No agronegócio brasileiro, o controle de pragas é um desafio constante e essencial para garantir a produtividade. Longe de ser uma questão simples, a escolha do defensivo correto pode definir o sucesso da safra. Hoje, com mais de 33 sítios de ação de inseticidas registrados, é fundamental entender como cada produto funciona para tomar a melhor decisão.
Entre as opções mais modernas e seletivas, destacam-se os inseticidas ecdisteroides. Eles são reguladores de crescimento que oferecem uma abordagem diferente e mais precisa.
Esses produtos ajudam a controlar pragas importantes com um grande benefício: causam poucos efeitos colaterais em organismos não-alvo, como os inimigos naturais.
Vamos entender em detalhes como esses compostos funcionam e como podem ser usados na sua lavoura.
O que são e como se classificam os inseticidas?
Para entender o que são os inseticidas ecdisteroides, primeiro precisamos saber como os defensivos são organizados. O Irac-Brasil (Comitê de Ação à Resistência a Inseticidas) classifica os inseticidas em cinco grandes categorias, de acordo com a sua forma de atuação no inseto:
- Ação no sistema nervoso central;
- Ação no sistema digestivo;
- Ação na respiração celular;
- Ação no crescimento e desenvolvimento;
- Compostos com modo de ação desconhecido ou incerto.
Nosso foco aqui é o quarto grupo: os que atuam no crescimento e desenvolvimento dos insetos.
Os Inseticidas Reguladores de Crescimento (IRCs)
Dentro desse grupo, encontramos os IRCs (Inseticidas Reguladores de Crescimento), que foram introduzidos no mercado na década de 1970. Eles funcionam de maneira mais sutil, interferindo nos processos biológicos que permitem que o inseto jovem cresça e se torne um adulto.
Os IRCs são divididos em três subgrupos, cada um com um alvo específico:
- Mímicos do hormônio juvenil: Imitam um hormônio que impede o inseto de se tornar adulto.
- Inibidores da biossíntese de quitina: Impedem a formação correta do exoesqueleto (“casca”) do inseto.
- Agonistas dos receptores de ecdisteroides: Ativam de forma descontrolada o processo de muda do inseto.
Os inseticidas ecdisteroides pertencem a este último subgrupo. Eles são altamente seletivos, o que significa que agem de forma eficaz contra as pragas-alvo sem prejudicar os organismos benéficos, como joaninhas e outros predadores naturais.
Sua principal forma de ação ocorre quando a praga ingere a planta tratada. É importante notar que esses inseticidas não têm ação de choque, ou seja, o efeito não é imediato como em produtos de amplo espectro. No entanto, isso é uma vantagem, pois indica um modo de ação específico e mais seguro para o ecossistema da lavoura.
Como Funciona a Ação dos Inseticidas Ecdisteroides
Para entender como o inseticida funciona, primeiro precisamos entender o processo natural que ele interrompe: a muda do inseto.
O Processo Natural da Muda (Ecdise)
Durante sua fase jovem (lagarta), o inseto cresce, mas seu exoesqueleto (a “casca” externa) não. Em certo ponto, essa casca fica apertada, e o inseto precisa trocá-la por uma nova e maior. Esse processo é chamado de muda ou ecdise.
O Sinal para Mudar: A muda é iniciada por um hormônio chamado 20-hidroxiecdisona, o hormônio natural da muda. Ele age como um interruptor, sinalizando para as células da epiderme que é hora de começar a produzir um novo exoesqueleto.
Células da epiderme do inseto sendo estimuladas pelo hormônio 20-hidroxiecdisona para iniciar o processo de muda. (Fonte: Larry Keeley)
Formação da Nova Casca: Após o sinal, as células começam a se multiplicar e a formar uma nova cutícula, maior e mais flexível, por baixo da antiga.
Descarte da Casca Velha: A cutícula antiga, chamada de exúvia, se solta do corpo do inseto. Finalmente, o inseto se livra da exúvia e emerge com seu novo exoesqueleto, que então endurece.
Esquema mostrando o momento exato em que o inseto realiza a ecdise, trocando seu exoesqueleto antigo por um novo. (Fonte: Larry Keeley)
A Intervenção do Inseticida
O inseticida ecdisteroide, que pertence ao subgrupo químico das diacilhidrazinas, age como um “impostor”. Ele imita o hormônio da muda (20-hidroxiecdisona) e se liga aos receptores das células do inseto.
O resultado é um desastre para a praga:
- Muda Fora de Hora: O inseticida engana o organismo da lagarta, fazendo-a iniciar um processo de muda prematuro e forçado.
- Parada da Alimentação: Assim que o composto começa a agir, a larva entra em inanição, ou seja, para completamente de se alimentar. O dano à sua lavoura cessa nesse momento.
