Dicamba e *Amaranthus palmeri*: Um Guia Completo para o Manejo Seguro e Eficaz

Engenheira agrônoma, mestre e doutora na linha de pesquisa de plantas daninhas. Atualmente professora da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
Dicamba e *Amaranthus palmeri*: Um Guia Completo para o Manejo Seguro e Eficaz

O manejo inadequado ou a falta de controle das ervas daninhas podem causar prejuízos sérios em nossas lavouras. Esses problemas impactam diretamente a produtividade e a qualidade dos grãos, além de criarem dificuldades na hora da colheita.

Neste artigo, vamos analisar as informações mais recentes sobre duas grandes preocupações do produtor: o herbicida dicamba e a planta daninha Amaranthus palmeri. Entenda os riscos, os benefícios e as melhores práticas para aplicar essa tecnologia corretamente e proteger sua lavoura.

Herbicida Dicamba: Entendendo a Ferramenta e Seus Cuidados

O dicamba faz parte do grupo de herbicidas conhecidos como auxinas sintéticas, o mesmo mecanismo de ação de produtos como 2,4-D, picloram e triclopyr.

Em outras palavras: As auxinas sintéticas funcionam imitando um hormônio de crescimento da planta. Elas causam um desenvolvimento desordenado e acelerado, que acaba matando a erva daninha.

Herbicidas deste grupo são seletivos para culturas de folhas estreitas, como as gramíneas (milho, trigo, pastagens). Isso ocorre porque essas plantas absorvem menos o produto pelas folhas e têm uma capacidade limitada de movê-lo internamente pelo floema. Por essa razão, eles são ferramentas muito importantes no controle de plantas daninhas de folhas largas.

No entanto, por não serem seletivos para culturas de folhas largas como a soja convencional, seu uso direto sobre a lavoura era impossível. Para resolver isso, foram desenvolvidas novas tecnologias, como a soja tolerante ao dicamba, conhecida comercialmente como “Intacta 2 Xtend”.

captura de tela de uma página web informativa sobre um produto agrícola transgênico. No lado esquerdo, há uma (Fonte: Conselho de Informações sobre Biotecnologia)

A principal vantagem do dicamba é o seu controle eficaz de ervas daninhas de folhas largas (dicotiledôneas), vindo associado à tolerância ao glifosato. Isso o torna um importante aliado no controle de ervas daninhas resistentes ao glifosato, como a buva e o caruru.

Além dessas, ele também é eficiente contra outras plantas de difícil controle, como a corda-de-viola, a erva-quente e a vassourinha-de-botão.

composição fotográfica que exibe em detalhe duas das principais plantas daninhas que afetam a agricultura bras Ervas daninhas com relatos de resistência ao glifosato: Conyza sumatrensis (buva, à esquerda) e Amaranthus palmeri (caruru, à direita) (Fonte: Heap, 2019)

O Principal Desafio do Dicamba: O Risco de Deriva

A maior preocupação sobre o uso deste herbicida está relacionada à deriva.

  • Deriva: significa que o herbicida é levado pelo vento para fora da área de aplicação, atingindo lavouras vizinhas que não possuem a tecnologia de tolerância.

A soja não tolerante ao dicamba, assim como diversas outras culturas (feijão, algodão, tomate, uva), são extremamente sensíveis a este produto, e mesmo uma quantidade mínima pode causar danos severos.

A recomendação técnica é clara: o dicamba não deve ser aplicado sob as seguintes condições climáticas:

  • Temperaturas acima de 29°C;

  • Umidade relativa do ar abaixo de 40%;

  • Ventos com velocidade acima de 16 km/h;

  • Dias com previsão ou ocorrência de inversão térmica.

  • Inversão térmica: é um fenômeno climático em que uma camada de ar frio fica presa perto do solo por uma camada de ar mais quente acima. Isso impede que as gotas pulverizadas se dispersem para cima, fazendo com que fiquem “flutuando” e se movam por longas distâncias, aumentando muito o risco de deriva.

