Excesso de chuvas em uma região, seca severa em outra. Temperaturas bem acima da média e períodos longos com falta de água para as plantas. Estes são alguns dos efeitos diretos provocados pelo El Niño no Brasil.
Este fenômeno climático pode causar grandes prejuízos, como já vimos em anos anteriores. Ele costuma trazer maior volume de chuvas para a região Sul, temperaturas mais altas em quase todo o país e secas intensas na região Nordeste, entre outros impactos negativos.
Apesar de não podermos evitar as mudanças no clima, existem formas de preparar a fazenda para diminuir os efeitos do El Niño. Com o manejo correto, é possível manter uma boa produtividade e evitar grandes perdas nas lavouras e na rentabilidade do seu negócio.
Para isso, é fundamental entender o que é o fenômeno El Niño, quais são seus impactos na agricultura e como o manejo pode ser seu grande aliado para colher bons resultados. Confira tudo isso a seguir!
El Niño: Entenda o que é Esse Fenômeno
O El Niño é um fenômeno climático que provoca o aumento da temperatura na superfície do Oceano Pacífico Tropical e, ao mesmo tempo, enfraquece os ventos alísios.
Para entender melhor: Os ventos alísios são ventos constantes e úmidos que sopram das áreas subtropicais em direção à linha do Equador. Eles funcionam como um “ar-condicionado” natural do planeta. Quando eles perdem força, a temperatura da água do oceano sobe.
Com esse aquecimento, as águas mais frias não conseguem subir para a superfície perto da costa oeste da América do Sul. Essa mudança altera o padrão de chuvas em muitas regiões do mundo, impactando diretamente a agricultura.
Histórico de Impacto
- O El Niño da safra 2015/16 registrou temperaturas recordes, mostrando a força do fenômeno.
- Porém, um dos piores anos foi 1982, quando o El Niño causou mudanças drásticas na circulação do ar na atmosfera. Naquele ano, o Brasil sofreu com chuvas torrenciais, enquanto os Estados Unidos enfrentaram tempestades violentas na costa da Califórnia.
El Niño, La Niña e Anos Neutros
Além do El Niño, existe também o fenômeno oposto, a La Niña. Neste caso, ocorre o resfriamento das águas do Oceano Pacífico, o que também altera o regime de chuvas, mas geralmente provoca secas na região Sul do Brasil.
Existem também os anos neutros, quando a temperatura das águas do Pacífico fica próxima do normal, sem aquecimento ou resfriamento significativo.
O último El Niño havia ocorrido em 2020. Depois de três anos dominados pela La Niña, que causou quebras históricas na produção de soja do Rio Grande do Sul, o El Niño deve voltar a influenciar o clima nos próximos meses, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Quando o El Niño Vai Acontecer?
Após três anos de La Niña, o cenário climático está em transição. A previsão da OMM indica que o El Niño deve se estabelecer nos próximos meses.
As projeções mostram que:
- Maio: 60% de probabilidade de ocorrência.
- Julho a Setembro: A probabilidade sobe para 80%.
Isso significa que, no segundo semestre, podemos esperar mudanças significativas nas chuvas e temperaturas em todo o mundo, incluindo as principais regiões produtoras do Brasil.
A Intensidade dos Fenômenos
Tanto o El Niño quanto a La Niña são classificados por intensidade: fraco, moderado ou forte. Nas safras 2020/21 e 2021/22, por exemplo, a La Niña foi considerada moderada.
Historicamente, o El Niño tem se mostrado mais intenso. Seus picos ocorreram nas safras 1982/83, 1997/98 e 2015/16. Já a La Niña teve picos em 1973/74, 1988/89 e 2007/08.
Desde 1950, o El Niño foi registrado como forte (4 vezes) ou muito forte (5 vezes) com mais frequência que a La Niña. Isso agrava os impactos das mudanças climáticas, provocando temperaturas recordes, chuvas torrenciais, aumento de queimadas e outros efeitos severos – mas, como veremos, também pode trazer alguns benefícios.
Quais os Efeitos Esperados do El Niño no Brasil?
