Lagarta-do-Cartucho no Milho: Guia de Manejo Integrado e Controle Eficaz

Engenheira agrônoma, mestre e doutora em Ciências/Entomologia. Atualmente na gestão acadêmica do SolloAgro.
Lagarta-do-Cartucho no Milho: Guia de Manejo Integrado e Controle Eficaz

Pense na sua lavoura como a sua saúde. Você prefere tomar um remédio forte sem precisar ou usá-lo apenas quando é realmente necessário? A maioria escolheria a segunda opção. E o ideal, claro, seria prevenir a doença desde o início. Esse mesmo raciocínio se aplica perfeitamente ao manejo de uma plantação.

No campo, a “doença” pode ser qualquer coisa que cause perdas significativas, especialmente a infestação de pragas. Entre as mais preocupantes está a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), um inseto com alto poder de destruição, principalmente na cultura do milho.

Felizmente, existem estratégias eficientes para combatê-la. A seguir, vamos detalhar táticas simples e eficazes que você pode aplicar para controlar a lagarta-do-cartucho, focando no Manejo Integrado de Pragas (MIP).

Por que o ataque da lagarta-do-cartucho causa tantas perdas?

As perdas de produtividade acontecem, em grande parte, pelo ataque de insetos polífagos.

Insetos polífagos: significa que se alimentam de muitas espécies de plantas diferentes, não se restringindo a apenas uma cultura.

A lagarta-do-cartucho do milho, também conhecida como lagarta militar (Spodoptera frugiperda), é um dos melhores exemplos desse tipo de praga. Ela é capaz de atacar cerca de 100 espécies de plantas diferentes, adaptando-se a diversos sistemas de produção.

Além da sua versatilidade, ela causa danos em múltiplos estágios de desenvolvimento da cultura. Seus ataques podem ocorrer:

  • Nas plântulas: com um hábito de corte semelhante ao da lagarta rosca.
  • No cartucho do milho: onde se aloja e se alimenta, causando o dano mais característico.
  • Nas espigas: comprometendo diretamente os grãos e a qualidade da produção.
  • Na base da planta: onde pode perfurar o colmo, causando o sintoma de “coração morto”.

uma fotografia em close-up de uma lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) alojada no cartucho de uma plant Lagarta-do-cartucho do milho (Spodoptera frugiperda) (Fonte: EPPO)

Para enfrentar uma praga tão agressiva, a melhor estratégia é usar várias táticas em conjunto, evitando a dependência excessiva do “remédio”, que, no nosso caso, são as aplicações constantes de inseticidas sem um planejamento adequado.

Essas táticas fazem parte do Manejo Integrado de Pragas (MIP), um sistema que vamos entender melhor agora.

close-up detalhado de uma lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) se alimentando diretamente de uma esp (Fonte: Cabi)

Manejo Integrado de Pragas para a lagarta-do-cartucho do milho

A lagarta-do-cartucho é uma praga que, se não for controlada de forma inteligente, atinge rapidamente o nível de dano econômico. Ela é a principal praga do milho, mas, por ser polífaga, também ataca diversas outras culturas.

Seu sucesso se deve a duas características principais: alto potencial reprodutivo e ciclo curto. O período como lagarta dura de 12 a 30 dias, o que permite a ocorrência de várias gerações ao longo de um único ano.

O clima tropical do Brasil agrava a situação, pois possibilita cultivos sucessivos de milho, soja, feijão e sorgo durante todo o ano. Isso garante que a praga tenha alimento disponível constantemente, o que contribui para sua estabilidade na lavoura.

Nas lavouras de milho, ela causa danos em todos os estágios fenológicos da planta.

Estágios fenológicos: significa as diferentes fases de desenvolvimento da planta, do plantio à colheita.

Se o controle químico for o único método utilizado, os resultados podem ser o oposto do esperado. Vamos ver um exemplo prático para entender melhor.

Um Erro Comum: Por que Apenas o Inseticida Não Funciona?