Sabemos que, durante a safra, a temperatura de 29°C é rapidamente atingida no campo, o que reforça a necessidade de atenção máxima às boas práticas agrícolas.

uma operação de pulverização agrícola em uma extensa lavoura, provavelmente de soja, em um dia ensolarado. Em (Fonte: SC Cereais)

Para usar o dicamba com segurança, é fundamental adotar práticas que combatam a deriva, a volatilidade (transformação do líquido em gás) e garantam a limpeza correta dos pulverizadores.

dois bicos de pulverização agrícola, um amarelo (modelo MUG-02) e um azul (modelo MUG-03), ao lado de um diagr (Fonte: Canal Agrícola)

É essencial que os produtores e operadores sejam capacitados sobre:

  • Condições climáticas adequadas para a aplicação;
  • Uso de pontas de pulverização que produzem gotas maiores e com menor risco de deriva (como as pontas com indução de ar);
  • Prática rigorosa de limpeza do tanque, garantindo que não sobre nenhum resíduo do produto após a tríplice lavagem;
  • Momento correto de controle, aplicando o produto quando as ervas daninhas ainda estão em seus estágios iniciais de desenvolvimento.

Ficha Técnica do Dicamba: O Que Você Precisa Saber

Aqui estão as principais características técnicas do herbicida dicamba, de acordo com o Guia de Herbicidas (2018), com explicações práticas:

  1. Mecanismo de ação: Mimetizador de Auxinas (Grupo O).
  2. Grupo químico: Ácidos benzóicos.
  3. Solubilidade em água: 4.500 mg/L (a 25°C) - Considerado solúvel.
  4. Pressão de vapor: 4,5 x 10-3 Pa (a 25°C) - Relativamente alta, o que indica maior potencial de volatilidade.
  5. pKa: 1,87 - Indica que é um ácido fraco.
  6. Kow: 0,29 - Baixa afinidade por gorduras.
  7. Koc: 2 mL/g - É fracamente adsorvido no solo, o que significa que tem alta mobilidade e pode ser facilmente lavado pela chuva (lixiviação).
  8. Registro: Aprovado para controle de plantas daninhas de folhas largas em pré-plantio da soja e para dessecação em pré-colheita.
  9. Absorção: Pelas folhas e raízes.
  10. Translocação: Move-se por toda a planta (via xilema e floema), por isso é classificado como sistêmico.

Amaranthus palmeri (Caruru-Gigante): O Alerta Vermelho na Lavoura

Outra erva daninha que traz grande preocupação é a Amaranthus palmeri. Trata-se de uma planta de crescimento extremamente rápido e muito agressiva, com ciclo anual e emergência no verão.

Ela foi identificada pela primeira vez no Brasil em 2015, no estado do Mato Grosso. Desde então, todos os esforços se concentram em evitar que ela se espalhe para outras regiões produtoras.

uma grande planta de caruru (Amaranthus), uma conhecida planta daninha, crescendo proeminentemente no meio de Planta de Amaranthus palmeri em lavoura de soja (Fonte: Travis Legleiter e Bill Johnson, 2013)

O principal problema é que, quando essa daninha foi identificada no Brasil, ela já apresentava resistência múltipla.

  • Resistência Múltipla: significa que a planta é resistente a herbicidas de dois ou mais mecanismos de ação diferentes.

Estudos de 2016 confirmaram sua resistência a herbicidas Inibidores da ALS (como chlorimuron, cloransulam e imazethapyr) e também aos Inibidores da EPSPs (o mecanismo de ação do glifosato).

No mundo, já existem 64 relatos de resistência desta erva daninha a diferentes herbicidas, em países como Brasil, EUA, Israel e Argentina. A grande maioria dos casos (60) está concentrada nos EUA.

No Brasil, pesquisadores afirmam que o Amaranthus palmeri está relativamente controlado, mas a situação exige monitoramento constante, pois é uma planta de disseminação muito rápida devido à sua altíssima produção de sementes.

Por Que o Amaranthus palmeri é Tão Preocupante?

A grande preocupação atual é impedir a entrada de biótipos resistentes pelas fronteiras da Argentina e do Uruguai para a região Sul do Brasil.

