O serviço de meteorologia da Austrália confirmou: o fenômeno La Niña já está estabelecido. Mas o que isso significa na prática para a sua lavoura?
O La Niña acontece quando as águas do Oceano Pacífico esfriam mais do que o normal, alterando os padrões de chuva e temperatura em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Os efeitos podem ser sérios. Em 2012, por exemplo, a La Niña contribuiu para uma perda de 48% na produção de milho e 24,8% na de soja em Santa Catarina.
(Fonte: Noticiais agrícolas, Foto: The Climate Prediction Center/NOAA)
As previsões mais recentes do IRI/CPC também apontam para o resfriamento das águas, indicando que o fenômeno deve continuar até março de 2018, seguido por um período de neutralidade, ou seja, sem a influência de grandes fenômenos climáticos.
Ainda não sabe exatamente como isso vai afetar sua fazenda ou como se preparar?
Continue lendo para conhecer 6 cuidados fundamentais para planejar a safra e proteger sua produção durante a La Niña.
1. Entenda o Impacto da La Niña na Sua Região
O primeiro passo é saber que esse fenômeno age de formas diferentes em cada parte do Brasil. Conhecer o efeito específico na sua região é crucial para tomar as decisões certas e minimizar prejuízos.
Os mapas abaixo mostram os impactos esperados em diferentes épocas do ano:
(Fonte: CPTEC)
Região Sul: A principal consequência é a falta de chuvas, com risco de estiagem, especialmente nos meses de inverno (junho, julho e agosto).
Chuvas em Passo Fundo (RS) em diferentes condições (Fonte: Cunha et al. 2011 em Embrapa)
Região Nordeste: O cenário é oposto, com intensificação das chuvas. Em alguns casos, isso pode até favorecer a agricultura local, mas exige atenção.
Chuvas em Afogados da Ingazeira (PE) em diferentes condições (Fonte: Cunha et al. 2011 em Embrapa)
Região Centro-Oeste: Não há previsão de grandes impactos, mas existe uma tendência de maior ocorrência de períodos de estiagem.
Região Sudeste: Por ser uma área de transição, é mais difícil prever mudanças climáticas com clareza.
A boa notícia é que a previsão indica uma La Niña de intensidade fraca a moderada, o que significa que os impactos não devem ser tão severos como os de 2012. Mesmo assim, é fundamental se preparar.
2. Ajuste a Estratégia de Semeadura
A semeadura é um momento crítico e exige um planejamento cuidadoso para lidar com as condições impostas pela La Niña.
](https://conhecimento.aegro.com.br/checklist-planejamento-agricola)
Para a Região Nordeste (Previsão de Mais Chuva)
Embora a chuva seja bem-vinda, o excesso pode atrapalhar. A chave é estar pronto para aproveitar as janelas de tempo seco.
- Maquinário a Postos: Deixe semeadoras e tratores revisados, limpos e regulados. Faça reparos e trocas de peças com antecedência.
- Insumos na Mão: Tenha todas as sementes, fertilizantes e outros insumos necessários já na fazenda, prontos para uso imediato.
- Planeje o Início: Programe-se para semear logo no início do período recomendado. Isso aumenta suas chances de encontrar dias com condições ideais de solo.
Atenção: Evite semear com o solo encharcado. Isso causa compactação, que destrói a estrutura do solo e prejudica o desenvolvimento das raízes.
Raízes de milho em solo compactado (esquerda) e sem compactação (direita).
(Fonte: McLaughlin et al. em Farm West)
Para a Região Sul (Previsão de Menos Chuva)
Aqui, o objetivo é otimizar o uso da pouca água disponível.
- Controle a Densidade: Não use espaçamentos muito reduzidos nem uma população de plantas muito alta. Em condições de seca, uma alta densidade aumenta a competição por água entre as plantas, piorando o estresse hídrico.
- Escalone a Semeadura: Plante em etapas, utilizando cultivares de ciclos diferentes (precoce, médio e tardio). Isso evita que toda a lavoura precise de água ao mesmo tempo, distribuindo a demanda ao longo do tempo.
- Otimize a Irrigação: Se você utiliza irrigação, o escalonamento também ajuda a manejar melhor o uso da água, evitando picos de consumo que podem esgotar suas fontes em períodos de seca.
- Mínima Mobilização do Solo: Revolva o solo o mínimo possível durante o preparo. A mobilização excessiva aumenta a evaporação, fazendo você perder a umidade valiosa que já está no solo.
- Semeadura um Pouco Mais Profunda: Plantar as sementes um pouco mais fundo pode incentivar as raízes a crescerem para baixo, explorando um volume maior de solo e buscando água em camadas mais profundas.
(Fonte: Foto Giulia Perachi/RBS TV em G1)
3. Escolha a Cultivar Certa para Cada Cenário
A escolha da semente é uma das decisões mais importantes. Ela precisa estar alinhada com o clima esperado.
Para Regiões com Excesso de Chuva (Nordeste)
O ambiente úmido favorece a proliferação de doenças.
- Resistência a Doenças: Opte por cultivares resistentes às principais doenças fúngicas da sua região, como a ferrugem asiática na soja.