- Morte por Deformidade: Como a muda foi acionada artificialmente, o novo exoesqueleto é formado de maneira defeituosa. A lagarta não consegue se livrar da casca antiga corretamente, fica deformada e morre em até 24 horas.
Apesar de ser considerado de ação “lenta” por não matar instantaneamente, o processo todo é rápido e, o mais importante, altamente específico. Por essa segurança e seletividade, os ecdisteroides são fortemente recomendados para programas de MIP (Manejo Integrado de Pragas).
Quais as Principais Pragas Controladas?
Esses inseticidas são especialmente eficazes contra lepidópteros-praga (lagartas) em diversas culturas de grande importância econômica, como algodão, cana-de-açúcar, citros, eucalipto, milho e soja.
Veja alguns exemplos de alvos controlados pelo grupo das diacilhidrazinas:
- Algodão
- Curuquerê-do-algodoeiro (Alabama argillacea)
- Lagarta-das-maçãs (Chloridea virescens)
- Cana-de-açúcar
- Broca-da-cana (Diatraea saccharalis)
- Citros
- Larva-minadora-das-folhas (Phyllocnistis citrella)
- Bicho-furão (Ecdytolopha aurantiana)
- Eucalipto
- Lagarta-de-cor-parda (Thyrinteina arnobia)
- Milho
- Lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda)
- Soja
- Lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis)
- Lagarta-falsa-medideira (Chrysodeixis includens)
- Lagarta Helicoverpa (Helicoverpa armigera)
Produtos com Ecdisteroides Disponíveis no Mercado
De acordo com o Irac, existem quatro ingredientes ativos no grupo das diacilhidrazinas. No Brasil, três deles estão registrados no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento): cromafenozida, metoxifenozida e tebufenozida.
Consulta dos ingredientes ativos do grupo das diacilhidrazinas registrados no sistema Agrofit/MAPA. (Fonte: Agrofit)
Vamos ver os produtos comerciais de cada um:
Cromafenozida
Atualmente, existem dois produtos registrados com este ingrediente ativo, ambos da Iharabras: Ciclone e Matric.
Produtos à base de cromafenozida registrados no Brasil. (Fonte: Agrofit)
Metoxifenozida
Este ingrediente ativo está presente em 6 produtos comerciais de diferentes empresas, incluindo Fidele, Intrepid Edge, Intrepid 240 SC, Revolux, Masterole e Tecal 240 SC.
Produtos à base de metoxifenozida registrados no Brasil. (Fonte: Agrofit)
Tebufenozida
Há um único produto registrado com este princípio ativo, o Mimic 240 SC, da empresa Iharabras S.A.
Produto à base de tebufenozida registrado no Brasil. (Fonte: Agrofit)
Lembre-se que cada ingrediente ativo e produto comercial tem suas próprias recomendações de dose e alvos principais. É fundamental ler a bula com atenção e sempre seguir a orientação de um(a) engenheiro(a)-agrônomo(a).
Conclusão
Os inseticidas ecdisteroides representam uma ferramenta valiosa e moderna para o manejo de pragas. Como vimos, eles atuam como Reguladores de Crescimento (IRCs), focando em um processo biológico específico das lagartas.
Os pontos principais a serem lembrados são:
- Ação Seletiva: Eles agem imitando o hormônio da muda, forçando as lagartas a um processo prematuro e fatal, com baixo impacto sobre inimigos naturais.
- Parada Imediata do Dano: Embora a morte não seja instantânea, a praga para de se alimentar logo após a ingestão do produto.
- Ideal para MIP: Sua especificidade os torna perfeitos para programas de Manejo Integrado de Pragas.
- Opções no Mercado: Existem 9 produtos comerciais registrados no Brasil, baseados nos ingredientes ativos cromafenozida, metoxifenozida e tebufenozida.
Ao entender como essa tecnologia funciona, você pode tomar decisões mais estratégicas, protegendo sua lavoura de forma eficiente e mais sustentável.
Referência
NATION SR, James L. Insect physiology and biochemistry. CRC press, 2015.
Glossário
Diacilhidrazinas: Subgrupo químico de inseticidas que imitam o hormônio natural da muda dos insetos. Eles ativam o processo de troca de exoesqueleto prematuramente, levando a praga à morte.
Ecdise (ou Muda): Processo biológico natural pelo qual os insetos trocam seu exoesqueleto rígido (a “casca”) para poderem crescer. Este processo é controlado por hormônios e é o alvo principal dos inseticidas ecdisteroides.
Exúvia: Nome técnico dado ao exoesqueleto antigo que é descartado pelo inseto durante o processo de ecdise (muda). É a “pele” vazia que se encontra em plantas após a troca.