Em 2015, foi confirmado um caso de resistência desta planta ao glifosato na Argentina. O preocupante é que se trata do primeiro caso de resistência em Amaranthus palmeri envolvendo exclusivamente mecanismos de NTSR (resistência de sítio não-alvo).

  • Resistência de Sítio Não-Alvo (NTSR): A planta desenvolve formas de se proteger do herbicida que não envolvem a alteração do local onde o produto age. Por exemplo, ela pode metabolizar (degradar) o herbicida mais rápido ou impedir que ele chegue ao seu local de ação.

Para piorar, já foi relatado um caso desta planta daninha resistente ao 2,4-D nos EUA, um dos principais herbicidas utilizados para seu controle.

Isso nos mostra que depender apenas do manejo químico não é suficiente. Precisamos fazer a “lição de casa” completa, que inclui:

  1. Limpar máquinas e implementos agrícolas para evitar o transporte de sementes entre áreas.
  2. Fazer rotação de mecanismos de ação de herbicidas, evitando usar sempre os mesmos produtos.
  3. Praticar a rotação de culturas, quebrando o ciclo das plantas daninhas.
  4. Diversificar as práticas de manejo, incluindo métodos culturais e mecânicos.
  5. Realizar o controle das plantas daninhas em seus estágios iniciais, para evitar que elas produzam sementes e infestem a área.

close-up detalhado de uma plântula de caruru (Amaranthus spp.), uma das plantas daninhas mais comuns e prob Plântula de Amaranthus palmeri (Fonte: Travis Legleiter e Bill Johnson, 2013).

Para se aprofundar no manejo desta daninha, confira nosso artigo completo: “O guia completo do manejo do caruru Amaranthus palmeri.

Conclusão

O manejo correto de plantas daninhas e o uso responsável de herbicidas são pilares para o sucesso da lavoura.

Neste artigo, vimos as informações mais importantes sobre o dicamba e o Amaranthus palmeri. Com relação ao herbicida dicamba, a principal mensagem é que ele é uma ferramenta poderosa, mas seu uso exige responsabilidade máxima para controlar a deriva. As boas práticas agrícolas não são opcionais, são essenciais.

Em relação ao Amaranthus palmeri, o foco é a prevenção. A grande preocupação é evitar sua entrada e disseminação. Para isso, o manejo integrado de plantas daninhas é a única estratégia capaz de vencer a guerra contra essa planta invasora.


Glossário

  • Auxinas sintéticas: Classe de herbicidas que imitam os hormônios de crescimento das plantas. Eles causam um desenvolvimento descontrolado e acelerado, que leva à morte da erva daninha, sendo eficazes principalmente contra plantas de folhas largas.

  • Deriva: Fenômeno em que as gotas de um produto pulverizado, como um herbicida, são transportadas pelo vento para fora da área de aplicação. A deriva pode causar danos severos a lavouras vizinhas que não são tolerantes ao produto aplicado.

  • Dessecação: Prática agrícola que consiste na aplicação de um herbicida para acelerar a secagem e a morte das plantas (seja a cultura ou plantas daninhas) antes da colheita. Este processo uniformiza a maturação dos grãos e facilita a operação das colheitadeiras.

  • Inversão térmica: Condição climática em que uma camada de ar frio fica retida próxima ao solo por uma camada de ar mais quente acima dela. Esse fenômeno impede que as gotas pulverizadas se dispersem, fazendo com que fiquem suspensas no ar e se desloquem por longas distâncias, aumentando drasticamente o risco de deriva.

  • NTSR (Resistência de Sítio Não-Alvo): Sigla para Non-Target Site Resistance. É um tipo de resistência em que a planta daninha desenvolve mecanismos de defesa que não envolvem a alteração do local onde o herbicida age, como, por exemplo, metabolizar (degradar) o produto mais rapidamente ou impedir que ele chegue ao seu alvo.

  • Resistência Múltipla: Habilidade de uma planta daninha de ser resistente a herbicidas de dois ou mais mecanismos de ação diferentes. Plantas com resistência múltipla são extremamente difíceis de controlar, pois limitam muito as opções de manejo químico disponíveis.

