Muitos produtores rurais possuem grandes áreas de várzea que podem ser aproveitadas para o cultivo de culturas de sequeiro, como a soja e o milho, em rotação com o tradicional arroz irrigado.
No entanto, um dos grandes desafios é conhecer e investir nas técnicas corretas para ter sucesso nessas áreas. É aqui que o sistema de sulcos-camalhões se destaca, permitindo que produtores alcancem altas produtividades em terras baixas, transformando um desafio em uma oportunidade lucrativa.
Vamos entender em detalhes como essa técnica funciona para culturas de sequeiro e como você pode aplicá-la para melhorar seus resultados.
O que são e quais os desafios das terras baixas?
As terras baixas, também conhecidas como áreas de várzea, são terrenos com relevo plano e altitude muito próxima ao nível do mar.
A principal característica que limita o cultivo de culturas de sequeiro nessas áreas é a drenagem deficiente do solo. Em outras palavras, a água não escoa com facilidade, o que pode encharcar as raízes e prejudicar o desenvolvimento de plantas como soja, milho ou trigo. Portanto, garantir uma boa drenagem do solo é o primeiro passo para produzir com sucesso nessas áreas.
Quando esse problema é resolvido, a rotação de culturas de sequeiro com arroz irrigado traz grandes vantagens, como:
- Manutenção do potencial produtivo do arroz;
- Quebra do ciclo de pragas e doenças que afetam o arroz;
- Melhora da qualidade química e física do solo;
- Redução da competição por nutrientes entre as plantas daninhas e a cultura principal.
Diversas culturas de sequeiro podem ser usadas na rotação com o arroz irrigado, incluindo:
Atualmente, a soja é a principal cultura de sequeiro plantada em rotação com o arroz em terras baixas no Brasil.
Como tornar o cultivo em terras baixas mais eficiente
Para que o cultivo em terras baixas seja eficiente, é fundamental corrigir suas limitações. Depois de corrigidas, as culturas de sequeiro se tornam produtivas e muito rentáveis nessas áreas de várzea. Os principais fatores limitantes que você precisa resolver são:
- A drenagem natural deficiente do solo;
- A ocorrência frequente de períodos de estiagem (falta de chuva);
- A alternância entre o excesso e a falta de umidade no solo;
- A compactação do solo, que dificulta o crescimento das raízes.
O objetivo é criar um ambiente favorável para as raízes, sem barreiras físicas que impeçam o crescimento das plantas. Quando isso é alcançado, a planta consegue expressar seu máximo potencial produtivo, resultando em uma lavoura lucrativa.
Este gráfico mostra a relação entre o rendimento de grãos, as condições físicas do solo e a nodulação (formação de nódulos fixadores de nitrogênio) na soja cultivada em terras baixas.
(Fonte: Adaptado de Sartori)
A Solução: O Sistema de Sulco-Camalhão
Para contornar as dificuldades do cultivo em terras baixas, é preciso atenção no planejamento e no manejo da lavoura. É necessário adotar técnicas que criem um ambiente mais bem drenado para as plantas.
Uma das alternativas mais eficientes para investir em áreas de várzea é o sistema de sulco-camalhão. Vamos conhecer melhor essa técnica.
O que é a técnica de sulco-camalhão?
O sistema de sulco-camalhão é uma técnica de manejo do solo que controla tanto a irrigação quanto a drenagem. Ela é especialmente indicada para áreas de relevo com pouca inclinação e solos com baixa permeabilidade, características comuns das várzeas.
A técnica consiste em construir uma espécie de “canteiro” elevado, chamado de camalhão.
- Na parte alta (camalhão): é onde as culturas de sequeiro são plantadas.
- Nos vãos (sulcos): são os canais que ficam entre os camalhões. Eles servem tanto para escoar o excesso de água da chuva (drenagem) quanto para levar água até as plantas (irrigação).
Além disso, os sulcos também servem como o caminho por onde passam os pneus das máquinas agrícolas.
Esquema de como a cultura de sequeiro é implantada no sistema sulco-camalhão.
(Fonte: Bredemeier, 2020)
Com essa técnica, você melhora a drenagem da superfície do solo e, ao mesmo tempo, consegue fazer uma irrigação complementar quando necessário. Ou seja, o mesmo sulco que drena o excesso de água também pode ser usado para irrigar.
O objetivo principal da técnica é alcançar níveis de produtividade altos e estáveis, garantindo a rentabilidade da lavoura. Ela já demonstrou excelentes resultados na produtividade da soja de sequeiro.
Como aplicar a técnica de sulco-camalhão na prática?
Para construir os sulcos-camalhões na sua área, siga estes passos:
- Suavização da área: Se o terreno tiver pequenas irregularidades, faça um nivelamento inicial.
- Descompactação do solo: Utilize um subsolador ou escarificador para quebrar camadas compactadas.
