Seca no Café: Como Proteger a Lavoura e Garantir a Safra

Engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Fitotecnia focado em nutrição de plantas. Atualmente é consultor.
Seca no Café: Como Proteger a Lavoura e Garantir a Safra

Historicamente, a cafeicultura brasileira sofre com períodos de seca intensa. Este desafio está se tornando mais comum, principalmente com a expansão do cultivo para áreas de maior risco e com as mudanças climáticas que afetam todo o planeta.

A falta de água e as temperaturas extremas são as principais barreiras climáticas para a produção de café. Geralmente, esses dois problemas acontecem ao mesmo tempo, o que agrava ainda mais os prejuízos na lavoura.

O impacto da seca no cafezal pode ser mais forte ou mais fraco dependendo de vários fatores, como o tipo de solo, o sistema de cultivo, a espécie, a variedade e a fase de desenvolvimento da planta.

Neste artigo, separamos informações importantes sobre os impactos da seca, o que podemos esperar para os próximos anos e, o mais importante, as medidas práticas para lidar com esse problema. Confira!

Como a Seca Afeta Cada Espécie de Café

Para entender por que a seca afeta tanto o café, é útil conhecer a origem de cada espécie. O ambiente original da planta influencia diretamente como ela reage a estresses climáticos hoje em dia.

O Ambiente de Origem do Cafeeiro

A produção mundial e brasileira de café se baseia em duas espécies principais: o café arábica (Coffea arabica L.) e o café canephora (C. canephora Pierre), também conhecido como Conilon ou Robusta. No entanto, essas espécies vêm de lugares muito diferentes.

mapa infográfico que ilustra a origem geográfica das duas principais espécies de café: Arábica e Robusta. O map Origem do cafeeiro (Fonte: Fazuoli – Variedades de café arábica para região do cerrado mineiro)

  • O café arábica é originário da Etiópia, uma região de temperaturas mais amenas e altitudes acima de 1.600 metros.
  • O café canephora, por outro lado, vem de áreas equatoriais como a bacia do Rio Congo, que são mais quentes e com alta umidade no ar.

Mas por que essa informação é tão importante para o manejo hoje?

Embora o melhoramento genético tenha criado variedades que produzem bem a pleno sol e em regiões antes consideradas inadequadas, a origem da planta ainda define seu comportamento. As condições em que o cafeeiro evoluiu têm influência direta em como ele responde a estresses como a seca.

Como em suas regiões de origem a água era abundante, o cafeeiro não desenvolveu mecanismos muito eficientes para lidar com o déficit hídrico: significa a falta de água disponível para a planta. Na prática, isso quer dizer que os cafeeiros, de modo geral, não lidam bem com a falta de água.

Existe diferença de tolerância entre as variedades, mas é muito difícil que a produção não seja afetada. É importante lembrar que o impacto negativo da seca varia conforme a cultivar, o estádio fenológico (a fase de desenvolvimento da planta, como floração ou enchimento de grãos) e as condições específicas de cada fazenda.

Os Impactos Diretos da Seca no Cafezal

No clima tropical do Brasil, a seca geralmente é agravada por altas temperaturas e forte incidência de radiação solar. O tipo de solo também influencia, determinando quanta água fica armazenada para a planta.

A regra é clara: quanto mais tempo durar a falta de água e menos reserva o solo tiver, maiores serão os danos. Dependendo da fase de desenvolvimento da cultura, os prejuízos podem ser ainda piores.

  • No plantio: Os impactos da seca são enormes, podendo levar à morte das mudas recém-plantadas, que são mais frágeis.
  • Em lavouras em formação: Embora mais resistentes que as mudas, as plantas jovens podem sofrer com desfolha, seca de ramos e até a morte em casos severos.
  • Em lavouras em produção: Os danos variam muito conforme a fase em que a seca ocorre, como ilustrado na figura abaixo.

diagrama detalhado que esquematiza as seis fases fenológicas do cafeeiro arábica ao longo de um ciclo d Esquema das seis fases fenológicas do cafeeiro arábica, durante 24 meses, nas condições climáticas tropicais do Brasil. (Fonte: Camargo & Camargo, 2001)

Vamos detalhar os danos em cada fase de produção:

  • Fase vegetativa: A seca pode comprometer o crescimento de ramos e folhas, afetando a produção da safra seguinte e, se for muito severa, até a safra atual.
  • Florada: Um período de seca moderada é importante para uniformizar a maturação das gemas florais. No entanto, uma seca severa pode causar o abortamento e a seca das gemas e flores, comprometendo a produção futura.
  • Fase de chumbinho: A falta de água pode reduzir o pegamento da florada, diminuindo a quantidade de frutos.
  • Enchimento de grãos: Se a seca ocorrer nesta fase, os grãos podem ficar pequenos, mal formados e chochos, afetando diretamente a qualidade e o peso do café colhido.

Medidas Práticas para Minimizar os Efeitos da Seca

Existem várias medidas que podem ajudar a reduzir os efeitos da seca. A eficácia de cada uma depende do momento em que a técnica é aplicada e, principalmente, da intensidade dos danos que a seca já causou na lavoura.

