Muitas vezes, os maiores aliados do produtor rural na lavoura trabalham de graça e passam despercebidos. Estamos falando dos inimigos naturais, os responsáveis diretos pela mortalidade natural das pragas no campo.
Acredite: ao aplicar os princípios do Manejo Integrado de Pragas (MIP), que valoriza a ação desses organismos, o produtor brasileiro poderia economizar até R$ 4 bilhões por ano apenas na produção de soja.
Por isso, aprender a manejar e proteger os inimigos naturais é uma estratégia fundamental para garantir a sustentabilidade ambiental, agrícola e, principalmente, financeira da sua fazenda.
Neste artigo, vamos explicar a importância desses verdadeiros parceiros e mostrar estratégias práticas para preservá-los, tudo dentro do contexto do Manejo Integrado de Pragas (MIP).
O que é um inimigo natural e por que ele é tão importante?
Um inimigo natural, também chamado de agente de controle biológico, é qualquer organismo vivo que ataca e controla a população de uma praga. Isso inclui vírus, fungos, bactérias, e também insetos benéficos, aranhas e ácaros predadores.
Eles já estão presentes no ambiente e controlam os insetos naturalmente, um processo que chamamos de controle biológico natural.
Essa ideia não é nova. Historicamente, os chineses já usavam formigas para controlar lagartas e besouros em plantações de citros no século III a.C.
Hoje, a mortalidade natural de pragas causada por esses agentes é considerada uma das bases mais importantes do MIP.
As bases do MIP mostram como a mortalidade natural e o controle biológico com inimigos naturais são fundamentais para o equilíbrio do sistema.
(Fonte: José Roberto Postali Parra)
No campo, a ação desses aliados funciona de maneira muito clara. O gráfico abaixo ilustra como eles atuam: a população da praga sobe, mas logo em seguida a população do inimigo natural também aumenta, derrubando o número de pragas.
Eles mantêm as pragas abaixo do nível de dano econômico, em um equilíbrio dinâmico que impede prejuízos significativos.
Dinâmica de populações: veja como a população da praga diminui com a ação de um inimigo natural.
(Fonte: José Roberto Postali Parra)
Com a dificuldade de encontrar novos inseticidas eficazes no mercado, o controle biológico aplicado, que envolve a liberação de inimigos naturais comprados, tem crescido de forma impressionante no Brasil.
Como preservar os inimigos naturais na sua lavoura?
O primeiro e mais importante passo para conservar os inimigos naturais é aprender a identificá-los. É muito comum que um produtor ou técnico confunda um inseto benéfico com uma praga, o que pode levar a decisões equivocadas.
Veja a imagem abaixo. É uma larva de bicho-lixeiro (crisopídeo), um predador extremamente importante que se alimenta de ovos e pequenas larvas de pragas como as lagartas.
Larva de crisopídeo (bicho-lixeiro) encontrada durante o monitoramento de pragas com pano de batida. É um aliado, não uma praga.
(Fonte: Arquivo pessoal do autor)
Confundir esse inseto com uma praga é um erro grave. Se o produtor aplicar um inseticida desnecessariamente, ele eliminará não só as pragas, mas também esses valiosos inimigos naturais, causando um desequilíbrio na área.
Se tiver dificuldade na identificação, a cartilha desenvolvida pela Embrapa é uma excelente ferramenta para produtores e técnicos. Além disso, a pesquisadora Alessandra de Carvalho Silva (Embrapa) desenvolveu o aplicativo Guia InNat, que auxilia na identificação diretamente no campo.
Quem são os principais inimigos naturais de pragas agrícolas?
Assim como existem as “pragas-chave” para cada cultura, também temos os “inimigos naturais-chave”. Pense neles como os “especialistas” em controlar uma praga específica. Eles se dividem em três grupos principais:
- Predadores: Caçam e se alimentam das pragas (joaninhas, percevejos predadores).
- Parasitoides: Colocam seus ovos dentro das pragas, e suas larvas se desenvolvem consumindo o hospedeiro (pequenas vespas).
- Entomopatógenos: São microrganismos que causam doenças nas pragas (fungos, vírus e bactérias).
Os inimigos naturais-chave são os maiores responsáveis por regular a população de uma praga-alvo. Veja alguns exemplos práticos:
- No algodão: As joaninhas são predadoras-chave da lagarta-das-maçãs, pois se alimentam vorazmente dos ovos da praga, controlando sua população antes mesmo de causar dano.
- Na soja: O Copidosoma sp., um tipo de vespinha, é um parasitoide da lagarta falsa-medideira. Já o fungo entomopatogênico Metharizium rileyi e o vírus Baculovirus anticarsia são doenças que atacam e matam a lagarta-da-soja.
À esquerda, lagarta falsa-medideira contaminada com baculovírus. No centro, a mesma lagarta com o fungo M. rileyi (doença branca). À direita, ovos de Helicoverpa infectados com o fungo Cladosporium sp.
(Fonte: arquivo pessoal do autor)
Lagarta Helicoverpa armigera parasitada pela vespa Ophion sp. em uma lavoura de soja.
