No Rio Grande do Sul, a rotação entre soja e arroz já ocupa mais de 300 mil hectares. Essa prática se consolidou por trazer muitas vantagens, como a redução de plantas daninhas, a melhora na fertilidade do solo e, claro, um aumento significativo na rentabilidade da fazenda.
No entanto, fazer essa combinação dar certo não é tão simples. Estamos falando de duas culturas com necessidades muito diferentes, o que exige técnica e um bom planejamento.
Neste artigo, vamos detalhar os benefícios e os desafios dessa prática. Você também encontrará 3 dicas essenciais para fazer a rotação de arroz com soja gerar os melhores resultados na sua fazenda. Confira!
Por que Fazer a Rotação de Arroz com Soja?
A prática de alternar o cultivo de arroz (Oryza sativa) com outras culturas, principalmente a soja, começou nos anos 90, mas ganhou força de verdade na última década. O principal motivo para essa mudança foi o aumento na produtividade do arroz e a maior rentabilidade obtida com a venda da soja.
Além disso, a rotação é uma decisão estratégica para o fluxo de caixa, como explica o sojicultor Felipe Reichsteiner:
“Como a soja vira dinheiro na hora da colheita, a gente ganha tempo para vender o arroz por melhor preço mais tarde”.
Dessa forma, a rotação surge como uma excelente alternativa para os orizicultores, tornando a atividade cada vez mais lucrativa.
(Fonte: Foto de Paulo Rossi, Cachoeira do Sul (RS), em Globo Rural)
A rentabilidade também vem do melhor aproveitamento da terra. Estima-se que apenas um terço da área de arroz em várzea é usada de forma contínua. Muitas vezes, essas áreas ficam em pousio (descanso) por até dois anos ou são subutilizadas pela pecuária.
Contudo, para que essa rotação funcione, é fundamental ter um bom planejamento, conhecimento dos custos de produção e técnica apurada, já que as condições ideais para o arroz (várzea) e para a soja (sequeiro) são muito distintas.
Vantagens da Rotação de Arroz com Soja
De modo geral, incluir a cultura da soja na rotação com o arroz beneficia diretamente o solo, melhorando sua estrutura e fertilidade.
Além de ser um complemento financeiro importante, essa prática traz outros benefícios para o sistema produtivo:
- Melhora na ciclagem de nutrientes, aproveitando os benefícios da rotação de cultura e do preparo do solo para cada cultura.
- Controle mais eficaz de plantas daninhas, especialmente o arroz vermelho.
- Diminuição da degradação do solo a longo prazo.
- Rotação de princípios ativos de herbicidas, como no sistema Clearfield (que combina sementes tolerantes a herbicidas específicos), evitando a resistência de plantas daninhas.
- Redução de pragas e inóculos de doenças, quebrando o ciclo dos patógenos.
- Aumento expressivo na produtividade do arroz, que pode saltar de 4.000 kg para até 8.000 kg por hectare.
Desvantagens e Desafios da Rotação
Claro que manejar duas culturas com exigências tão diferentes traz grandes desafios. O arroz é tradicionalmente cultivado em solos inundados. Por isso, ao introduzir a soja, o manejo da condição física do solo se torna o principal obstáculo.
Ecossistema da produção de arroz na América Latina: Pontos azuis são lavouras irrigadas e os pontos laranjas são cultivos de sequeiro
(Fonte: Zeigler)
Dois problemas principais precisam ser considerados:
- Drenagem: É preciso avaliar a capacidade de escoamento natural da água. Áreas de topografia muito plana dificultam a drenagem, o que é prejudicial para a soja.
- Adensamento do solo: A camada superficial do solo pode ficar compactada, com uma relação inadequada entre microporos (que retêm água) e macroporos (que armazenam ar). Essa compactação prejudica a aeração e, consequentemente, a nutrição das plantas de soja.
A seguir, vamos ver como superar esses desafios em cada sistema de cultivo.
Entenda os Sistemas de Cultivo para Melhorar sua Rotação
Arroz de Sequeiro (ou Terras Altas)
Neste sistema, o arroz já é cultivado como uma cultura de abertura, geralmente em rotação. É comum usar o arroz para recuperar áreas de pastagens degradadas, pois a planta tolera bem solos ácidos e ajuda a melhorar suas condições.
Variedades lançadas pela Embrapa, algumas em parceria com o IRGA, foram desenvolvidas especificamente para rotação com feijão, milho, algodão e soja.
Para entender melhor: “Tolerante” não significa imune. Uma variedade de soja tolerante ao excesso de umidade pode sobreviver e produzir em solo mais úmido, mas sua produtividade provavelmente será menor do que em condições ideais. O risco de perda total da lavoura ainda existe em casos de encharcamento intenso e prolongado.
Arroz em Terras Baixas (Cultivo Irrigado)
(Fonte: Técnico do Agronegócio)
No sistema de cultivo irrigado, a soja pode entrar na rotação tanto na primeira safra quanto na segunda (safrinha), no lugar do milho. A rotação com pastagens também é muito comum.