Irrigação

Quando falamos em seca, a primeira solução que vem à mente é a irrigação. E com razão. A irrigação permite fornecer água na quantidade certa e na época correta, garantindo que o cafeeiro não sofra com a falta de umidade.

Contudo, nem sempre é possível instalar um sistema de irrigação. Os motivos são vários, desde a falta de fontes de água (outorgas) na propriedade até o alto custo de implantação e manutenção do sistema.

Felizmente, existem outras medidas que devem ser consideradas antes mesmo de se pensar em irrigar. Essas práticas podem beneficiar todos os sistemas de produção, tanto os de sequeiro quanto os irrigados.

Preparo Profundo do Solo

Muitas vezes, enquanto as camadas mais superficiais do solo estão secas, o subsolo ainda pode ter um reservatório de água disponível. Para que o cafeeiro consiga acessar essa água, suas raízes precisam crescer e alcançar essas camadas mais profundas.

O problema é que as recomendações tradicionais de correção e adubação se concentram nos primeiros 20 cm do solo. As camadas mais profundas podem apresentar barreiras químicas (acidez, alumínio) e físicas (compactação) que impedem o crescimento das raízes.

Uma solução eficaz é o preparo profundo de solo no momento do plantio. Essa técnica ajuda a corrigir essas limitações e permite que o sistema radicular se desenvolva melhor. Abordamos este assunto com mais detalhes em nosso artigo sobre o plantio do café. Vale a pena conferir!

Uso de Culturas Intercalares e Arborização

Nas lavouras de café, as entrelinhas frequentemente ficam expostas ao sol, o que aumenta a perda de água do solo por evaporação.

Uma excelente maneira de evitar essa perda, aumentar a infiltração da chuva e manter mais água disponível no solo é o uso de culturas intercalares: significa plantar outras culturas, como capim, nas entrelinhas do café.

Para essa finalidade, é preferível usar culturas perenes, que tenham um sistema radicular forte e produzam bastante matéria orgânica (biomassa). Ao mesmo tempo, elas devem ser de fácil manejo para não competir com o cafeeiro.

Nesse quesito, as braquiárias são campeãs. Elas protegem o solo, melhoram sua estrutura e, quando roçadas, criam uma cobertura morta que preserva a umidade.

Outra possibilidade é o sistema de café sombreado, onde o cafezal é cultivado debaixo de outras árvores. Nesse sistema, o cafeeiro fica em condições mais parecidas com seu ambiente de origem e, portanto, sofre menos com os estresses climáticos.

A arborização pode ser especialmente benéfica em áreas marginais à produção. No entanto, a adoção desse sistema deve considerar outros critérios para ser economicamente viável. Também falamos mais sobre isso no texto sobre plantio de café.

Café e Mudanças Climáticas: O que o Futuro nos Reserva?

Considerando as previsões científicas sobre o aquecimento global, o cenário para a produção de café não parecia muito animador.

Contudo, uma revisão recente publicada pelo professor Fabio DaMatta e seus colaboradores apresenta um cenário um pouco mais otimista. Os dados sugerem que o aumento do CO2 na atmosfera pode ajudar a reduzir os efeitos negativos das altas temperaturas e da falta de água na produtividade do cafeeiro.

Apesar disso, as incertezas do clima, a maior chance de eventos extremos (tempestades, ondas de calor) e a interação desses fatores com pragas, doenças e as diferentes variedades de café tornam qualquer previsão muito complicada. Mais estudos são necessários para entender o cenário completo.

De qualquer forma, fica o registro do que há de mais recente na ciência sobre a produtividade e a qualidade do café no contexto das mudanças climáticas.

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Conclusão

Como vimos, tanto o café arábica quanto o canephora podem sofrer grandes prejuízos com a seca. O problema é ainda maior em regiões marginais, onde as condições climáticas são naturalmente mais estressantes para a planta.

Dependendo da intensidade e da duração da seca, e também da fase em que a lavoura se encontra, a produção da safra atual e da próxima pode ser seriamente comprometida.

Além da irrigação, que é a solução mais direta, existem outras medidas que ajudam a tornar o sistema de produção mais resiliente e preparado para a falta de água. Entre as principais, destacam-se:

  • O preparo profundo do solo para permitir que as raízes busquem água em camadas mais fundas.
  • O uso de culturas de cobertura nas entrelinhas, como a braquiária, para proteger o solo e manter a umidade.
  • A adoção da produção arborizada (café sombreado) em algumas situações específicas.

Glossário

  • Arborização (ou Café Sombreado): Sistema de cultivo onde o cafezal é plantado sob a sombra de outras árvores. Esta prática busca recriar um ambiente mais ameno e úmido, semelhante ao de origem do café, reduzindo o estresse causado por sol intenso e altas temperaturas.

  • Culturas intercalares: Prática de plantar outras espécies vegetais, como a braquiária, nas entrelinhas do cafezal. Essa técnica ajuda a proteger o solo, reduzir a perda de água por evaporação e aumentar a matéria orgânica disponível.