(Fonte: arquivo pessoal do autor)
O percevejo predador Podisus nigrispinus se alimentando da lagarta Spodoptera cosmioides.
(Fonte: arquivo pessoal do autor)
Nível de Não-Ação (NNA): Quando os inimigos naturais mandam
Afinal, qual a importância prática de conhecer e preservar esses aliados na minha lavoura? A resposta está no conceito de Nível de Não-Ação (NNA).
Dentro do Manejo Integrado de Pragas, o Nível de Não-Ação é uma relação entre a quantidade de inimigos naturais-chave e a praga-chave. Esse cálculo indica que você não precisa agir com defensivos, pois a previsão é que o controle biológico natural será eficiente.
Veja alguns exemplos já estudados para o algodão:
- Para a lagarta-das-maçãs, o NNA é de 1 predador-chave para cada 1 ovo da praga encontrado no monitoramento. Se essa proporção for atingida, a natureza fará o trabalho.
- Quando 15% a 20% dos ponteiros da planta de algodão apresentam 1 percevejo predador (da família Miridae), a previsão é que de 80% a 100% dos ovos da lagarta-das-maçãs serão consumidos.
- Estudos também mostraram que a presença de até 0,4 formigas da espécie Solenopsis sp. por ponteiro de algodão é suficiente para controlar a praga em 90% dos casos.
Embora esse conceito ainda seja pouco difundido no Brasil, ele mostra o imenso potencial de manter os inimigos naturais trabalhando a seu favor.
Manejando a paisagem agrícola para favorecer os inimigos naturais
Sabendo da importância desses organismos, o próximo passo é criar um ambiente favorável para eles. Vamos abordar duas estratégias principais de manejo da paisagem:
Estratégia 1: Manipulação do Ambiente com Culturas Secundárias
Esta estratégia consiste em plantar culturas que sirvam de “abrigo” ou “fonte de alimento” para atrair os inimigos naturais para perto da sua cultura principal.
Exemplo de manipulação ambiental para aumentar a população de inimigos naturais na área de interesse.
(Fonte: Amtecbioagricola)
Estratégia 2: Consórcio com Outras Espécies Vegetais
Aqui, a ideia é plantar outra espécie vegetal em meio à cultura principal (ocupando 10% ou menos da área) para atrair e manter os inimigos naturais.
Existem diversas práticas testadas com bons resultados. Veja alguns exemplos:
- Milho no algodão: Um estudo no México mostrou que plantar 6 linhas de milho a cada 20 linhas de algodão aumentou em três vezes a população do predador Chrysopa carnea, um importante inimigo natural.
- Sorgo no algodão: O plantio de sorgo granífero serviu como “berçário” para insetos predadores. Esses predadores controlaram pragas no sorgo, como as espécies de pulgão Rhopalosiphum maidis e Schizaphis graminum (que não atacam o algodão), e depois migraram para a lavoura de algodão, aumentando o controle sobre as pragas dessa cultura.
Manejando inimigos naturais e o controle químico: é possível?
Você deve estar se perguntando: “Como posso preservar os inimigos naturais se preciso aplicar inseticidas?”. Essa é uma dúvida justa, já que os defensivos agrícolas são ferramentas importantes no controle de pragas.
A resposta está na seletividade. Para compatibilizar o controle químico com o biológico, o produtor deve priorizar o uso de inseticidas seletivos ou de origem natural. Esses produtos são mais específicos para as pragas e causam baixa toxicidade aos inimigos naturais.
Quadro geral de seletividade dos inseticidas para os inimigos naturais. Dê preferência aos grupos mais seletivos.
(Fonte: Embrapa Agrobiologia)
A aplicação de agroquímicos pouco seletivos pode causar um desequilíbrio biológico. Ao eliminar os inimigos naturais, a praga fica sem competidores e sua população pode explodir, tornando o problema ainda maior.
Recomendações práticas:
- Priorize produtos seletivos, especialmente na fase inicial de desenvolvimento da cultura, quando os inimigos naturais estão se estabelecendo.
- Se precisar usar inseticidas pouco seletivos (como piretróides ou organofosforados), tente utilizá-los apenas no final do ciclo da cultura.
- Em casos emergenciais, utilize a seletividade ecológica: aplique o produto em faixas alternadas ou em horários em que os inimigos naturais estão menos expostos (como à noite).
Conclusão
Os inimigos naturais são componentes essenciais do Manejo Integrado de Pragas e devem ser vistos como verdadeiros parceiros da produção. Preservá-los por meio de práticas como o uso de agroquímicos seletivos e a manipulação da paisagem agrícola não é apenas uma medida sustentável, mas também inteligente do ponto de vista econômico.
Lembre-se que o controle biológico funciona melhor quando integrado a outras boas práticas de manejo.
Com as dicas apresentadas aqui, você estará mais preparado para proteger seus aliados silenciosos, alcançando um controle de pragas mais eficaz, econômico e equilibrado
Glossário
Controle Biológico: Método de controle de pragas que utiliza organismos vivos, como predadores, parasitoides e microrganismos, para reduzir a população de uma praga. Pode ser natural (quando os inimigos já estão no ambiente) ou aplicado (quando são liberados intencionalmente na lavoura).
