O propósito de vida de uma lagarta é comer. E a lagarta-do-cartucho, também conhecida como lagarta militar (Spodoptera frugiperda), faz isso muito bem!
Você, produtor de milho, sabe bem o estrago que essa praga pode causar na sua plantação. Em ataques severos, a lagarta-do-cartucho pode reduzir sua produtividade em até 73%. O prejuízo para o agronegócio brasileiro chega a US$ 400 milhões por ano.
Apesar disso, controlar a lagarta-do-cartucho no milho é um desafio constante, e muitos produtores ainda enfrentam dificuldades. Mas é possível virar esse jogo.
Para acabar de vez com esse problema, preparamos um guia prático. Acompanhe os 7 passos a seguir para identificar a praga, entender seus hábitos e aplicar as melhores estratégias de combate.
Passo 1: Como Identificar a Lagarta-do-Cartucho (Spodoptera frugiperda) e Diferenciá-la de Outras
No campo, você pode encontrar três tipos de lagartas que formam o “Complexo Spodopteras”:
- Spodoptera frugiperda (a lagarta-do-cartucho);
- Spodoptera eridania;
- Spodoptera cosmiodes.
Elas são parecidas, mas existem diferenças importantes que ajudam na identificação rápida. Veja como separar uma da outra:
Spodoptera eridania
(Fonte: Bug guide)
- Apresenta três listras brancas ou amareladas nas costas (dorso).
- Possui uma listra lateral que é interrompida por uma mancha escura no primeiro e no oitavo segmentos do corpo.
- Tem também duas fileiras de manchas triangulares ao longo do dorso.
Spodoptera cosmiodes
(Beetles in the Bush em Defesa Vegetal)
- Possui três listras alaranjadas com pontuações brancas e pontos pretos nas pontas.
- Apresenta uma faixa escura entre o terceiro par de pernas verdadeiras e o primeiro par de pernas falsas (abdominais).
Lagarta-do-Cartucho (Spodoptera frugiperda)
Para a cultura do milho, esta é a espécie mais importante e que exige maior atenção.
A lagarta-do-cartucho, ou lagarta militar, tem duas características marcantes que facilitam sua identificação:
- “Y” invertido na cabeça: Uma marca clara em formato de “Y” de cabeça para baixo.
- Quadrado de pontos no abdômen: No final do corpo, ela possui quatro pontos pretos maiores que formam um quadrado perfeito.
Observe esses detalhes na imagem abaixo para não ter mais dúvidas:
(Fonte: Adaptado de Cabi – PlantWise)
Passo 2: Reconheça os Danos da Lagarta-do-Cartucho na Sua Lavoura de Milho
Um estudo realizado por Silva e Foresti (2016) mostra de forma clara o poder de destruição da lagarta-do-cartucho no milho. A imagem abaixo compara lavouras com e sem a presença da praga:
Parcelas não infestadas (A, B e C) e parcelas infestadas (D, E e F) com 20 lagartas-do-cartucho por planta, nos estádios V2 (A e D), V4 (B e E) e V6 (C e F), 14 dias após a infestação.
(Fonte: Silva e Foresti (2016) em Pioneer)
Como a imagem mostra, a infestação tem potencial para dizimar a plantação. Para evitar que chegue a esse ponto, fique atento aos primeiros sinais.
Procure por estes danos na sua lavoura:
- Sinais iniciais (lagartas pequenas): Folhas com aspecto “raspado”. Esse é o primeiro sinal, causado por lagartas jovens nos seus primeiros ínstares: significa as fases de desenvolvimento do inseto entre as trocas de pele.
- Sinais avançados (lagartas maiores): Folhas perfuradas, cartucho destruído com fezes, espigas danificadas e, em casos graves, danos na base da planta.
Passo 3: Entenda Quando a Lagarta Ataca - Períodos Críticos e Condições Climáticas
A lagarta-do-cartucho costuma ter seu pico de ataque entre outubro e janeiro. No entanto, a segunda safra de milho (safrinha) também pode sofrer ataques severos, principalmente se houver períodos de pouca chuva.
Conhecer as condições climáticas que favorecem ou desfavorecem a praga ajuda a prever os momentos de maior risco.
Condições climáticas que favorecem a lagarta-do-cartucho
- Períodos de seca ou pouca chuva.
- Temperaturas altas durante o dia.
- Temperaturas amenas durante a noite.
Condições climáticas que desfavorecem a lagarta-do-cartucho
- Períodos de chuvas frequentes e bem distribuídas.