Como já mencionado, o El Niño afeta a temperatura e o volume de chuvas. No Brasil, a tendência geral é de temperaturas um pouco acima do normal. As ondas de calor recentes, com temperaturas de 4 a 5 graus acima do normal para a época, já podem ser um reflexo dessa mudança.
De acordo com o CPTEC/INPE, os efeitos esperados para cada região do Brasil são:
- Norte e Nordeste: Redução do volume de chuvas, podendo levar a períodos de seca.
- Sudeste: Aumento geral das temperaturas médias.
- Sul: Chuvas mais abundantes e frequentes, com risco de excesso hídrico.
- Centro-Oeste: Irregularidade na distribuição das chuvas, com períodos de veranico.
(Fonte: Cptec/Inpe)
Este fenômeno tem impacto global. Os mapas abaixo mostram as previsões de temperatura (esquerda) e chuvas (direita) para os meses de maio, junho e julho no mundo todo.
(Fonte: World Meteorological Organization, 2023).
O próximo mapa ilustra o comportamento típico das chuvas durante o El Niño. Observe que, no Brasil, há um claro aumento de chuvas na região Sul (em verde) e uma redução no Norte e Nordeste (em marrom).
(Fonte: Cptec/Inpe)
Efeitos do El Niño na Agricultura Brasileira
Estima-se que 80% da variação da produtividade agrícola dependa das condições climáticas. Por isso, os impactos do El Niño são diretos:
- Onde as chuvas diminuem: O desenvolvimento das culturas pode ser retardado, resultando em queda de produtividade.
- Onde as chuvas aumentam: Pode haver inundações, erosão e lixiviação de nutrientes, o que também reduz o potencial produtivo. Além disso, o excesso de chuva na colheita prejudica a qualidade dos produtos e dificulta o escoamento da safra.
Culturas anuais, como as lavouras de grãos (soja, milho), são altamente afetadas por essas variações. As culturas perenes (café, citros) também podem ter redução na produtividade, mas, por terem um ciclo mais longo, têm maior chance de se recuperar após o estresse. Mesmo assim, o monitoramento é essencial para diminuir os prejuízos.
Impactos do Último El Niño no Brasil: Exemplos Práticos
Para entender melhor, veja algumas consequências do último El Niño forte na agricultura brasileira:
- Nos estados do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia): A falta de chuva no início do plantio de soja prejudicou a germinação das sementes e causou redução no stand de plantas.
- No Mato Grosso: A irregularidade das chuvas causou grandes perdas em algumas áreas, enquanto outras na mesma região não foram tão afetadas, mostrando o caráter imprevisível do fenômeno.
- Na região Sul: A chuva abundante favoreceu a produtividade de grãos em alguns casos. No entanto, o excesso de umidade e as temperaturas mais altas prejudicaram culturas como o arroz e o trigo, especialmente na época da colheita.
Nem Tudo é Prejuízo: Os Possíveis Benefícios
Não podemos esquecer que o El Niño também pode trazer pontos positivos. Em locais que sofreram com a seca da La Niña, como a região Sul, o aumento da umidade pode recarregar o solo e os reservatórios de água.
Isso favorece o plantio e o desenvolvimento inicial das culturas, desde que as chuvas não sejam excessivas. O El Niño também pode aumentar as temperaturas médias em fases críticas, como a polinização e o enchimento de grãos, o que pode ser benéfico para algumas culturas.
Falta ou Excesso de Chuva: O que Fazer?
Pesquisadores da Embrapa orientam sobre como agir em cada cenário. Confira as principais recomendações:
Em Caso de Excesso de Chuva
- Prepare o solo com antecedência: Assim, você pode semear rapidamente na primeira janela de tempo bom.
- Planeje a semeadura para o início do período recomendado.
- Nunca semeie em solos encharcados: Isso compromete a germinação e o desenvolvimento das raízes.
- Faça a rotação de culturas: A alta umidade favorece muitas doenças de solo.
- Use cultivares resistentes a doenças que se desenvolvem em ambientes úmidos, com base no histórico da sua área.
- Atenção com a adubação nitrogenada: Com muita chuva, o nitrogênio é facilmente perdido por lixiviação (lavagem do solo).
