Você sabia que o controle de doenças causadas por fungos é uma prática agrícola milenar? Há mais de 2.000 anos, os produtores já utilizavam produtos naturais para proteger suas lavouras. Desde a criação da calda bordalesa, em 1885, até os modernos fungicidas de hoje, a tecnologia evoluiu muito, mas o desafio continua o mesmo: proteger a produção.
Com tantas opções no mercado — sistêmicos, de contato, protetores, curativos — fica a dúvida: eles são todos iguais? Posso usar qualquer um para qualquer doença? A resposta é não.
Entender a diferença entre fungicidas sistêmicos e de contato é fundamental para um manejo eficiente. Neste artigo, vamos explicar de forma clara como cada um age na planta e qual a melhor situação para aplicar cada tipo, garantindo que seu investimento traga o máximo resultado.
Como os Fungicidas São Classificados?
Antes de falarmos sobre sistêmicos e de contato, é importante entender as diferentes formas de classificar um fungicida. Isso ajuda a evitar confusão e a escolher o produto certo para cada situação na sua lavoura.
A principal divisão, que vamos detalhar aqui, é pela mobilidade do produto na planta:
- Fungicidas Sistêmicos: São móveis, ou seja, se movimentam dentro da planta.
- Fungicidas de Contato: São imóveis, permanecendo apenas na superfície onde foram aplicados.
No entanto, existem outras classificações importantes que se relacionam com a mobilidade do produto. Vamos ver quais são.
1. Princípio de Controle: Como o Fungicida Atua?
Essa classificação descreve quando o fungicida age em relação à infecção do fungo.
- Protetores: Atuam de forma preventiva. Eles criam uma barreira na superfície da planta que impede a entrada do fungo.
- Curativos: Agem logo após a penetração do fungo no tecido da planta, mas antes que os sintomas da doença apareçam.
- Erradicantes: São indicados quando os sintomas já estão visíveis. A função deles é eliminar o fungo que está na lesão, nas sementes ou no solo.
Princípios de controle de fungicidas e fases da infecção por fungos
(Fonte: Menten & Banzato, 2016)
2. Espectro ou Alvo Biológico: Quantos Pontos o Fungicida Atinge?
Aqui, a classificação se baseia em quantos processos vitais do fungo o produto consegue atacar.
- Uni-sítio (sítio específico): O fungicida atua em um único ponto do metabolismo do fungo. É como uma chave que só abre uma fechadura específica.
- Multissítio: O fungicida atua em vários pontos do metabolismo do fungo ao mesmo tempo. Isso dificulta muito que o fungo crie resistência.
3. Modo de Ação: O Que o Fungicida Interrompe no Fungo?
O modo de ação descreve o processo biológico específico que o fungicida interrompe para matar ou controlar o fungo. Os principais grupos e seus alvos são:
- Alteração no núcleo celular: Atacam a divisão das células do fungo (Grupos: Benzimidazóis e Acilalanina).
- Alterações na membrana celular: Desestabilizam a “pele” que protege as células do fungo (Grupos: Triazóis e Morfolinas).
- Inibição da respiração: Bloqueiam a produção de energia do fungo, sufocando-o (Grupos: Estrobilurinas e Carboxamidas).
- Alterações na parede celular: Afetam a estrutura que dá forma e protege o fungo (Grupo: Dimetomorfe).
O que São Fungicidas Sistêmicos?
Fungicidas sistêmicos são produtos que, após a aplicação, são absorvidos pela planta e se movem internamente. Eles são móveis e conseguem se espalhar para outras partes da planta, além do local onde foram aplicados.
Essa absorção pode ocorrer pelas raízes ou, no caso de aplicação foliar, através da cutícula das folhas. Uma vez dentro da planta, o produto é transportado pelos vasos condutores (principalmente pelo xilema, que leva água e nutrientes para cima).
Graças a essa capacidade de penetração e movimentação, os fungicidas sistêmicos podem ter ação protetiva, curativa ou erradicante. Isso significa que eles oferecem uma janela de aplicação mais ampla em comparação com os fungicidas de contato.
No entanto, a eficácia máxima é alcançada quando são aplicados no início da infecção ou de forma preventiva. Aplicações tardias, quando a doença já está bem estabelecida, costumam ter pouca efetividade.
Os principais grupos de fungicidas sistêmicos incluem benzimidazóis, carboxamidas, triazóis, imidazóis, morfolinas e algumas estrobilurinas. É importante notar que mesmo dentro desses grupos, o grau de mobilidade pode variar bastante, como mostram os gráficos abaixo.