- Correção do solo: Realize a calagem para corrigir a acidez e a adubação para garantir a fertilidade.
- Construção dos camalhões: Utilize o equipamento adequado para levantar os canteiros.
- Semeadura: Plante a cultura de sequeiro na parte alta dos camalhões.
A boa notícia é que você pode usar os equipamentos que já possui na propriedade. O sistema de sulco-camalhão pode ser adotado por pequenos, médios e grandes produtores.
- Pequenos produtores: Podem usar um arado de aiveca para construir os camalhões, sempre no sentido da queda do terreno.
- Médios e grandes produtores: Existem no mercado implementos específicos para a construção dos camalhões, que otimizam o trabalho.
A figura abaixo ilustra como os camalhões são construídos.
Esquema da construção dos camalhões para o plantio.
(Fonte: Beauchamp, 1952; Silva et al. 2006)
Após a construção, a semeadura é feita com duas linhas da cultura na parte mais alta de cada camalhão. Você pode usar a semeadora que já possui, ajustando para o espaçamento recomendado para a cultura.
Resultados Comprovados: O Sulco-Camalhão na Prática
O uso da técnica de sulco-camalhão em culturas de sequeiro em terras baixas tem gerado resultados muito positivos.
Veja algumas das principais vantagens:
- Evita problemas relacionados tanto ao excesso de água (encharcamento) quanto à falta (estiagem);
- Os sulcos realizam a dupla função de drenagem e irrigação;
- Os camalhões podem ser construídos antes da semeadura ou no momento do plantio;
- O sistema é fundamental para garantir renda e estabilidade na produção de soja em terras baixas.
A safra 2019/2020, por exemplo, foi extremamente seca, causando grandes perdas de produtividade em áreas não irrigadas.
Nessa mesma safra, as áreas irrigadas com a técnica de sulco-camalhão tiveram ganhos de produtividade de até 20 sacas por hectare em comparação com as áreas de sequeiro.
Produtividade da soja na safra seca de 2019/2020: comparação entre áreas com e sem irrigação por sulco-camalhão.
(Fonte: Pipe Brasil, 2021)
Já na safra 2020/2021, as chuvas foram adequadas. Mesmo assim, as áreas irrigadas com sulco-camalhão produziram, em média, 26 sacas/ha a mais que as áreas não irrigadas, mostrando a eficiência do sistema mesmo em anos com clima favorável.
Produtividade da soja na safra 2020/2021: comparação entre áreas com irrigação por sulco-camalhão e áreas de referência não irrigadas.
(Fonte: Pipe Brasil, 2021)
O custo adicional para implantar o sistema sulco-camalhão na safra 2019/2020 foi de 3,5 sacas/ha. Na safra 2020/2021, o custo foi de 4,0 sacas/ha. Comparando o custo com o ganho de produtividade, fica claro que a técnica proporciona um excelente retorno econômico.
Custos de produção adicionais em sacas/ha para a soja nas safras 2019/2020 e 2020/2021 em áreas com sistema sulco-camalhão.
(Fonte: Pipe Brasil, 2021)
Para a soja cultivada em áreas de várzea, a técnica resolve o problema de drenagem nos períodos de encharcamento, que são muito comuns durante o ciclo vegetativo da cultura.
Este gráfico mostra que a soja cultivada em camalhões de base larga teve maior produtividade (kg/ha) em comparação com sistemas de cultivo convencional, com ou sem escarificação do solo.
(Fonte: Silva et al. 2020)
Pontos de Atenção: As Desvantagens do Sistema
Apesar dos grandes benefícios, essa técnica também apresenta alguns pontos que exigem atenção:
- Rendimento operacional: A construção dos camalhões pode ser mais lenta que o preparo convencional.
- Maior consumo de combustível: A movimentação de terra para criar os camalhões exige mais do trator.
- Dificuldade de uso em relevo irregular: A técnica funciona melhor em áreas planas ou com declive suave.
- Preparo para a cultura seguinte: Após a colheita da cultura de sequeiro, é necessário desfazer os camalhões para o plantio do arroz irrigado.
Conclusão
A drenagem eficiente do solo é a chave para o sucesso do cultivo de culturas de sequeiro, como a soja, em terras baixas que tradicionalmente são usadas para arroz irrigado.
A técnica de sulco-camalhão se apresenta como uma solução robusta e comprovada para resolver o problema de drenagem e, ao mesmo tempo, permitir a irrigação suplementar. O sistema é capaz de drenar e irrigar o solo, protegendo a lavoura tanto do excesso quanto da falta de água.
Se você possui áreas de várzea, invista no sistema de sulco-camalhão para garantir o máximo potencial produtivo da sua lavoura e aumentar a sua rentabilidade.