Entomopatógenos: Microrganismos (como fungos, vírus e bactérias) que causam doenças e matam insetos-praga. Um exemplo comum é o fungo Metharizium rileyi, que ataca lagartas, deixando-as com uma aparência esbranquiçada.
Inimigo Natural: Qualquer organismo vivo que ataca e controla a população de uma praga. Inclui desde insetos predadores, como joaninhas, até microrganismos que causam doenças.
Manejo Integrado de Pragas (MIP): Estratégia que combina diferentes métodos de controle (biológico, cultural, químico) de forma equilibrada e sustentável. O uso de defensivos químicos é considerado o último recurso, aplicado apenas quando estritamente necessário.
Nível de Não-Ação (NNA): Um indicador técnico dentro do MIP que estabelece uma proporção mínima entre inimigos naturais e pragas. Se essa proporção for atingida, significa que não é necessário aplicar inseticidas, pois os inimigos naturais presentes já são suficientes para controlar a praga.
Parasitoides: Insetos (geralmente pequenas vespas ou moscas) que depositam seus ovos dentro ou sobre o corpo de uma praga (o hospedeiro). As larvas do parasitoide se desenvolvem se alimentando do hospedeiro, matando-o no processo.
Seletividade (de inseticidas): Característica de um defensivo agrícola de ser tóxico para a praga-alvo, mas ter baixo impacto sobre os inimigos naturais e outros organismos benéficos, como os polinizadores. Priorizar produtos seletivos é fundamental para preservar o controle biológico.
Como a tecnologia pode otimizar o Manejo Integrado de Pragas
Aplicar o Manejo Integrado de Pragas (MIP) com sucesso exige organização, e o maior desafio muitas vezes está em registrar e analisar os dados coletados no campo. Anotar a contagem de pragas e inimigos naturais em um caderno pode levar a informações perdidas e decisões imprecisas.
Para resolver isso, ferramentas digitais como o software de gestão agrícola Aegro permitem registrar o monitoramento diretamente pelo celular. Isso centraliza o histórico da lavoura, gera mapas de infestação e ajuda a identificar com segurança o momento certo para agir — ou não agir, como no caso do Nível de Não-Ação (NNA). Com dados organizados, o controle de pragas se torna mais eficiente, protegendo os inimigos naturais e reduzindo os custos com defensivos.
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Perguntas Frequentes
O que exatamente é um inimigo natural e por que ele é importante para minha lavoura?
Um inimigo natural é qualquer organismo vivo, como um inseto benéfico, fungo ou bactéria, que ataca e controla a população de uma praga. Eles são fundamentais porque realizam o controle biológico de forma gratuita, mantendo as pragas abaixo do nível de dano econômico e reduzindo a necessidade de aplicar inseticidas, o que gera grande economia e sustentabilidade.
Como posso aprender a identificar os inimigos naturais para não confundi-los com pragas?
A identificação correta é o primeiro passo para a preservação. Você pode utilizar materiais de referência, como a cartilha da Embrapa sobre o tema, ou aplicativos móveis como o Guia InNat. Aprender a diferenciar um predador, como a larva de bicho-lixeiro, de uma praga evita a aplicação desnecessária de defensivos que eliminariam esses importantes aliados.
É possível usar defensivos químicos e ainda assim proteger os inimigos naturais?
Sim, é possível ao priorizar o uso de inseticidas seletivos. Esses produtos são desenvolvidos para atingir a praga-alvo com o mínimo de impacto sobre os inimigos naturais. Caso precise usar um produto de amplo espectro, a recomendação é aplicá-lo no final do ciclo da cultura ou em faixas alternadas para preservar parte da população benéfica.
O que significa o conceito de ‘Nível de Não-Ação’ (NNA) mencionado no artigo?
O Nível de Não-Ação (NNA) é um indicador do Manejo Integrado de Pragas que define uma proporção mínima entre a quantidade de inimigos naturais e a de pragas. Se essa proporção for atingida durante o monitoramento, significa que você não precisa aplicar defensivos, pois a previsão é que os próprios inimigos naturais conseguirão controlar a praga eficientemente.
Além de usar inseticidas seletivos, que outras práticas ajudam a aumentar a população de inimigos naturais?
Você pode manejar a paisagem agrícola para torná-la mais atrativa. Estratégias como o plantio de culturas secundárias em faixas ou o consórcio com espécies vegetais (como milho ou sorgo no algodão) servem de abrigo e fonte de alimento, atraindo e mantendo os inimigos naturais próximos à sua lavoura principal, prontos para agir.
Qual é o principal risco de aplicar um inseticida não seletivo e eliminar os inimigos naturais?
O principal risco é causar um desequilíbrio biológico. Ao eliminar os predadores e parasitoides, a praga-alvo fica sem controle natural e sua população pode explodir rapidamente, um fenômeno conhecido como ‘ressurgência de pragas’. Isso pode tornar o problema ainda maior e mais difícil de controlar do que antes da aplicação.
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