a quebrar o ciclo do patógeno, reduzindo o inóculo (a quantidade de fungo) na área.
- Densidade adequada: Se a sua operação permitir, utilize um maior espaçamento entre linhas para melhorar a aeração entre as plantas.
- Adubação equilibrada: Foque em uma boa adubação potássica e de cálcio. Esses nutrientes fortalecem a estrutura celular da planta, tornando-a mais resistente.
- Aplicações de fungicidas na parte aérea: O ideal é começar as aplicações ainda no período vegetativo e continuar até a fase de enchimento dos grãos.
- Controle químico estratégico: Use-o como uma ferramenta complementar. Misturas duplas ou triplas (com dois ou três mecanismos de ação), combinadas com fungicidas multissítios, são as mais recomendadas para um manejo de resistência eficaz.
Ponto Chave: O controle do crestamento-foliar não precisa ser isolado. Geralmente, as mesmas moléculas de fungicidas utilizadas para o controle da ferrugem asiática também são eficazes contra as outras doenças de final de ciclo.
Quando fazer aplicações tardias para controlar manchas foliares na soja?
Uma aplicação tardia de fungicidas pode ser uma boa estratégia para prolongar o período de enchimento de grãos em até duas semanas, combatendo a mancha-púrpura e outras manchas foliares.
Essa decisão é vantajosa apenas sob as seguintes condições:
- A lavoura possui uma vasta área foliar sadia.
- As temperaturas noturnas estão baixas.
- Há boa incidência de sol durante o dia.
- A umidade do solo está elevada.
Se a cultura já está em fase de senescência (com folhas amareladas e caindo), as aplicações não trarão mais benefícios e não são necessárias.
Conclusão
A mancha-púrpura da soja não só provoca danos diretos aos tecidos das folhas, como também afeta grãos e sementes. Esse impacto negativo se estende ao armazenamento e reduz a qualidade do produto final que chega à indústria.
Lembre-se que o controle da doença deve ser sempre planejado de forma integrada, considerando todos os patógenos presentes na sua área.
Conheça o histórico de doenças da sua lavoura, as épocas de maior incidência e as condições ambientais que as favorecem. Com essas informações, você poderá realizar um manejo mais assertivo e economicamente viável, reduzindo custos e aumentando a rentabilidade.
Leia mais: “Cercosporiose no milho: saiba como manejar a doença”
Glossário
Cercospora kikuchii: Nome científico do fungo que causa a doença conhecida como mancha-púrpura ou crestamento-foliar na cultura da soja.
Crestamento foliar: Sintoma da doença em que as folhas adquirem uma coloração arroxeada, aspecto de couro e acabam morrendo e caindo prematuramente. É a manifestação mais visível da mancha-púrpura na parte aérea da planta.
DFC (Doenças de Final de Ciclo): Conjunto de doenças fúngicas que se manifestam com maior intensidade na fase final do desenvolvimento da soja, a partir do florescimento e enchimento de grãos, impactando diretamente a produtividade e a qualidade da colheita.
Fitotoxidez: Dano ou estresse causado a uma planta pela aplicação de um produto químico, como herbicidas ou adjuvantes, que não é um patógeno. Os sintomas, como manchas nas folhas, podem ser confundidos com os de doenças.
Fungicida multissítio: Tipo de fungicida que atua em múltiplos pontos do metabolismo do fungo. Seu uso é uma estratégia importante para o manejo de resistência, pois dificulta que o patógeno desenvolva defesas contra o produto.
Inóculo: Refere-se à quantidade de um patógeno (neste caso, esporos do fungo) presente em uma área, seja no solo, em restos de plantas ou em sementes. Práticas como a rotação de culturas visam reduzir o inóculo para a safra seguinte.
MID (Manejo Integrado de Doenças): Estratégia de controle que combina diferentes métodos (uso de sementes sadias, rotação de culturas, controle químico, etc.) de forma harmônica. O objetivo é manter as doenças em níveis que não causem danos econômicos, de maneira sustentável.
