Crambe: O Guia Completo para Cultivar essa Oleaginosa na Safrinha

Sou engenheira-agrônoma e mestra em agronomia, com ênfase em produção vegetal, pela Universidade Federal de Goiás.
Crambe: O Guia Completo para Cultivar essa Oleaginosa na Safrinha

O crambe é uma planta ainda pouco conhecida no Brasil, mas com um enorme potencial para a sua fazenda.

Popularmente, ele também é chamado de couve-etíope ou mostarda-abissínica. Sendo uma cultura de inverno, essa oleaginosa se apresenta como uma excelente alternativa para a rotação de culturas no seu sistema de produção.

Essa planta já vem sendo cultivada com sucesso em diversos estados brasileiros, e pode ser a opção que você buscava para a safrinha.

Quer entender melhor o que é o crambe e como cultivá-lo? Continue a leitura e veja o guia completo que preparamos.

Características do Crambe: O que Você Precisa Saber

O crambe é uma oleaginosa anual: significa que é uma planta que produz óleo e completa todo o seu ciclo de vida em menos de um ano. Ela pertence à mesma família de culturas conhecidas como o repolho, o brócolis, a mostarda e a canola.

Sua altura geralmente fica entre 60 cm e 1 metro. A planta possui um sistema radicular pivotante, ou seja, tem uma raiz principal mais grossa que cresce verticalmente, ajudando na busca por água em camadas mais profundas do solo. Suas folhas têm formato ovalado e uma superfície lisa.

composição de cinco painéis (A, B, C, D, E) que documentam as diferentes fases do ciclo de vida de uma planta, Crambe abyssinica – (A) e (B): Plantas em desenvolvimento; (C): Sementes germinando; (D): Detalhes da folha; (E): Florescimento* Fonte: (Colodetti et al., 2012)

O florescimento começa por volta do 35º dia após a semeadura, com uma inflorescência composta por pequenas e numerosas flores brancas.

O fruto do crambe é inicialmente verde e, conforme amadurece, adquire uma cor amarelada. Cada fruto gera apenas uma semente, com diâmetro que varia de 0,8 mm a 2,5 mm.

Uma das características mais importantes é o teor médio de óleo na semente, que chega a 38%. Além disso, a cultura tem um ciclo curto, que varia de 85 a 100 dias do plantio à colheita.

close-up de um recipiente plástico de cor clara, preenchido com uma grande quantidade de pequenas sementes **Sementes de crambe (Crambe abyssinica) Fonte: (Ministério da Agricultura, Alimentação e Assuntos Rurais de Ontário)

O Óleo de Crambe e Seus Usos

O óleo de crambe é extraído diretamente das sementes da planta e possui diversas aplicações na indústria, mas atenção: ele não é recomendado para o consumo humano.

O motivo é o seu elevado teor de ácido erúcico, uma substância que compõe de 50% a 60% do óleo. Por isso, seu uso é focado em outras áreas.

As principais aplicações do óleo de crambe são:

  • Lubrificante industrial e anticorrosivo;
  • Fabricação de nylon e plásticos;
  • Produção de borracha sintética;
  • Indústrias farmacêutica e de cosméticos.

Após a extração do óleo, o farelo que sobra é rico em proteína e pode ser utilizado na alimentação de animais ruminantes, como bovinos. No entanto, o consumo por animais não ruminantes (suínos e aves) não é recomendado.

Isso ocorre porque o farelo contém glucosinolatos: uma substância que pode ser tóxica para esses animais.

Finalmente, o óleo de crambe desponta como uma excelente alternativa para a cadeia produtiva do biodiesel. Diversas pesquisas científicas já comprovaram que ele possui alta qualidade para a produção desse combustível renovável.

Como Cultivar Crambe na Fazenda: Passo a Passo

1. Escolha da Cultivar Ideal

Atualmente, apenas uma cultivar de crambe está registrada no RNC (Registro Nacional de Cultivares), que é a lista oficial de plantas que podem ser comercializadas no Brasil, mantida pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).

  • Nome da Cultivar: FMS Brilhante (Crambe abyssinica)

A empresa FMS é a responsável pelo desenvolvimento desta cultivar e detém os direitos de comercialização das sementes.

A FMS Brilhante apresenta uma produtividade que varia de 1.000 kg/ha a 1.500 kg/ha. O teor de óleo nos grãos fica entre 36% e 38%, podendo variar conforme as condições de cultivo e o ambiente.