- Temperaturas baixas, tanto de dia quanto de noite.
Passo 4: Monitore a Praga de Forma Estratégica
Todo produtor, sem exceção, precisa fazer o monitoramento de pragas na lavoura. Isso vale tanto para quem planta híbridos com tecnologia Bt quanto para quem não utiliza essa tecnologia.
É o monitoramento que vai dizer o momento exato de aplicar inseticidas, evitando gastos desnecessários e perdas de produção.
Para realizar o monitoramento de forma correta, você pode seguir as orientações deste artigo.
Após coletar os dados do seu monitoramento, compare com o nível de ação. O nível de ação é o ponto em que a infestação causa um prejuízo maior que o custo do controle. Se os danos atingiram esse nível, é hora de agir.
Confira na tabela abaixo o nível de controle para a lagarta-do-cartucho e outras pragas do milho:
Baixe aqui sua planilha gratuita para fazer o MIP!
Se você constatou que o nível de ação foi atingido, o próximo passo é escolher o método de controle.
Passo 5: Aplique o Controle Químico de Maneira Consciente e Eficaz
O controle químico é a opção mais comum e rápida. Abaixo, você encontra a lista de inseticidas recomendados para a lagarta-do-cartucho, organizados por modo de ação:
(Fonte: Comitê Brasileiro de Ação a Resistência a Inseticidas (Irac BR))
Mas atenção: a solução não está apenas em escolher um produto da lista. Para um combate eficiente, é preciso adotar um conjunto de boas práticas e, principalmente, prevenir a resistência da praga aos produtos.
Passo 6: Evite a Resistência da Lagarta aos Inseticidas
Usar o mesmo produto químico, safra após safra, seleciona as lagartas mais fortes da população, que sobrevivem, se reproduzem e passam essa característica para seus descendentes. Com o tempo, o inseticida perde a eficácia.
Foi exatamente isso que aconteceu com o metomil. Um trabalho de monitoramento de resistência feito pela Embrapa, UFMT e Aprosoja-MT comprovou que a lagarta-do-cartucho já desenvolveu resistência a esse ativo.
Para que isso não aconteça com os produtos que você usa, siga com atenção as recomendações do IRAC (Comitê de Ação à Resistência a Inseticidas):
Recomendações do IRAC para Evitar a Resistência
Siga sempre as instruções do rótulo do produto. A dose, o alvo e o momento corretos são fundamentais.
Alterne os mecanismos de ação. Não use produtos do mesmo grupo químico em aplicações seguidas. Consulte o rótulo ou o site do Irac para saber o modo de ação de cada produto.
Use “janelas de aplicação”. Este é um conceito-chave.
Em outras palavras: A janela de aplicação é como um “turno” para cada tipo de inseticida. Você usa produtos com o mesmo modo de ação por no máximo
30 dias
(o tempo de uma geração da praga). Depois, se precisar aplicar de novo, troca por um produto de “outro time”, com um modo de ação diferente. Isso confunde a praga e evita que ela se acostume.(Fonte: Irac)
Limite o uso do mesmo mecanismo. O período total de uso de produtos com o mesmo modo de ação não deve passar de 50% do ciclo da cultura.
Aplique apenas quando necessário. Use o Manejo Integrado de Pragas (MIP) como guia. O MIP combina diferentes táticas de controle e ajuda a usar inseticidas apenas quando realmente precisa (veja como aqui).
Outras práticas que ajudam a prevenir a resistência
- Não deixe suas áreas em pousio: Áreas sem cultura se tornam refúgio para pragas.
- Comece a lavoura no limpo: Controle as plantas daninhas antes do plantio. Muitas delas servem de hospedeiras para a lagarta-do-cartucho, permitindo que a praga se mantenha na área durante todo o ano.
- Use a dose correta: Siga a recomendação do rótulo e aplique nas melhores condições de clima e horário.
- Faça o manejo pós-colheita: Utilize herbicidas com diferentes mecanismos de ação para eliminar plantas daninhas e tigueras que possam abrigar a praga.
Passo 7: Integre o Controle Biológico ao seu Manejo
O controle biológico é outra ferramenta poderosa e com resultados promissores no campo. Ele utiliza inimigos naturais da praga para reduzir sua população.
Por exemplo, um estudo mostrou que o fungo Metarhizium anisopliae foi eficiente no controle da lagarta-do-cartucho, resultando em um aumento de mais de 50% na produção de grãos de milho. Você pode conferir o estudo completo aqui.