- Sanidade das Sementes: Invista em sementes de alta qualidade e realize o tratamento de sementes. A alta umidade favorece pragas e patógenos de solo.
- Evite o Acamamento: Escolha cultivares que não sejam suscetíveis ao acamamento (quando as plantas tombam). O excesso de água pode enfraquecer o sistema radicular, facilitando esse problema.
- Rotação de Culturas: Pratique a rotação de culturas para quebrar o ciclo de pragas e doenças no solo.
Ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi) na cultura da soja.
(Fonte: Nordeste Rural)
A escolha genética da cultivar é uma das estratégias do Manejo Integrado de Pragas (MIP). Saiba mais sobre os 8 fundamentos que você ainda não aprendeu sobre MIP.
(Fonte: Pioneer)
Para Regiões com Falta de Chuva (Sul)
Aqui, a prioridade é a resiliência à seca.
- Tolerância à Seca: Dê preferência a cultivares geneticamente mais tolerantes ao estresse hídrico.
- Sistema Radicular Profundo: Busque materiais que desenvolvam um sistema radicular mais profundo e agressivo, capazes de buscar água em camadas mais baixas do solo.
- Ciclos Diferentes: Como mencionado na semeadura, use cultivares de ciclos distintos para escalonar a demanda por água.
- Alto Vigor: Utilize sementes de alto vigor. Elas germinam e estabelecem a planta mais rapidamente, o que é crucial para aproveitar a umidade inicial do solo antes que a seca se intensifique.
4. Revise o Plano de Adubação
A disponibilidade de água afeta diretamente como a planta absorve nutrientes. Por isso, a adubação precisa ser ajustada.
- Em Cenários de Excesso de Chuva: A água em excesso pode “lavar” os nutrientes do solo, especialmente o nitrogênio. Esse processo é chamado de lixiviação. Para evitar perdas, parcele a aplicação de nitrogênio em cobertura, aplicando doses menores em diferentes momentos.
- Em Cenários de Falta de Chuva: Sem água, a planta tem dificuldade para absorver os nutrientes, pois a água funciona como o “veículo” que transporta os nutrientes do solo para as raízes. Planeje a adubação com cuidado, pois aplicar grandes quantidades de fertilizante sem água suficiente para a absorção pode ser um desperdício de dinheiro.
(Fonte: Adubos e adubação)
5. Planeje a Colheita com Antecedência
Para as regiões com previsão de muita chuva, a colheita também exige agilidade e planejamento.
Deixe todo o maquinário de colheita revisado e pronto para operar. Assim que os grãos atingirem a umidade ideal para a colheita, inicie a operação o mais rápido possível. Não espere. Isso evita perdas de quantidade e qualidade causadas por chuvas frequentes durante o período de colheita.
6. Aproveite para Fazer Mudanças Estratégicas no Planejamento
A La Niña pode ser um incentivo para revisar e adotar práticas mais resilientes no seu planejamento agrícola.
- Plantio Direto: Este sistema é altamente recomendado para ambos os cenários. Ele reduz custos com preparo do solo, melhora a infiltração e o armazenamento de água (fundamental para a seca) e diminui drasticamente a erosão (essencial para excesso de chuva).
- Uso Racional da Água: Independentemente do cenário, use a água de forma consciente. Irrigue somente quando for realmente necessário, com base no monitoramento da umidade do solo e da necessidade da cultura.
- Ajuste no Manejo de Doenças: Para o Sul, que tende a ter um clima mais seco, a pressão de doenças fúngicas pode ser menor. Isso pode permitir uma redução na aplicação de defensivos agrícolas, gerando economia. Monitore a lavoura de perto.
Conclusão
A La Niña está confirmada, mas isso não significa prejuízo certo. Com um bom planejamento, é possível minimizar seus efeitos e garantir uma boa safra.
A chave está em ajustar suas estratégias de semeadura, escolha de cultivar, adubação e colheita de acordo com a previsão para a sua região.
Analise os riscos, prepare seu plano de ação e mantenha sua produção protegida, mesmo com a La Niña no radar.
Glossário
Acamamento: Refere-se ao tombamento das plantas no campo, geralmente causado por chuvas fortes, ventos ou enfraquecimento das raízes. Dificulta a colheita mecânica e pode levar a perdas de produtividade.
Compactação do solo: Processo no qual as partículas do solo são pressionadas, reduzindo os espaços porosos e dificultando a penetração de raízes, água e ar. O tráfego de máquinas em solo encharcado é uma das principais causas.
Cultivar: Uma variedade de planta desenvolvida por meio de melhoramento genético para apresentar características desejáveis, como tolerância à seca, resistência a doenças ou maior produtividade. É o equivalente a uma “raça” específica de uma cultura.
Estresse hídrico: Condição em que a planta sofre com a falta (déficit) ou o excesso de água. A falta de água, comum em períodos de estiagem, limita a fotossíntese e o desenvolvimento da lavoura.
La Niña: Fenômeno climático caracterizado pelo resfriamento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. Causa alterações nos padrões de chuva e temperatura globais, provocando secas no Sul do Brasil e mais chuvas no Nordeste.