  • Déficit hídrico: Situação em que a quantidade de água que a planta precisa para suas funções vitais é maior do que a água disponível no solo. Em termos práticos, é a “sede” da planta, que causa estresse e afeta seu crescimento e produção.

  • Estádio fenológico: Refere-se às diferentes fases do ciclo de vida da planta, como crescimento vegetativo, floração, formação de frutos (fase de chumbinho) e enchimento de grãos. O impacto da seca varia drasticamente dependendo do estádio em que o cafezal se encontra.

  • Pegamento da florada: Processo em que as flores do cafeeiro, após a polinização, se transformam com sucesso em pequenos frutos (os “chumbinhos”). Uma baixa taxa de pegamento significa que muitas flores abortaram, resultando em uma menor quantidade de grãos.

  • Preparo profundo do solo: Técnica de manejo que corrige problemas de acidez, compactação e fertilidade em camadas do solo abaixo dos 20-30 cm superficiais. O objetivo é permitir que as raízes do cafeeiro cresçam mais fundo para acessar reservatórios de água no subsolo.

  • Subsolo: Camada do solo localizada abaixo da camada superficial, onde se concentra a maior parte da matéria orgânica. Em períodos de seca, o subsolo pode reter umidade por mais tempo, servindo como um importante reservatório de água para as plantas com raízes profundas.

Como a tecnologia ajuda a tornar sua fazenda mais resiliente à seca

Adotar as medidas discutidas, como o preparo profundo do solo e o uso de culturas de cobertura, é essencial para mitigar os efeitos da seca. No entanto, cada uma dessas práticas representa um investimento de tempo, insumos e maquinário, tornando o controle de custos e o planejamento operacional ainda mais complexos. Sem um acompanhamento preciso, fica difícil saber quais estratégias estão realmente protegendo sua lucratividade.

É aqui que um software de gestão agrícola como o Aegro faz a diferença. Ele permite centralizar o planejamento de todas as atividades da safra e registrar os custos operacionais em tempo real. Dessa forma, o cafeicultor consegue analisar o custo de produção por talhão e tomar decisões mais seguras, baseadas em dados concretos, para otimizar os recursos e se preparar melhor para os desafios climáticos.

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Perguntas Frequentes

Por que o cafeeiro é tão sensível à falta de água?

O cafeeiro é sensível à seca porque suas espécies de origem, como a Arábica da Etiópia e a Canephora da bacia do Congo, evoluíram em ambientes com água abundante. Como resultado, a planta não desenvolveu mecanismos biológicos eficientes para tolerar longos períodos de déficit hídrico, tornando-a vulnerável quando cultivada em regiões com secas prolongadas.

Qual a diferença no impacto da seca entre o café arábica e o canephora (Conilon)?

Embora ambas as espécies sofram com a seca, suas origens distintas influenciam sua resistência. O café arábica, de altitudes elevadas e temperaturas amenas, é mais sensível ao estresse combinado de seca e calor. O canephora, originário de áreas quentes e úmidas, tende a ter uma tolerância ligeiramente maior às altas temperaturas, mas ainda sofre perdas significativas de produtividade com a falta de água.

Em qual fase do desenvolvimento do cafezal a seca causa mais prejuízos?

A seca é prejudicial em todas as fases, mas os impactos mais críticos ocorrem durante a florada, podendo causar o abortamento das flores, e no enchimento dos grãos, resultando em grãos pequenos, chochos e de baixa qualidade. Nessas fases, a falta de água compromete diretamente a produção da safra atual.

Além da irrigação, qual a medida mais eficaz para proteger o cafezal da seca?

Para produtores sem acesso à irrigação, as medidas mais eficazes envolvem o manejo do solo. O preparo profundo do solo permite que as raízes alcancem água em camadas mais fundas, enquanto o uso de culturas intercalares, como a braquiária, protege o solo da evaporação e melhora a infiltração da água da chuva.

Como o uso de culturas intercalares, como a braquiária, ajuda a combater a seca?

As culturas intercalares criam uma cobertura vegetal nas entrelinhas do café, o que reduz a temperatura do solo e a perda de água por evaporação. Além disso, quando roçadas, formam uma camada de matéria orgânica (cobertura morta) que aumenta a capacidade do solo de reter umidade, tornando-o mais resiliente à seca.

O sistema de café sombreado é sempre a melhor opção contra a seca?

Não necessariamente. O café sombreado (arborização) é muito benéfico por criar um microclima mais ameno e úmido, reduzindo o estresse hídrico, especialmente em áreas de cultivo marginal. Contudo, sua viabilidade econômica depende de fatores como a escolha das árvores de sombra e o manejo, não sendo uma solução universal para todas as propriedades.

O que é o ‘pegamento da florada’ e como a seca o afeta?

O ‘pegamento da florada’ é o processo em que as flores do cafeeiro se transformam em pequenos frutos (chumbinhos) após a polinização. Uma seca severa nesta fase crítica pode causar a queda prematura das flores e dos chumbinhos, resultando em um baixo pegamento e, consequentemente, uma redução drástica no número de frutos por planta.

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