Imagine o seguinte cenário: você plantou alguns hectares de milho convencional e, logo no início, no estágio fenológico V3, percebeu a presença de algumas lagartas na lavoura.

Preocupado, você decide aplicar um inseticida de amplo espectro e persistente, sem antes fazer qualquer tipo de monitoramento para avaliar a real necessidade.

Algum tempo depois, você nota que as lagartas continuam presentes e aplica o mesmo inseticida novamente. A situação persiste até a fase reprodutiva, e você, sem entender o que está acontecendo, aplica uma terceira dose.

Ao final do ciclo, o resultado é frustrante: a lavoura está infestada, e quase todas as espigas apresentam danos da lagarta-do-cartucho.

Nesse caso, dois grandes erros de manejo foram cometidos.

Erro 1: Não Realizar o Monitoramento da Praga

A primeira ação ao detectar uma praga não deve ser a aplicação, mas sim o monitoramento. É essa avaliação que vai guiar a tomada de decisão.

Existem duas formas principais de monitorar a lagarta-do-cartucho:

  1. Armadilhas de Feromônio: Instale uma armadilha do tipo delta por hectare, contendo uma pastilha de feromônio sexual que atrai os machos adultos (mariposas). O controle deve ser iniciado quando 3 ou mais adultos forem capturados por armadilha.

    uma armadilha do tipo delta, um instrumento amplamente utilizado na agricultura para o monitoramento de pragas (Foto: Thaís Matioli)

  2. Amostragem de Campo: Caminhe pela lavoura em um padrão de zigue-zague ou pelas bordas, inspecionando as plantas. O nível de dano é medido usando a Escala de Davis. A decisão de controlar deve ser tomada quando for detectado 20% de plantas atacadas com nota igual ou maior que 3 na escala.

    Este infográfico é um guia visual detalhado, conhecido como Escala Davis, que classifica o nível de dano causado pela lagarta (Fonte: Davis em Pionner)

Erro 2: Uso Inadequado do Inseticida

O uso excessivo e sem critério de inseticidas gera consequências graves, como a pressão de seleção.

Pressão de seleção: significa que o veneno mata os insetos mais fracos, mas deixa vivos aqueles que, por acaso, têm alguma resistência natural. Com aplicações repetidas do mesmo produto, só sobram os resistentes, e o inseticida perde a eficácia.

Ao usar sempre o mesmo inseticida de amplo espectro, você selecionou as lagartas que já possuíam alguma genética resistente. Elas sobreviveram, se reproduziram e, com o tempo, a população inteira se tornou resistente, tornando o controle quase impossível com aquele produto.

Além disso, um inseticida de amplo espectro e alta persistência não mata apenas a praga. Ele também elimina insetos que não são alvo, incluindo os inimigos naturais.

Inimigos naturais: são insetos benéficos, como predadores e parasitoides, que ajudam a controlar a população de pragas de forma natural.

Ao reduzir a população de inimigos naturais, você removeu um controle biológico que já existia na área, o que permitiu que a população da praga aumentasse ainda mais, sem predadores para contê-la.

As Táticas Corretas: Como Aplicar o Manejo Integrado de Pragas (MIP)

O MIP é uma estrutura de manejo baseada em 4 bases e 6 pilares, aplicável a qualquer cultura.

As 4 bases do MIP são:

  • Identificação correta das espécies (pragas e inimigos naturais).
  • Monitoramento constante da lavoura.
  • Definição de níveis de controle (quando agir).
  • Análise das condições ambientais.