2. Preparo do Solo

Para o cultivo de crambe, o ideal é um solo com as seguintes características:

  • Textura média (equilíbrio entre areia, silte e argila);
  • pH entre 6,0 e 7,5;
  • Boa fertilidade do solo.

A presença de alumínio em concentrações tóxicas no solo prejudica muito o desenvolvimento das raízes e pode até inviabilizar a produção.

O crambe não tolera solos muito argilosos ou com excesso de umidade. Por isso, áreas com boa drenagem e solos profundos são os mais recomendados para o sucesso da lavoura.

3. Condições Climáticas

Sendo uma cultura de inverno, o crambe apresenta boa tolerância à seca e a geadas leves. Porém, essa tolerância não se aplica nas fases mais sensíveis da planta, que são a de plântula (logo após a germinação) e a de florescimento.

  • Temperatura ideal (fase vegetativa): entre 15°C e 25°C.
  • Temperaturas prejudiciais: abaixo de –4°C ou acima de 25°C durante a floração podem comprometer a produtividade.

4. Máquinas e Implementos Necessários

Uma grande vantagem do crambe é que seu cultivo é totalmente mecanizado e não exige a compra de equipamentos específicos.

Você pode utilizar a mesma estrutura de produção (tratores, semeadoras, pulverizadores e colheitadeiras) que já emprega nas lavouras de soja e milho.

5. Plantio e Espaçamento

A recomendação técnica para o plantio de crambe é usar de 12 kg a 15 kg de sementes por hectare.

A semeadura deve ser realizada com um espaçamento entre 17 cm e 45 cm nas entrelinhas.

6. Manejo de Plantas Daninhas

Este é um ponto de atenção: até o momento, não existem herbicidas registrados no MAPA para uso específico na cultura do crambe.

No entanto, estudos científicos já identificaram produtos que são prejudiciais à lavoura de crambe. Evite o uso de:

  • alachlor
  • pendimethalin
  • 2,4-D
  • Associações entre trifluralin, alachlor e pendimethalin.

É fundamental verificar o efeito residual dos herbicidas: a ação que o produto aplicado na cultura de verão anterior pode ter sobre a cultura seguinte. Isso é essencial para garantir que o desenvolvimento do crambe não seja prejudicado.

Alternativa de Manejo: Uma estratégia eficaz para controlar plantas daninhas é reduzir o espaçamento de plantio. Ao diminuir a distância entre as linhas, a lavoura de crambe fecha o dossel (a “copa” das plantas) mais rapidamente, sombreando o solo e dificultando o crescimento das espécies invasoras.

7. Manejo de Pragas e Doenças

O crambe geralmente não sofre com o ataque severo de muitas pragas, devido à presença de glucosinolato em suas folhas e hastes, que funciona como um repelente natural.

Contudo, a fase de plântula é a mais sensível. As principais pragas que podem atacar o crambe nesse estágio são:

A ocorrência de doenças nesta cultura de inverno é mais comum em períodos chuvosos, devido à alta umidade. As principais doenças já relatadas são:

  • Mosaico-do-nabo (Turnip mosaic virus – TuMV);
  • Podridão-negra (Xanthomonas campestris pv. campestris);
  • Damping-off ou tombamento (Fusarium sp. e Rhizoctonia solani);
  • Mancha-de-alternária (Alternaria brassicicola).

Assim como para herbicidas, até o momento não há produtos registrados no MAPA para o controle de pragas e doenças no crambe. Portanto, a principal recomendação é evitar o plantio em áreas com histórico de alta incidência de doenças e pragas.

Vantagens e Desvantagens de Cultivar o Crambe

Vantagens Principais

  • Baixo Custo de Produção: Comparado a outras culturas de inverno, o crambe exige um investimento menor, sendo uma ótima opção para a safrinha.
  • Cultivo Simplificado e Mecanizado: Você não precisa de máquinas ou implementos específicos, podendo usar o que já tem na fazenda para soja e milho.
  • Grande Potencial Produtivo: Além de proteger o solo na entressafra, gera uma produção com alto valor para a indústria.

Desvantagens a Considerar

Apesar do seu grande potencial, a principal desvantagem é a falta de mais informações técnicas detalhadas sobre o manejo da cultura.

Ainda há poucos estudos disponíveis sobre temas como:

  • Adubação específica e recomendação de nutrientes;
  • Técnicas de armazenamento de grãos;
  • Seletividade de produtos químicos (herbicidas, fungicidas, inseticidas);
  • Métodos de controle validados para pragas, doenças e plantas daninhas.