Mobilidade e sistemicidade de fungicidas do grupo químico dos triazóis
(Fonte: Menten & Banzato, 2016)
Mobilidade e sistemicidade de fungicidas do grupo químico das estrobilurinas
(Fonte: Menten & Banzato, 2016)
Vantagens e Desvantagens dos Fungicidas Sistêmicos
Vantagens
- Doses menores: Geralmente, são usados em doses mais baixas e com menos aplicações em comparação com os de contato.
- Proteção prolongada: Por circularem dentro da planta, protegem também as folhas e ramos que crescem após a aplicação.
- Baixa fitotoxicidade: Como se espalham, a concentração do produto em um único ponto é menor, reduzindo o risco de queimar ou danificar a planta.
- Alta especificidade: Atuam sobre patógenos específicos, o que causa menos desequilíbrio na microbiota do solo e resulta em menor contaminação ambiental.
Desvantagens e Pontos de Atenção
- Custo mais elevado: São produtos de tecnologia mais avançada e, geralmente, mais caros.
- Risco de resistência: Como atuam em alvos específicos (uni-sítio), o uso repetido e inadequado pode levar ao surgimento de fungos resistentes ao produto.
Importante: O risco de resistência pode ser controlado. Para isso, siga as recomendações da bula, rotacione produtos de diferentes grupos químicos e combine o uso com fungicidas de contato.
O que São Fungicidas de Contato?
Os fungicidas de contato não penetram nos tecidos da planta. Eles permanecem na superfície da folha, caule ou fruto, exatamente onde foram aplicados, formando uma camada protetora.
Por não se moverem, eles são facilmente lavados pela chuva ou pela irrigação. Além disso, eles não protegem as partes novas da planta que crescem após a aplicação.
Por essas características, os fungicidas de contato têm uma ação quase exclusiva de proteção. Eles devem ser aplicados de forma preventiva, antes que os esporos dos fungos germinem e penetrem na planta. Se a infecção já ocorreu, esses produtos não terão efeito sobre o fungo que está dentro do tecido vegetal.
Os principais fungicidas de contato pertencem aos grupos dos cúpricos, sulfurados, ditiocarbamatos (como o Mancozeb) e isoftalonitrila (como o Clorotalonil). Eles geralmente têm um amplo espectro de ação, atuando em múltiplos locais do metabolismo do fungo (multissítio). Por terem baixa especificidade, podem causar alguma toxicidade na planta, mas apresentam uma probabilidade muito menor de gerar resistência nos patógenos.
Qual Fungicida Utilizar? A Estratégia Certa
A escolha do fungicida ideal depende da cultura, da doença-alvo e do momento da aplicação. Não existe uma única resposta, mas sim uma estratégia de manejo integrado. Para evitar problemas de ineficácia e o desenvolvimento de resistência, siga estas recomendações:
- Respeite a Bula: Assim como no manejo de outros defensivos agrícolas, as doses recomendadas e a frequência de aplicação de cada fungicida devem ser seguidas à risca.
- Rotacione Mecanismos de Ação: Evite usar o mesmo grupo químico repetidamente. Alterne produtos com diferentes modos de ação para dificultar o surgimento de fungos resistentes.
- Combine Sistêmicos e de Contato: A melhor abordagem é mesclar os dois tipos no seu programa de manejo. Os fungicidas de contato atuam como uma primeira barreira, enquanto os sistêmicos oferecem proteção interna e curativa.
Conclusão
Entender a diferença entre fungicidas sistêmicos e de contato é crucial para um controle de doenças eficaz e sustentável. Cada um tem seu papel e seu momento certo de uso.
- Fungicidas sistêmicos são absorvidos e se movem pela planta, oferecendo uma proteção mais completa e duradoura. Eles podem agir de forma curativa, mas seu uso indiscriminado pode gerar resistência nos fungos.
- Fungicidas de contato formam uma barreira protetora na superfície da planta. Sua ação é apenas preventiva e eles são vulneráveis à lavagem pela chuva, mas são uma ferramenta poderosa contra a resistência.
O segredo do sucesso está no manejo integrado. Ao combinar os dois tipos de fungicidas, respeitando as doses e a frequência de aplicação, você garante um controle mais eficiente das doenças, protege seu potencial produtivo e reduz a probabilidade de problemas com resistência no futuro.
Glossário
Fitotoxicidade: Efeito tóxico de um produto químico sobre a planta. Ocorre quando um defensivo agrícola causa danos à cultura, como queimaduras nas folhas ou atraso no crescimento, em vez de apenas controlar a praga ou doença.