Para alternar o arroz irrigado por inundação com a soja, o manejo cultural exige atenção especial. A recomendação principal é realizar até duas adubações verdes entre a colheita do arroz e o plantio da soja.
Essa prática, feita com um mix diversificado de espécies de adubo verde, melhora a estrutura do solo. As raízes dessas plantas criam canais que permitem a aeração adequada para a soja, condição essencial para uma boa nodulação.
O que é nodulação? É o processo em que bactérias fixadoras de nitrogênio formam nódulos nas raízes da soja. Esses nódulos funcionam como pequenas fábricas de fertilizante, fornecendo nitrogênio para a planta.
3 Cuidados para Obter Sucesso na Rotação Arroz-Soja
Como vimos, criar as condições ideais para duas culturas tão diferentes exige um manejo cuidadoso. Veja os três pontos principais.
1. Controle o pH do Solo
Durante o cultivo de arroz com inundação, a acidez do solo é corrigida naturalmente por um processo químico conhecido como autocalagem.
Autocalagem: Fenômeno que ocorre em solos alagados, onde a falta de oxigênio provoca reações que reduzem a acidez do solo, elevando o pH.
Processo de redução do solo que corrige a acidez
(Fonte: Aula de solos alagados, UFSM.)
No entanto, quando o solo seca para o cultivo da soja, esse efeito desaparece. Segundo a agrônoma Claudia Lange, do Irga, cerca de 75% das terras baixas do Rio Grande do Sul têm pH abaixo de 6, o que causa deficiência nutricional para a soja.
Por isso, é fundamental medir o pH do solo quando ele não estiver alagado e corrigi-lo com calagem se necessário. A recomendação é elevar o pH para 6,0, valor ideal para culturas anuais como a soja. Esse pH também ajuda a minimizar os efeitos de toxidez por Ferro, um problema comum após o cultivo de arroz irrigado.
2. Garanta uma Boa Drenagem do Solo
Solos de várzea são naturalmente densos, com baixa porosidade, o que resulta em uma velocidade de infiltração de água muito lenta. Para resolver isso, a construção de drenos e o nivelamento do terreno são práticas fundamentais.
Sistema Sulco-Camalhão
Uma técnica eficiente, usada em terras baixas nos EUA, é o sistema sulco-camalhão. Ele cria elevações no terreno (camalhões) onde a soja é plantada, intercaladas por canais (sulcos) que escoam o excesso de água. O modelo mais comum utiliza camalhões de 15 centímetros de altura, que comportam duas linhas de soja.
(Fonte: Smdema e Rycroft (1983), Beauchamp (1952) em Silva et al.)
Para que a drenagem funcione, é preciso pensar em dois níveis:
Macrodrenagem
Refere-se aos drenos maiores, escavados para coletar o excesso de água da chuva e da irrigação e levá-lo para fora da lavoura.
- Dimensionamento: Devem ser projetados de acordo com a microbacia onde a fazenda está localizada.
- Manutenção: É crucial que os drenos coletores estejam sempre limpos, bem conservados e desobstruídos para funcionarem corretamente.
Microdrenagem
São os drenos internos da lavoura, como os sulcos do sistema de camalhão.
- Planejamento: O dimensionamento depende de fatores como o tipo de solo e a intensidade das chuvas, e deve ser feito após um bom aplainamento do terreno, etapa já essencial para as plantações de arroz.
Lembre-se que a soja é muito sensível ao encharcamento. Durante seu ciclo completo, a cultura consome por evapotranspiração cerca de 830 mm de água, mas não tolera “pé molhado”.
3. Invista em Planejamento Agrícola e Gestão de Custos
Um bom planejamento agrícola é a base para o sucesso da rotação. Com ele, você garante que todas as operações aconteçam no tempo certo e da forma correta.
- Programe a semeadura: Ajuste a época de plantio da soja com base nas previsões climáticas. Semear em dezembro ou janeiro, por exemplo, pode trazer vantagens no manejo da ferrugem asiática.
- Controle os custos: Manter a gestão de custos em dia é fundamental para saber o impacto financeiro das novas práticas de manejo e verificar o que realmente compensa.
Para começar a organizar suas finanças, confira nosso artigo:
Conclusão
A rotação de arroz com soja exige um preparo cuidadoso do sistema produtivo para acomodar duas culturas com necessidades tão opostas.
Apesar do desafio, os retornos econômicos e os benefícios para o solo compensam o esforço. A soja oferece maior liquidez (dinheiro mais rápido no bolso) em comparação com o arroz, melhorando seu fluxo de caixa.
Ao dominar essa técnica, você não apenas otimiza o uso da sua terra, mas também adiciona uma importante camada de segurança à sua renda anual. Para isso, invista em um bom planejamento e em uma gestão financeira eficiente para administrar os diferentes manejos.
Com essas dicas, a rotação do cultivo de arroz e soja pode se tornar um excelente negócio para sua fazenda
Glossário
Autocalagem: Fenômeno químico que ocorre em solos inundados, onde a ausência de oxigênio provoca reações que reduzem a acidez do solo, elevando o pH naturalmente. Esse efeito é temporário e se reverte quando o solo é drenado.