IRCs (Inseticidas Reguladores de Crescimento): Classe de defensivos que não matam as pragas por ação de choque, mas interferem em seus processos biológicos vitais, como crescimento e desenvolvimento. Eles são mais seletivos e seguros para inimigos naturais.
Lepidópteros-praga: Ordem de insetos que inclui borboletas e mariposas. No contexto agrícola, o termo se refere principalmente à sua fase larval (as lagartas), que são algumas das pragas mais destrutivas para culturas como soja, milho e algodão.
MIP (Manejo Integrado de Pragas): Estratégia de controle que combina diferentes táticas (biológicas, culturais, químicas) de forma sustentável para manter as pragas em níveis que não causem dano econômico. Privilegia o uso de produtos seletivos.
Sítios de ação de inseticidas: Refere-se ao local ou processo bioquímico específico no organismo da praga que um inseticida afeta. A classificação por sítio de ação é crucial para rotacionar produtos e evitar o desenvolvimento de resistência.
Como otimizar o uso de inseticidas na sua fazenda
Adotar inseticidas seletivos como os ecdisteroides é um passo fundamental para um Manejo Integrado de Pragas (MIP) eficiente. No entanto, o sucesso dessa estratégia depende de um planejamento cuidadoso e do registro preciso das atividades. Anotar em cadernos ou planilhas o monitoramento de pragas, as datas de aplicação e os produtos utilizados pode ser complexo e gerar falhas. Para resolver isso, um software de gestão agrícola como o Aegro permite centralizar todas as informações, agendando aplicações e registrando o histórico de cada talhão de forma simples e visual.
Além do controle agronômico, a decisão sobre qual defensivo usar passa pela análise de custos. Saber exatamente quanto custou a aplicação por hectare e cruzar essa informação com a produtividade da safra é o que permite avaliar se o investimento em uma tecnologia mais moderna valeu a pena. O Aegro automatiza esse cálculo, ajudando o produtor a tomar decisões baseadas em dados concretos, otimizando o orçamento para os próximos ciclos e garantindo maior lucratividade.
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Perguntas Frequentes
Por que os inseticidas ecdisteroides não têm ‘ação de choque’ como outros produtos?
A ausência da ‘ação de choque’ é uma característica positiva, indicando alta seletividade. Logo após ingerir o produto, a lagarta para de se alimentar, cessando imediatamente o dano à lavoura. A morte ocorre em até 24 horas por uma falha no processo de muda, o que demonstra uma ação específica contra a praga-alvo, preservando inimigos naturais.
O que significa na prática um inseticida ser ‘seletivo’ e qual a vantagem disso?
Na prática, um inseticida seletivo atinge principalmente a praga-alvo (neste caso, as lagartas) com impacto mínimo ou nulo em outros organismos. A grande vantagem é a preservação dos inimigos naturais, como joaninhas e vespas parasitoides, que são aliados no controle biológico de pragas e ajudam a manter o equilíbrio do ecossistema da lavoura.
Qual o melhor momento para aplicar um inseticida regulador de crescimento como os ecdisteroides?
O momento ideal de aplicação é no início da infestação, visando as lagartas em seus primeiros estágios de desenvolvimento (primeiros ínstares). Lagartas mais jovens são mais suscetíveis e se alimentam ativamente, garantindo uma ingestão mais rápida do produto. A aplicação precoce maximiza a eficácia e impede que os danos à cultura se tornem severos.
Os inseticidas ecdisteroides funcionam contra ovos ou insetos adultos?
Não, o modo de ação deles é específico para interromper o processo de muda (ecdise). Por isso, são eficazes exclusivamente contra as fases jovens (lagartas), que trocam de exoesqueleto várias vezes para crescer. Eles não têm efeito sobre ovos nem sobre os insetos adultos (mariposas), que já completaram seu desenvolvimento.
Por que estes inseticidas são tão recomendados para o Manejo Integrado de Pragas (MIP)?
Eles são ideais para o MIP por dois motivos principais. Primeiro, sua alta seletividade preserva os inimigos naturais, um pilar do controle biológico. Segundo, seu modo de ação único (Grupo 18 do IRAC) os torna uma excelente ferramenta para a rotação de ingredientes ativos, estratégia essencial para prevenir e manejar a resistência das pragas aos defensivos.
Posso misturar inseticidas ecdisteroides com outros defensivos no tanque de pulverização?
Geralmente sim, mas a compatibilidade deve ser sempre verificada. Por serem ferramentas importantes no MIP, sua mistura com outros inseticidas, fungicidas ou fertilizantes foliares pode ser viável. É fundamental, no entanto, consultar a bula do produto e a orientação de um engenheiro agrônomo para garantir a compatibilidade da calda, evitando perda de eficácia ou fitotoxicidade.
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