Lixiviação: É a “lavagem” dos nutrientes do solo pela água da chuva ou da irrigação. Em regiões com chuvas excessivas, nutrientes móveis como o nitrogênio são carregados para camadas mais profundas, ficando indisponíveis para as plantas.
MIP (Manejo Integrado de Pragas): Uma abordagem estratégica que combina diferentes táticas (controle biológico, cultural, químico) para manter as pragas abaixo do nível de dano econômico. A escolha de cultivares resistentes é um dos pilares do MIP.
Plantio Direto: Sistema de cultivo que mantém a palha da cultura anterior no solo, plantando a nova safra sem a necessidade de aração ou gradagem. Ajuda a conservar a umidade do solo (crucial na seca) e a prevenir a erosão (essencial sob chuva intensa).
Sementes de alto vigor: Sementes com alta capacidade de germinar rapidamente e dar origem a plantas mais fortes, mesmo em condições de campo desfavoráveis. São importantes para garantir o bom estabelecimento inicial da lavoura em cenários de estresse.
TSM (Temperatura da Superfície do Mar): Sigla para a medição da temperatura na camada superior do oceano. É o principal indicador utilizado pelos meteorologistas para identificar e monitorar a intensidade de fenômenos como o La Niña.
Como a tecnologia pode ajudar no planejamento contra a La Niña
Lidar com a imprevisibilidade da La Niña exige um planejamento agrícola ainda mais rigoroso. Ajustar a semeadura, a adubação e o manejo de doenças em tempo real é um desafio complexo que impacta diretamente os custos e a produtividade da lavoura. Ferramentas de gestão agrícola surgem como aliadas essenciais nesse cenário. Um software como o Aegro, por exemplo, centraliza o planejamento da safra, permitindo registrar e acompanhar cada atividade no campo. Isso garante que os insumos sejam utilizados da forma mais eficiente, evitando desperdícios com fertilizantes em períodos de chuva excessiva e otimizando a aplicação de defensivos quando o clima está mais seco.
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Perguntas Frequentes
Qual a principal diferença entre os fenômenos La Niña e El Niño para o agricultor brasileiro?
De forma simples, La Niña é o resfriamento das águas do Pacífico, que tende a causar seca na Região Sul e excesso de chuvas no Nordeste. Já o El Niño é o aquecimento dessas mesmas águas, geralmente provocando o efeito inverso: mais chuvas no Sul e seca severa no Nordeste. Cada fenômeno exige um planejamento de safra completamente diferente para mitigar os riscos.
Se a previsão para a minha região é de seca por causa da La Niña, devo parar de adubar para não gastar dinheiro?
Não necessariamente parar, mas sim ajustar a estratégia. Em cenários de seca, a planta tem dificuldade em absorver nutrientes por falta de água no solo. Por isso, a recomendação é planejar a adubação com cautela, evitando aplicar grandes volumes de uma vez. O ideal é parcelar as aplicações, especialmente as de cobertura, aproveitando os poucos períodos de umidade para garantir a eficiência e não desperdiçar o fertilizante.
O plantio direto é recomendado para a seca e para o excesso de chuva. Como a mesma técnica ajuda nos dois cenários opostos?
O plantio direto é versátil por causa da palhada mantida sobre o solo. Em regiões de seca (Sul), a palha age como uma cobertura, reduzindo a evaporação e conservando a umidade do solo por mais tempo. Já em regiões com chuvas intensas (Nordeste), essa mesma cobertura protege o solo contra o impacto direto da água, diminuindo a erosão e melhorando a infiltração de forma mais controlada.
Para as culturas de soja e milho, qual é a fase mais crítica que pode ser afetada pela seca da La Niña?
O período mais sensível para ambas as culturas é a fase reprodutiva, que inclui o florescimento e o enchimento dos grãos. O estresse hídrico (falta de água) nesse estágio pode causar o abortamento de flores e vagens, resultando em grãos menores e uma queda drástica na produtividade. Escalonar o plantio é uma ótima estratégia para que nem toda a lavoura passe por essa fase crítica ao mesmo tempo.
A intensidade da La Niña (fraca, moderada ou forte) realmente muda o tipo de cuidado que devo ter?
Sim, a intensidade é um fator crucial. Uma La Niña de intensidade fraca, como a mencionada no artigo, pode ter impactos mais brandos, mas os cuidados de planejamento continuam essenciais. Já um evento de La Niña forte potencializa os riscos, tornando as estratégias como escalonamento de plantio, escolha de cultivares tolerantes e manejo da irrigação ainda mais decisivas para a viabilidade da safra.
Como posso saber qual cultivar é mais tolerante à seca ou resistente a doenças para minha região?
A melhor forma é consultar um engenheiro agrônomo ou o catálogo técnico das empresas de sementes. Eles fornecem informações detalhadas sobre o posicionamento de cada cultivar, indicando quais materiais genéticos têm melhor desempenho sob estresse hídrico ou maior resistência às doenças prevalentes na sua localidade, alinhando a escolha da semente ao cenário climático esperado.
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