Os 6 pilares são as táticas de controle que se complementam:

  • Controle cultural (rotação de culturas, manejo de restos culturais).
  • Uso de agentes de controle biológico.
  • Controle comportamental (uso de feromônios).
  • Controle genético (tecnologia Bt).
  • Controle varietal (uso de variedades resistentes).
  • Controle químico (aplicação de defensivos de forma racional).

infográfico que ilustra de forma didática os componentes do Manejo Integrado de Pragas (MIP). Utilizando a metá Para saber mais sobre MIP leia este artigo aqui*:*Tudo o que você precisa saber sobre Manejo Integrado de Pragas

Para culturas como soja e milho, onde a lagarta-do-cartucho causa grandes danos, o manejo deve começar com a base do MIP. Antes de plantar, conheça o histórico da área: qual foi o cultivo anterior e se já houve infestações.

Se a praga já esteve presente, inicie com o controle cultural, como o tratamento de sementes e a eliminação de restos culturais. Em seguida, monitore a lavoura desde o início para tomar decisões baseadas em dados.

O uso de variedades resistentes, a tecnologia Bt (Bacillus thuringiensis), agentes de controle biológico e o controle comportamental são ferramentas que devem ser usadas em conjunto para reduzir a população da praga.

Perceba que a aplicação de inseticidas é um dos últimos recursos, não a primeira opção!

Como fazer o controle químico eficiente da lagarta-do-cartucho do milho

Quando o controle químico for necessário, é fundamental usar inseticidas seletivos.

Inseticidas seletivos: são produtos que atingem a praga-alvo, mas causam pouco ou nenhum dano aos insetos não-alvo, como os inimigos naturais.

Muitos insetos benéficos, como predadores e parasitoides, contribuem para a redução da lagarta-do-cartucho. Alguns exemplos importantes são:

  • Tesourinha (Dorus luteipes)
  • Joaninhas (Harmonia axyridis e Coleomegilla maculata)
  • Parasitoide de ovos (Trichogramma pretiosum)

Inseticidas de amplo espectro, como os dos grupos químicos piretroides e neonicotinoides, geralmente agem no sistema nervoso dos insetos. Como esse sistema é comum a muitas espécies, eles acabam matando tanto as pragas quanto os inimigos naturais. Por isso, sempre que possível, dê preferência a produtos de outros grupos químicos que sejam mais seletivos.

Abaixo, um exemplo de como identificar o grupo químico na bula do inseticida.

recorte da seção ‘COMPOSIÇÃO’ da bula de um defensivo agrícola, especificamente um inseticida. O texto, em Planilha MIP para download grátis

Conclusão

A lagarta-do-cartucho é uma das pragas mais desafiadoras para as culturas de milho e soja, com potencial para causar perdas severas se não for manejada corretamente.

Como vimos, o manejo adequado vai muito além da simples aplicação de inseticidas. Ele se baseia em um conjunto de táticas integradas, onde o monitoramento é a peça fundamental para um controle eficiente e sustentável.

Ao aplicar os princípios do MIP, você protege sua lavoura de forma mais inteligente, reduz custos e garante uma produção mais segura e rentável. Aproveite as dicas e tenha uma boa safra


Glossário

  • Escala de Davis: Método visual para classificar o nível de dano que a lagarta-do-cartucho causa nas folhas do milho. A escala, que vai de 1 a 9, ajuda o agricultor a determinar o momento exato para iniciar o controle.

  • Estágios fenológicos: As diferentes fases de desenvolvimento de uma planta, desde a germinação até a maturação dos grãos. Identificar o estágio correto (ex: V3, quando a planta tem 3 folhas) é crucial para definir a melhor tática de manejo.

  • Inimigos naturais: Organismos que ajudam a controlar pragas de forma biológica, como predadores (joaninhas, tesourinhas) e parasitoides (pequenas vespas). A preservação desses aliados é um pilar fundamental do MIP.

  • Insetos polífagos: Insetos que se alimentam de muitas espécies de plantas diferentes, não se restringindo a uma única cultura. A lagarta-do-cartucho é um exemplo clássico, pois ataca milho, soja, algodão e sorgo.

  • Manejo Integrado de Pragas (MIP): Uma estratégia de controle que combina diversas táticas (biológicas, culturais, químicas) de forma inteligente. O objetivo é manter as pragas abaixo do nível de dano econômico, usando inseticidas como último recurso.