- Realize a colheita assim que o produto atingir a umidade ideal, para evitar que as chuvas reduzam a qualidade.
Excesso de chuva pode levar à erosão do solo, lavagem de nutrientes e até mesmo à necessidade de ressemeadura das culturas, pela redução do estande de plantas.
Em Caso de Falta de Chuva
- Utilize o sistema de plantio direto: A palhada ajuda a conservar a umidade do solo, favorecendo a germinação.
- Escolha cultivares mais resistentes ao estresse hídrico (falta de água).
- Opte por cultivares com sistema radicular mais profundo, capazes de buscar água em camadas mais fundas do solo.
- Realize o plantio ou semeadura em maior profundidade do que o usual.
- Use irrigação sempre que possível e economicamente viável.
- Não utilize uma população de plantas acima da recomendada para a sua região, pois isso aumenta a competição por água.
E a dica de ouro vale para os dois cenários: monitore constantemente as condições meteorológicas da sua região.
5 Dicas para Manter a Produtividade Mesmo com o El Niño
1. Fique de Olho na Previsão do Tempo
A agricultura depende do clima. Por isso, acompanhe de perto as previsões para sua região. Isso é fundamental para planejar as atividades. Use aplicativos de celular confiáveis como Cptec/Inpe e Agritempo. Saiba se o El Niño ou a La Niña estão ativos e entenda como eles afetam sua área.
2. Conheça sua Propriedade a Fundo
Você precisa dominar as características da sua fazenda. Conheça o clima histórico da região, o tipo de solo de cada talhão e a capacidade de retenção de água. Crie um histórico de pragas e doenças: quais aparecem, em que culturas e em quais épocas. Use uma ferramenta como o Aegro para mapear essas ocorrências e entender qual manejo funciona melhor.
3. Faça um Bom Planejamento Agrícola
Com as informações do clima e da sua propriedade em mãos, você pode planejar melhor. Uma boa gestão agrícola é essencial. Não confie na memória. Use anotações, planilhas ou um software agrícola para organizar tudo. Se tiver dúvidas, veja este comparativo entre planilhas agrícolas x software.
4. Registre Todas as Suas Atividades
Anote tudo o que acontece na fazenda: custos, uso de insumos, movimentação de estoque, dados de produção. Esse registro detalhado ajuda a calcular o custo de produção real, cria um histórico valioso e facilita o planejamento da próxima safra.
5. Monitore a Lavoura de Perto
O El Niño pode criar condições ideais para certas doenças, pragas e plantas daninhas. Por isso, o monitoramento constante da lavoura é indispensável. Se identificar um problema, aja rápido para realizar o controle e proteger o potencial produtivo da sua cultura.
Conclusão
Como vimos, o El Niño no Brasil provoca mudanças significativas na temperatura e no regime de chuvas, com impactos diretos na produção agrícola.
No entanto, com informação e planejamento, é possível se preparar. Uma das dicas mais importantes é acompanhar as previsões climáticas e monitorar suas atividades agrícolas semana a semana. Lembre-se que um bom planejamento é a base para ter lucro na sua empresa rural, independentemente do clima.
Não deixe que o El Niño pegue sua propriedade de surpresa. Esteja preparado!
Atualizado em 29 de maio de 2022 por Bruna Rhorig.
Bruna é agrônoma pela Universidade Federal da Fronteira Sul, mestra em fitossanidade pela Universidade Federal de Pelotas e doutoranda em fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul na área de pós-colheita e sanidade vegetal.
Glossário
CPTEC/INPE: Sigla para Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. É um dos principais órgãos de meteorologia do Brasil, fornecendo previsões e estudos climáticos essenciais para o planejamento agrícola.
El Niño: Fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico. Causa mudanças significativas nos padrões de chuva e temperatura, como aumento de chuvas no Sul do Brasil e seca no Nordeste.
Estresse hídrico: Condição em que a planta sofre com a falta de água, ocorrendo quando a perda de água por transpiração é maior que a absorção pelas raízes. Causa a redução do crescimento e da produtividade da lavoura.
La Niña: Fenômeno climático oposto ao El Niño, caracterizado pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico. No Brasil, seus efeitos geralmente incluem secas na região Sul e chuvas mais intensas no Norte e Nordeste.