Patógeno: Organismo, como um fungo, bactéria ou vírus, capaz de causar doenças em outro ser vivo (o hospedeiro). No artigo, o Cercospora kikuchii é o patógeno que ataca a soja.
Senescência: Fase final do ciclo de vida da planta, caracterizada pelo envelhecimento natural, amarelamento e queda das folhas. Aplicações de fungicidas nesta fase já não são eficazes.
Simplifique o manejo e garanta a rentabilidade
Controlar a mancha-púrpura e outras doenças de final de ciclo exige um manejo integrado e preciso, o que pode ser complexo de acompanhar apenas com anotações em papel ou planilhas. Além disso, cada aplicação de fungicida representa um custo que precisa ser justificado pela proteção da produtividade.
Ferramentas de gestão como o Aegro ajudam a superar esses desafios ao centralizar o planejamento e o registro de todas as atividades no campo. Você pode agendar aplicações, monitorar infestações e criar um histórico detalhado por talhão. Ao mesmo tempo, o sistema calcula automaticamente os custos de cada operação, mostrando se o seu manejo está sendo economicamente viável e ajudando a proteger a margem de lucro da sua soja.
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Perguntas Frequentes
Por que a mancha-púrpura é considerada uma ‘doença de final de ciclo’ se o controle deve começar cedo?
Embora os sintomas mais severos, como a desfolha e o crestamento, apareçam no final do ciclo da soja, a infecção pelo fungo Cercospora kikuchii começa muito antes, ainda na fase vegetativa. O controle precoce é fundamental para impedir que o patógeno se estabeleça na lavoura e cause danos significativos à produtividade durante a fase de enchimento de grãos.
Como posso diferenciar os sintomas da mancha-púrpura da fitotoxidez na soja?
A principal diferença está na textura da folha. Na fitotoxidez, as manchas geralmente deixam a superfície da folha lisa. Já no ataque por mancha-púrpura, além da coloração arroxeada, as folhas adquirem uma textura áspera, semelhante a couro, e tendem a se enrugar das bordas para o centro.
Quais os principais riscos de usar sementes de soja com manchas arroxeadas na safra seguinte?
Usar sementes manchadas é um grande risco, pois o fungo sobrevive nelas. Isso resulta em menor poder de germinação e vigor, podendo causar a morte de plântulas e reduzir o estande inicial da lavoura. Além disso, essa prática reintroduz o inóculo da doença na área, garantindo uma infecção precoce na nova safra.
É possível controlar a mancha-púrpura e a ferrugem asiática com as mesmas aplicações de fungicida?
Sim, geralmente é possível e uma prática comum no manejo integrado. As misturas de fungicidas (duplas ou triplas) com diferentes mecanismos de ação, especialmente quando combinadas com multissítios, que são recomendadas para a ferrugem, também possuem alta eficácia contra o complexo de doenças de final de ciclo, incluindo a mancha-púrpura.
Além dos fungicidas, que outras práticas de manejo são eficazes contra a mancha-púrpura?
O Manejo Integrado de Doenças (MID) é a chave. Práticas essenciais incluem o uso de sementes certificadas e tratadas, a escolha de variedades resistentes, a rotação de culturas com gramíneas como o milho para quebrar o ciclo do fungo, e uma adubação equilibrada, principalmente com potássio, para fortalecer a resistência da planta.
Quando uma aplicação tardia de fungicida para mancha-púrpura é realmente vantajosa?
Uma aplicação tardia só vale a pena se a lavoura ainda tiver uma grande área foliar sadia e potencial produtivo a ser protegido. Condições como boa umidade no solo e temperaturas favoráveis também são importantes. Se a soja já iniciou a senescência, com folhas amareladas e caindo, a aplicação não trará benefícios e representará um custo desnecessário.
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