Evapotranspiração: Soma da água perdida para a atmosfera pela evaporação da superfície do solo e pela transpiração das plantas. É uma medida importante para calcular a necessidade de água de uma cultura durante seu ciclo.
IRGA (Instituto Rio Grandense do Arroz): Instituição de pesquisa e extensão focada na cultura do arroz no estado do Rio Grande do Sul. Desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de tecnologias e variedades para os orizicultores da região.
Macroporos e Microporos: Espaços vazios no solo. Os macroporos são maiores, responsáveis pela aeração e drenagem da água, enquanto os microporos são menores e retêm a água disponível para as plantas. O equilíbrio entre eles é vital para a saúde das raízes.
Nodulação: Processo simbiótico que ocorre nas raízes da soja, onde bactérias do gênero Bradyrhizobium formam nódulos. Esses nódulos capturam o nitrogênio do ar e o transformam em uma forma que a planta pode usar como nutriente, funcionando como uma “fábrica” de adubo natural.
Pousio: Prática agrícola que consiste em deixar uma área de terra em descanso, sem cultivo, por um ou mais períodos. O objetivo é permitir a recuperação natural da fertilidade e da estrutura do solo.
Sistema Clearfield: Sistema de produção agrícola que combina o uso de sementes tolerantes a um grupo específico de herbicidas (inibidores da enzima ALS). Permite o controle eficaz de plantas daninhas de difícil manejo, como o arroz vermelho na lavoura de arroz.
Sistema Sulco-Camalhão: Técnica de preparo do solo que cria canteiros elevados (camalhões) para o plantio, separados por canais (sulcos) para escoamento da água. É fundamental para viabilizar o cultivo de culturas sensíveis ao encharcamento, como a soja, em áreas de várzea.
Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios
Gerenciar o planejamento e os custos de duas culturas com manejos tão distintos, como arroz e soja, é um dos maiores desafios da rotação. Um software de gestão agrícola como o Aegro ajuda a centralizar o controle financeiro e operacional, permitindo um acompanhamento preciso dos gastos de cada lavoura. Além disso, a ferramenta facilita o planejamento de todas as atividades, desde o preparo do solo até a colheita, garantindo que tudo aconteça no tempo certo e dentro do orçamento.
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Perguntas Frequentes
Qual é o principal desafio ao plantar soja em áreas tradicionalmente usadas para arroz irrigado?
O maior desafio é o manejo da condição física do solo. Solos de arroz irrigado são compactados e têm baixa drenagem, enquanto a soja é extremamente sensível ao encharcamento. Portanto, é crucial implementar sistemas de drenagem eficientes e melhorar a aeração do solo para garantir o bom desenvolvimento das raízes da soja.
Como o sistema sulco-camalhão ajuda no cultivo de soja em terras baixas?
O sistema sulco-camalhão cria canteiros elevados (camalhões) onde a soja é plantada, intercalados por canais (sulcos) que escoam o excesso de água. Essa técnica protege as raízes da soja do encharcamento, garantindo a aeração necessária para a nodulação e o desenvolvimento saudável da planta em áreas de várzea.
Se o solo alagado do arroz passa pela ‘autocalagem’, ainda preciso aplicar calcário para a soja?
Sim, a aplicação de calcário é fundamental. A autocalagem é um efeito temporário que só ocorre com o solo inundado, reduzindo a acidez. Quando o solo seca para o plantio da soja, a acidez original retorna. É essencial corrigir o pH para um nível próximo a 6,0 para evitar deficiências nutricionais na soja.
Além do retorno financeiro, quais os benefícios agronômicos da rotação arroz-soja?
Os benefícios agronômicos são significativos. A rotação melhora a estrutura e a ciclagem de nutrientes do solo, ajuda no controle eficaz de plantas daninhas difíceis como o arroz vermelho, quebra o ciclo de pragas e doenças, e permite a rotação de herbicidas, prevenindo a resistência de invasoras.
A rotação com soja pode realmente aumentar a produtividade do arroz?
Sim, o aumento de produtividade do arroz é um dos principais benefícios observados. A melhoria na fertilidade e estrutura do solo, somada à redução da pressão de plantas daninhas, pragas e doenças, cria um ambiente muito mais favorável para a lavoura de arroz subsequente, podendo dobrar a produtividade por hectare.
Por que a adubação verde é recomendada entre a colheita do arroz e o plantio da soja?
A adubação verde é crucial para descompactar o solo. As raízes das plantas de cobertura criam canais que melhoram a aeração e a drenagem do solo. Essa melhoria é essencial para a nodulação da soja, processo em que bactérias fixam nitrogênio nas raízes, fornecendo um nutriente vital para a cultura.
Como essa rotação melhora o fluxo de caixa do produtor rural?
A soja possui maior liquidez e um ciclo de venda mais rápido que o arroz. Ao colher e vender a soja, o produtor obtém um retorno financeiro imediato, o que lhe dá fôlego no caixa. Isso permite que ele armazene o arroz e espere por melhores condições de mercado para vendê-lo, maximizando a rentabilidade geral da fazenda.
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