Glossário
Calagem: Processo de aplicação de calcário no solo para corrigir a acidez e melhorar a disponibilidade de nutrientes para as plantas. É uma etapa fundamental no preparo de áreas de várzea para o cultivo de culturas de sequeiro.
Compactação do solo: Fenômeno em que o solo se torna denso e com poucos poros, dificultando a infiltração de água e o crescimento das raízes. O uso de subsolador ou escarificador é uma prática comum para resolver este problema.
Cultivo de sequeiro: Modalidade de agricultura que depende exclusivamente da água da chuva, sem o uso de sistemas de irrigação artificial. Soja, milho e trigo são exemplos de culturas frequentemente plantadas neste sistema.
Drenagem do solo: Capacidade do solo de escoar o excesso de água, seja da chuva ou da irrigação. Em terras baixas, a drenagem deficiente é o principal fator limitante, causando encharcamento e danos às raízes.
Rotação de culturas: Prática de alternar diferentes espécies de plantas em uma mesma área a cada safra. Ajuda a quebrar o ciclo de pragas e doenças, melhora a estrutura do solo e reduz a competição com plantas daninhas.
Sacas por hectare (scs/ha): Unidade de medida de produtividade agrícola no Brasil. Para a soja, uma saca equivale a 60 kg, e um hectare corresponde a uma área de 10.000 m².
Sulco-camalhão: Sistema de manejo do solo que cria canteiros elevados (camalhões) para o plantio, separados por canais (sulcos). Os sulcos têm a dupla função de escoar o excesso de água (drenagem) e de levar água até as plantas (irrigação).
Terras baixas (ou Várzeas): Áreas de relevo plano, com baixa altitude e drenagem natural deficiente. São tradicionalmente utilizadas para o cultivo de arroz irrigado, mas podem ser adaptadas para culturas de sequeiro com as técnicas corretas.
Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios
Implementar uma técnica inovadora como o sulco-camalhão exige um planejamento preciso e um controle de custos detalhado para garantir que o aumento na produtividade se transforme em lucro. Acompanhar os gastos com combustível, mão de obra e o rendimento das máquinas é fundamental para avaliar o retorno do investimento. Softwares de gestão agrícola como o Aegro facilitam esse processo, permitindo não só o planejamento de todas as atividades no campo, mas também o registro de cada custo em tempo real. Com esses dados na mão, você pode analisar a viabilidade da operação e otimizar o manejo para as próximas safras com muito mais segurança.
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Perguntas Frequentes
O que é exatamente o sistema sulco-camalhão e como ele funciona em terras baixas?
O sistema sulco-camalhão é uma técnica de manejo que cria canteiros elevados (camalhões) para o plantio, separados por canais (sulcos). Em terras baixas, onde a drenagem é deficiente, os sulcos escoam o excesso de água da chuva, evitando o encharcamento das raízes. Além disso, esses mesmos sulcos podem ser usados para levar água à lavoura (irrigação) durante períodos de estiagem.
Qual a principal vantagem do sulco-camalhão para culturas como a soja em áreas de várzea?
A principal vantagem é o controle da umidade do solo. A técnica resolve o maior desafio das várzeas, que é a má drenagem, ao mesmo tempo que permite irrigar a plantação quando necessário. Isso protege a cultura tanto do excesso quanto da falta de água, resultando em produtividades mais altas e estáveis.
Preciso de equipamentos caros e específicos para implementar o sistema sulco-camalhão?
Não necessariamente. Embora existam implementos específicos para médios e grandes produtores, pequenos produtores podem adaptar equipamentos que já possuem, como um arado de aiveca, para construir os camalhões. O sistema é flexível e pode ser adotado por propriedades de diferentes tamanhos.
O investimento extra para adotar a técnica de sulco-camalhão realmente compensa?
Sim, os dados demonstram um excelente retorno econômico. Conforme apresentado no artigo, em safras analisadas, o custo adicional da implementação foi de cerca de 3,5 a 4 sacas por hectare, enquanto o ganho de produtividade superou 20 sacas por hectare. Esse aumento expressivo na produção torna o investimento altamente lucrativo.
Além da soja, quais outras culturas de sequeiro se beneficiam desse sistema em rotação com o arroz?
Diversas culturas de sequeiro podem ser cultivadas com sucesso no sistema sulco-camalhão. Além da soja, que é a principal, culturas como milho, sorgo, trigo, centeio e feijão se adaptam bem, aproveitando a melhoria na drenagem do solo e a possibilidade de irrigação suplementar.
Existem desvantagens ou desafios no uso do sistema sulco-camalhão que eu deva conhecer?
Sim, existem alguns pontos de atenção. A operação de construção dos camalhões pode ser mais lenta e consumir mais combustível que o preparo convencional. A técnica também é menos eficiente em terrenos irregulares e exige o desmanche dos camalhões após a colheita para preparar a área para o plantio seguinte de arroz irrigado.
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