  • Pressão de seleção: Fenômeno que ocorre quando o uso repetido de um mesmo inseticida elimina os indivíduos mais fracos de uma praga, favorecendo a sobrevivência e reprodução dos que são naturalmente resistentes. Com o tempo, o inseticida perde sua eficácia.

  • Spodoptera frugiperda: Nome científico da praga popularmente conhecida como lagarta-do-cartucho. É uma das mariposas cujas larvas causam os maiores prejuízos em diversas culturas agrícolas nas Américas.

  • Tecnologia Bt: Refere-se a plantas, como o milho Bt, que foram geneticamente modificadas para produzir uma proteína da bactéria Bacillus thuringiensis. Essa proteína atua como um inseticida natural, matando a lagarta quando ela se alimenta da planta.

Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios

O monitoramento constante, como vimos, é a peça-chave para o sucesso do Manejo Integrado de Pragas (MIP). No entanto, registrar manualmente as contagens das armadilhas e as notas da Escala de Davis pode ser trabalhoso e levar a perdas de informação. Um software de gestão agrícola como o Aegro resolve esse problema ao permitir que você registre todos os dados do monitoramento diretamente no celular, no campo. Isso cria um histórico preciso da infestação, facilitando a tomada de decisão sobre quando e como aplicar o controle químico, evitando gastos desnecessários com defensivos e protegendo a rentabilidade da sua lavoura.

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Perguntas Frequentes

Qual é o momento exato para aplicar um inseticida contra a lagarta-do-cartucho no milho?

A aplicação não deve ser feita ao primeiro sinal da praga, mas sim baseada em monitoramento. O controle químico é recomendado quando o monitoramento indica 20% de plantas com nota igual ou superior a 3 na Escala de Davis, ou quando as armadilhas de feromônio capturam 3 ou mais mariposas adultas por armadilha.

Qual a principal diferença entre um inseticida seletivo e um de amplo espectro?

Inseticidas seletivos são projetados para atingir a praga-alvo, como a lagarta-do-cartucho, com mínimo impacto sobre outros organismos. Já os de amplo espectro eliminam uma vasta gama de insetos, incluindo os inimigos naturais (predadores e parasitoides) que ajudam a controlar a praga, o que pode agravar a infestação a longo prazo.

O uso de milho com tecnologia Bt dispensa o monitoramento da lagarta-do-cartucho?

Não. Embora a tecnologia Bt seja uma ferramenta poderosa, populações de lagarta-do-cartucho podem desenvolver resistência a ela. Portanto, o monitoramento contínuo da lavoura continua sendo fundamental para avaliar a eficácia da tecnologia e decidir sobre a necessidade de aplicar outras táticas de controle do MIP.

Por que aplicar o mesmo inseticida repetidamente pode parar de funcionar?

Isso ocorre devido à pressão de seleção. O uso contínuo de um mesmo produto mata os insetos suscetíveis, mas permite que os indivíduos naturalmente resistentes sobrevivam e se reproduzam. Com o tempo, a população inteira se torna resistente, e o inseticida perde sua eficácia.

Além do milho, quais outras culturas importantes a lagarta-do-cartucho ataca?

A lagarta-do-cartucho é um inseto polífago, ou seja, alimenta-se de diversas plantas. Além de ser a principal praga do milho, ela causa danos significativos em culturas como soja, algodão, sorgo, feijão, arroz e diversas hortaliças, o que a torna um desafio em múltiplos sistemas de produção.

Como os inimigos naturais ajudam no controle da lagarta-do-cartucho?

Inimigos naturais são insetos benéficos que atuam como agentes de controle biológico. Predadores como a tesourinha e a joaninha se alimentam das lagartas, enquanto parasitoides como a vespinha Trichogramma depositam seus ovos nos ovos da praga, impedindo seu desenvolvimento. Preservá-los é uma tática chave do MIP.

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