  • Sistêmico (Herbicida): Refere-se a um herbicida que, após ser absorvido pelas folhas ou raízes, é transportado por toda a planta através de seus vasos condutores (xilema e floema). Essa característica garante que o produto atinja todas as partes da planta, incluindo as raízes, tornando o controle mais eficaz.

  • Volatilidade: Capacidade de uma substância, como um herbicida, de passar do estado líquido para o estado de vapor ou gás após a aplicação. O vapor pode ser carregado pelo vento e atingir áreas não-alvo, causando danos de forma semelhante à deriva.

Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios

A complexidade de aplicar herbicidas como o dicamba, que exigem monitoramento rigoroso das condições climáticas, e a necessidade de um manejo integrado para controlar daninhas resistentes como o Amaranthus palmeri, são desafios operacionais significativos. A falta de um registro preciso das aplicações pode levar a erros caros e dificultar a rotação de defensivos, essencial para evitar a resistência.

Um software de gestão agrícola como o Aegro simplifica esse processo, permitindo planejar e registrar todas as atividades do talhão em um só lugar. Você pode agendar as pulverizações para as janelas climáticas ideais e criar um histórico detalhado de cada aplicação, incluindo produtos, doses e custos. Isso não só reduz os riscos de deriva e garante a conformidade, mas também fornece dados valiosos para tomar decisões mais seguras e eficientes no futuro.

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Perguntas Frequentes

Quais são as principais condições climáticas a evitar ao aplicar o herbicida dicamba?

A aplicação de dicamba deve ser evitada em dias com temperaturas acima de 29°C, umidade relativa do ar abaixo de 40%, ou ventos superiores a 16 km/h. Além disso, é crucial não aplicar em dias com inversão térmica, pois esse fenômeno impede a dispersão das gotas e aumenta drasticamente o risco de deriva para áreas vizinhas.

Por que o dicamba é tão perigoso para lavouras vizinhas que não são tolerantes a ele?

Culturas de folhas largas, como soja convencional, feijão e algodão, são extremamente sensíveis ao dicamba. O principal risco é a deriva, onde o vento carrega o herbicida para fora da área alvo. Mesmo uma quantidade mínima de dicamba pode causar danos severos, como deformação de folhas e perda de produtividade, nessas culturas não tolerantes.

O que torna a erva daninha Amaranthus palmeri (caruru-gigante) uma ameaça tão séria para a agricultura?

O Amaranthus palmeri é uma ameaça por seu crescimento agressivo, altíssima produção de sementes e, principalmente, por sua resistência múltipla. Os biótipos identificados no Brasil já são resistentes a herbicidas essenciais, como o glifosato, o que limita severamente as opções de controle químico e exige um manejo integrado rigoroso.

Posso aplicar dicamba em qualquer lavoura de soja para controlar a buva e o caruru?

Não, de forma alguma. O dicamba só pode ser aplicado em variedades de soja geneticamente modificadas para serem tolerantes a ele, como a tecnologia ‘Intacta 2 Xtend’. A aplicação em soja convencional ou em qualquer outra cultura de folha larga não tolerante causaria a morte da lavoura, gerando prejuízos totais.

Se o dicamba controla o caruru, por que não posso depender apenas dele para manejar o Amaranthus palmeri?

Depender de um único mecanismo de ação acelera o processo de seleção de plantas resistentes. Já existem casos de Amaranthus palmeri resistente a herbicidas do mesmo grupo do dicamba nos EUA. A única estratégia sustentável é o manejo integrado, que combina rotação de herbicidas, rotação de culturas e práticas de limpeza para evitar a disseminação.

Além dos herbicidas, que outras medidas são cruciais para prevenir a infestação por Amaranthus palmeri?

A prevenção é a melhor estratégia. As práticas mais eficazes incluem a limpeza rigorosa de máquinas e colheitadeiras antes de entrarem na fazenda, o uso de sementes certificadas e livres de contaminantes, o monitoramento constante das bordas da propriedade e a eliminação imediata de qualquer planta suspeita antes que ela produza sementes.

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