(Fonte: foto de Pedro Saul Castillo em Defesa Vegetal)
Conclusão
A lagarta militar (Spodoptera frugiperda) é uma das pragas que mais causa prejuízos na cultura do milho, mas um controle adequado e estratégico pode proteger sua lavoura.
Ao seguir estes 7 passos, você estará mais preparado para:
- Identificar corretamente a praga.
- Reconhecer os danos no início.
- Prever os períodos de maior risco.
- Monitorar a lavoura de forma eficiente.
- Aplicar o controle químico de forma consciente.
- Prevenir a resistência aos inseticidas.
- Integrar o controle biológico ao seu manejo.
Lembre-se que todo esse manejo faz parte de uma boa gestão agrícola, garantindo que cada ação seja feita corretamente e no tempo certo.
Espero que você faça bom uso destas dicas e conquiste uma lavoura livre da lagarta-do-cartucho
Glossário
Controle Biológico: Método de manejo que utiliza inimigos naturais (como fungos, bactérias e outros insetos) para reduzir a população de uma praga. É uma alternativa mais sustentável ao uso exclusivo de defensivos químicos.
Ínstares: Fases de desenvolvimento de uma lagarta entre as trocas de pele (ecdises). A cada ínstar, a lagarta cresce de tamanho, aumenta seu consumo de folhas e se torna mais difícil de ser controlada.
Janela de Aplicação: Estratégia para evitar a resistência de pragas a inseticidas. Consiste em usar produtos com o mesmo modo de ação por um período limitado (geralmente 30 dias) e, em seguida, rotacionar para um grupo químico diferente.
Manejo Integrado de Pragas (MIP): Uma abordagem estratégica que combina diferentes táticas de controle (monitoramento, controle biológico, químico, etc.). O objetivo é manter as pragas abaixo do nível de dano econômico, usando inseticidas apenas quando estritamente necessário.
Nível de Ação (ou Nível de Controle): Densidade populacional da praga na lavoura que indica o momento exato para iniciar as medidas de controle. É o ponto em que o custo do controle é menor que o prejuízo que a praga causaria se não fosse controlada.
Safrinha: Refere-se à segunda safra cultivada no mesmo ano agrícola, geralmente semeada no verão/outono após a colheita da safra principal. No Brasil, o milho safrinha plantado após a soja é a prática mais comum.
Spodoptera frugiperda: Nome científico da lagarta-do-cartucho, também conhecida como lagarta militar. É a principal praga da cultura do milho abordada no artigo, conhecida por seu alto poder destrutivo.
Tecnologia Bt: Refere-se a plantas geneticamente modificadas (como o milho Bt) que produzem proteínas da bactéria Bacillus thuringiensis. Essas proteínas são tóxicas para certas lagartas, agindo como um inseticida embutido na própria planta.
Como a tecnologia simplifica o manejo da lagarta-do-cartucho
Seguir os 7 passos deste guia exige organização e um bom controle das informações. Manter registros precisos do monitoramento de pragas, gerenciar as janelas de aplicação para evitar a resistência e, ao mesmo tempo, controlar os custos com defensivos são tarefas complexas. Um software de gestão agrícola como o Aegro simplifica esse processo, permitindo que você registre os dados do monitoramento direto do campo pelo celular. Com isso, fica mais fácil planejar as pulverizações no momento certo, rotacionar os produtos corretamente e acompanhar o custo de cada aplicação, garantindo que seu manejo seja não apenas eficaz, mas também lucrativo.
Quer transformar esse plano de 7 passos em uma rotina organizada e eficiente?
Experimente o Aegro gratuitamente e tenha o controle total do manejo de pragas na palma da sua mão.
Perguntas Frequentes
Usar milho com tecnologia Bt me isenta de monitorar a lagarta-do-cartucho?
Não. Embora o milho Bt seja uma ferramenta crucial, o monitoramento contínuo é indispensável. Com o tempo, populações de lagartas podem desenvolver resistência à tecnologia, tornando-a menos eficaz. O monitoramento permite identificar falhas de controle precocemente e decidir o momento certo para uma aplicação complementar de inseticida, garantindo a proteção da lavoura.
Qual é o erro mais comum no controle químico da lagarta-do-cartucho?