Lixiviação: Processo de “lavagem” do solo pela água da chuva ou irrigação, que carrega nutrientes solúveis, como o nitrogênio, para camadas mais profundas, deixando-os fora do alcance das raízes das plantas.
Matopiba: Acrônimo que designa uma região de expansão agrícola no Brasil, formada por partes dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA). É uma importante área produtora de grãos, como soja e milho.
Ventos alísios: Ventos constantes que sopram das regiões subtropicais em direção à linha do Equador. O enfraquecimento desses ventos é uma das principais causas do aquecimento das águas do Pacífico que dá origem ao El Niño.
Veranico: Período de estiagem (falta de chuva) acompanhado de calor intenso que ocorre durante a estação chuvosa. Pode durar vários dias ou semanas, causando estresse hídrico nas plantas em fases críticas.
Como a tecnologia ajuda a enfrentar os desafios do El Niño
Lidar com a imprevisibilidade do El Niño exige mais do que apenas acompanhar a previsão do tempo: é preciso agir rápido e de forma organizada. Em um cenário de chuvas irregulares, o registro detalhado de atividades e o monitoramento constante da lavoura se tornam cruciais. Ferramentas de gestão agrícola, como o Aegro, centralizam essas informações e permitem ajustar o planejamento de plantio ou pulverização em tempo real, diretamente do celular, para aproveitar as melhores janelas climáticas. Ao mesmo tempo, o sistema cria um histórico preciso dos custos e da produtividade de cada talhão, ajudando a entender o impacto financeiro do clima e a tomar decisões mais seguras para as próximas safras.
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Perguntas Frequentes
Qual é a principal diferença entre os efeitos do El Niño e da La Niña na agricultura do Sul do Brasil?
A diferença é marcante e oposta. O El Niño geralmente causa chuvas muito acima da média na região Sul, aumentando o risco de alagamentos, erosão e doenças fúngicas. Já a La Niña provoca o efeito contrário, com secas severas que historicamente causam grandes quebras de safra em culturas como soja e milho.
O El Niño sempre causa prejuízos para a agricultura brasileira?
Não necessariamente. Embora traga desafios, o El Niño pode ser benéfico em áreas que sofreram com secas prolongadas, como a própria região Sul após anos de La Niña. O aumento da umidade pode recarregar os reservatórios de água e o perfil do solo, favorecendo o plantio e o desenvolvimento inicial das culturas, desde que as chuvas não sejam excessivas.
Como o El Niño afeta o manejo de pragas e doenças na lavoura?
O El Niño altera as condições ambientais, favorecendo diferentes problemas fitossanitários. O excesso de umidade e calor no Sul cria um ambiente ideal para a proliferação de doenças fúngicas, como a ferrugem asiática na soja. Já em regiões com seca e calor intenso, como o Nordeste, pode haver um aumento na população de pragas como ácaros e percevejos.
Com que frequência o fenômeno El Niño costuma ocorrer?
O El Niño não tem um ciclo perfeitamente regular, mas costuma ocorrer em intervalos de 2 a 7 anos. Sua intensidade (fraca, moderada ou forte) também varia a cada ocorrência, o que torna o monitoramento constante das previsões climáticas fundamental para o planejamento agrícola a cada safra.
Quais as culturas mais vulneráveis aos impactos do El Niño no Brasil?
As culturas anuais, como soja e milho, são especialmente vulneráveis, pois o estresse hídrico (falta ou excesso de água) em fases críticas afeta diretamente a produtividade. No Sul, o trigo pode sofrer com o excesso de chuva na colheita, enquanto no Matopiba, a falta de chuva no início do ciclo da soja pode comprometer a germinação.
Para um produtor sem irrigação, qual a prática mais crucial para enfrentar a seca do El Niño no Nordeste?
A adoção do sistema de plantio direto é a prática mais recomendada e acessível. A camada de palha sobre o solo atua como uma barreira protetora, reduzindo a evaporação da água e conservando a umidade por mais tempo. Isso favorece a germinação das sementes e a sobrevivência das plantas durante os períodos de veranico.
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