Fungicida Curativo: Produto que age após a penetração do fungo no tecido da planta, mas antes do aparecimento dos sintomas visíveis da doença. Sua função é interromper a infecção em seu estágio inicial.
Fungicida de Contato: Tipo de fungicida que não penetra na planta, permanecendo na superfície onde foi aplicado. Ele cria uma barreira protetora que impede a infecção, mas pode ser facilmente lavado pela chuva ou irrigação.
Fungicida Protetor: Produto aplicado de forma preventiva, antes da chegada do fungo. Ele forma uma camada na superfície da planta que impede a germinação e a penetração dos esporos, evitando que a doença se instale.
Fungicida Sistêmico: Produto que, após a aplicação, é absorvido pela planta e se move internamente por meio de seus vasos condutores. Essa mobilidade permite proteger a planta por dentro e alcançar partes que não receberam a aplicação direta.
Multissítio: Refere-se a um fungicida que atua em vários pontos do metabolismo do fungo ao mesmo tempo. Essa ação múltipla torna muito difícil para o patógeno desenvolver resistência ao produto.
Resistência (de patógenos): Capacidade de um fungo (patógeno) de sobreviver a aplicações de um fungicida que antes era eficaz para seu controle. Geralmente ocorre pelo uso repetitivo e inadequado de produtos com o mesmo modo de ação.
Uni-sítio: Refere-se a um fungicida que atua em um único ponto específico do metabolismo do fungo. Por ter um alvo tão preciso, o risco de o patógeno desenvolver resistência através de uma mutação é maior.
Xilema: Principal tecido condutor de água e nutrientes nas plantas, que os transporta das raízes para as folhas. É por meio do xilema que a maioria dos fungicidas sistêmicos se movimenta dentro da planta.
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A escolha e a rotação correta de fungicidas são cruciais, mas gerenciar esse cronograma complexo e, ao mesmo tempo, controlar o alto custo dos insumos pode ser um grande desafio. Fazer esse acompanhamento em planilhas ou cadernos aumenta o risco de erros que podem levar ao desenvolvimento de resistência ou a gastos desnecessários.
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Perguntas Frequentes
Qual a principal diferença prática entre um fungicida sistêmico e um de contato?
A principal diferença está na mobilidade. O fungicida de contato age como uma barreira protetora na superfície da planta e não se move, sendo ideal para prevenção. Já o fungicida sistêmico é absorvido e se movimenta dentro da planta, protegendo até mesmo folhas novas que surgem após a aplicação e agindo de forma curativa em infecções iniciais.
A chuva pode lavar um fungicida sistêmico logo após a aplicação?
Sim, se a chuva ocorrer logo após a pulverização, antes que o produto seja completamente absorvido pela planta. Geralmente, os fungicidas sistêmicos precisam de algumas horas para penetrar nos tecidos vegetais. Uma vez absorvido, o risco de ser lavado pela chuva é significativamente menor em comparação com os fungicidas de contato.
Se os fungicidas sistêmicos são mais avançados, por que ainda preciso usar os de contato?
O uso de fungicidas de contato, especialmente os multissítios, é uma ferramenta fundamental para o manejo de resistência. Como eles atuam em vários pontos do metabolismo do fungo, é muito mais difícil para o patógeno se adaptar. A combinação dos dois tipos em um programa de manejo integrado cria uma estratégia mais robusta e sustentável a longo prazo.
O que significa na prática rotacionar fungicidas para evitar resistência?
Rotacionar fungicidas significa alternar o uso de produtos com diferentes modos de ação, ou seja, de grupos químicos distintos (ex: alternar um Triazol com uma Estrobilurina). Essa prática evita a exposição contínua dos fungos ao mesmo mecanismo de controle, dificultando o desenvolvimento de populações resistentes e preservando a eficácia dos defensivos.
É recomendado misturar fungicidas sistêmicos e de contato no mesmo tanque de pulverização?
Sim, a mistura em tanque de fungicidas sistêmicos e de contato é uma prática comum e muito recomendada. Ela combina a ação preventiva e de amplo espectro do produto de contato com a proteção interna e curativa do sistêmico, potencializando o controle e ajudando no manejo de resistência. Contudo, é sempre crucial verificar a compatibilidade dos produtos na bula antes de realizar a mistura.
Quanto tempo um fungicida sistêmico permanece ativo dentro da planta?
O período de atividade, ou residual, de um fungicida sistêmico varia conforme o ingrediente ativo, a dose utilizada, as condições climáticas e o metabolismo da própria planta. Em geral, a proteção pode durar de 7 a 21 dias. É essencial seguir as recomendações da bula para saber o intervalo correto entre as aplicações e garantir a proteção contínua da lavoura.
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