O erro mais comum é a aplicação tardia, quando as lagartas já estão grandes (em ínstares avançados) e abrigadas dentro do cartucho do milho. Nessa fase, elas são mais resistentes e o produto tem dificuldade em atingi-las. O controle é mais eficaz quando realizado nos estágios iniciais, ao observar os primeiros sinais de ‘raspagem’ nas folhas, pois as lagartas estão mais expostas e vulneráveis.
Além da cultura do milho, a lagarta-do-cartucho ataca outras plantas?
Sim, a lagarta-do-cartucho é uma praga polífaga, ou seja, alimenta-se de diversas espécies de plantas. Além do milho, ela causa danos significativos em culturas como soja, algodão, sorgo e arroz. Por isso, o manejo de plantas daninhas na entressafra é fundamental, pois elas podem servir de hospedeiras e manter a população da praga na área.
O que exatamente significa a ‘janela de aplicação’ para evitar a resistência?
A ‘janela de aplicação’ é uma estratégia que limita o uso de inseticidas com o mesmo modo de ação a um período específico, geralmente 30 dias. Após essa janela, o produtor deve rotacionar para um produto de um grupo químico diferente. Essa prática quebra o ciclo de seleção de indivíduos resistentes, preservando a eficácia dos defensivos a longo prazo.
Por que a lagarta-do-cartucho é mais problemática em períodos de seca?
A seca favorece a lagarta-do-cartucho por duas razões principais. Primeiro, a ausência de chuvas reduz a mortalidade natural da praga, principalmente por fungos que se desenvolvem em ambientes úmidos. Segundo, as plantas de milho ficam estressadas pela falta de água, tornando-se mais suscetíveis e com menor capacidade de se recuperar dos danos causados pela praga.
O controle biológico pode substituir completamente os inseticidas químicos?
Em muitos casos, o objetivo não é a substituição total, mas a integração inteligente das duas ferramentas. O controle biológico é um pilar do Manejo Integrado de Pragas (MIP), reduzindo a dependência de químicos e promovendo um ambiente mais equilibrado. Em situações de alta infestação, o controle químico pode ser necessário, mas o uso combinado das estratégias oferece um manejo mais sustentável e eficaz.
Artigos Relevantes
- Lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda): como livrar sua lavoura dessa praga: Este artigo serve como a base biológica que aprofunda o conhecimento sobre a praga. Enquanto o artigo principal é um guia prático focado no milho, este detalha o ciclo de vida completo da lagarta com imagens (ovo, larva, pupa, adulto) e amplia o escopo para outras culturas, o que é vital para o planejamento de rotação. Ele responde à pergunta fundamental ‘quem é o inimigo?’ de forma completa, complementando o passo 1 do guia principal.
- Lagarta-do-cartucho do milho: Controle eficiente com as táticas do MIP: Este conteúdo aprofunda a filosofia do Manejo Integrado de Pragas (MIP), um conceito central no artigo principal. Ele explica o ‘porquê’ por trás das táticas, demonstrando os erros de uma abordagem baseada apenas em inseticidas e detalhando os pilares do MIP. Oferece a base estratégica que justifica as ações práticas recomendadas no guia de 7 passos, mudando a mentalidade do produtor para um manejo mais sustentável.
- Como fazer o controle Spodoptera frugiperda na sua lavoura de milho: Este artigo é o complemento operacional perfeito, pois transforma as diretrizes do artigo principal em ações táticas. Ele especifica os detalhes práticos do monitoramento (ex: ‘verificar 20 plantas em 5 pontos’) e do controle químico, incluindo quais ingredientes ativos já apresentam resistência. Agrega um valor imenso ao fornecer o ‘como fazer’ detalhado para os passos 4, 5 e 6 do guia principal.
- As tecnologias que você precisa saber para controlar “Spodoptera frugiperda”: Este artigo expande o arsenal do produtor ao focar em tecnologias de controle avançadas e alternativas não abordadas no guia principal. Ele detalha o uso de drones, aplicação em taxa variável e ferramentas nutricionais (silício, fosfitos) e biológicas (Beauveria bassiana). Funciona como um guia de ‘próximos passos’ para quem já domina o básico e busca inovações para otimizar o manejo.
- Como melhorar a aplicação de defensivos para pragas do milho: Enquanto o artigo principal foca em ‘o que’ aplicar, este se concentra em ‘como’ aplicar corretamente. Ele aborda os aspectos técnicos cruciais da pulverização, como condições climáticas ideais, rotação de grupos químicos e manejo específico para áreas Bt e de refúgio. É o manual de boas práticas que garante a eficácia do controle químico sugerido no passo 5, evitando desperdício e deriva.