Por essa razão, evite o cultivo da oleaginosa se a sua área tiver um histórico intenso de infestação por pragas, doenças e plantas daninhas de difícil controle.

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Conclusão

O crambe, embora ainda pouco conhecido no Brasil, se mostra uma cultura com grande potencial, especialmente para a produção de biodiesel e para a rotação de culturas no sistema produtivo.

É uma excelente opção para o plantio na safrinha, apresentando um custo de produção mais baixo que outras culturas e um cultivo totalmente mecanizado com a estrutura que você já possui.

Se você está planejando seu cultivo de inverno, considere o crambe como uma alternativa viável e rentável para a sua propriedade


Glossário

  • Ácido erúcico: Componente gorduroso encontrado em alta concentração no óleo de crambe (50-60%). Essa substância o torna inadequado para consumo humano, mas excelente para usos industriais, como na produção de lubrificantes, plásticos e cosméticos.

  • Dossel: Refere-se à cobertura formada pelas folhas e galhos das plantas na lavoura. Quando o dossel se “fecha”, cria-se uma sombra que inibe o crescimento de plantas daninhas por falta de luz, sendo uma estratégia de manejo importante.

  • Efeito residual (de herbicidas): Ação prolongada de um herbicida no solo que pode afetar a cultura seguinte. É crucial conhecer o efeito residual do produto usado na cultura de verão para não prejudicar o desenvolvimento do crambe plantado na safrinha.

  • Glucosinolatos: Compostos de defesa natural presentes no crambe que funcionam como repelentes para algumas pragas. No entanto, essas substâncias podem ser tóxicas para animais não ruminantes (suínos e aves), restringindo o uso do farelo na alimentação animal.

  • MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento): Órgão do governo brasileiro que regulamenta e fiscaliza o setor do agronegócio. É o responsável pelo Registro Nacional de Cultivares (RNC), que autoriza a comercialização de sementes no país.

  • Oleaginosa: Planta cultivada principalmente pela alta concentração de óleo em suas sementes ou frutos. Assim como a soja, o girassol e a canola, o crambe é uma oleaginosa cujo óleo tem grande valor industrial.

  • Plântula: Estágio inicial de desenvolvimento da planta, logo após a germinação da semente. Nesta fase, o crambe é mais vulnerável ao ataque de pragas como a lagarta-rosca e a geadas.

  • Safrinha: Segunda safra plantada no mesmo ano agrícola, tipicamente no outono/inverno, aproveitando o final do período chuvoso. O crambe é uma cultura de ciclo curto e tolerante à seca, ideal para ser cultivado como safrinha após a colheita da soja.

  • Sistema radicular pivotante: Tipo de raiz com um eixo principal que cresce verticalmente para baixo, com raízes secundárias menores. Esse sistema permite que a planta, como o crambe, explore camadas mais profundas do solo em busca de água e nutrientes, conferindo maior resistência à seca.

Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios

Apostar em uma cultura nova como o crambe exige um controle de custos rigoroso para garantir a rentabilidade e um planejamento detalhado para o manejo, especialmente com a falta de produtos registrados. Um software de gestão agrícola como o Aegro ajuda a centralizar o acompanhamento financeiro, permitindo que você registre todas as despesas e analise o custo de produção por hectare com precisão.

Além disso, o registro de atividades e o monitoramento de pragas no sistema criam um histórico valioso. Com ele, é possível planejar as operações da safrinha com mais segurança, tomar decisões baseadas em dados concretos e otimizar o manejo a cada ciclo, garantindo que o investimento na nova cultura traga os resultados esperados.

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Perguntas Frequentes

Por que o óleo de crambe não pode ser usado para alimentação humana?

O óleo de crambe não é recomendado para consumo humano devido ao seu alto teor de ácido erúcico, que compõe entre 50% e 60% de sua composição. Essa substância pode ser prejudicial à saúde, mas confere ao óleo excelentes propriedades para aplicações industriais, como a produção de biodiesel, lubrificantes e plásticos.

O que torna o crambe uma boa opção de cultura para a safrinha?

O crambe é ideal para a safrinha por várias razões: seu ciclo curto, de 85 a 100 dias, se encaixa perfeitamente na janela de cultivo de inverno. Além disso, possui boa tolerância à seca e a geadas leves, condições comuns nesse período, e seu custo de produção é relativamente baixo em comparação com outras culturas de inverno.

Como fazer o manejo de plantas daninhas e pragas no crambe sem produtos registrados?

O manejo deve ser preventivo e cultural. Para plantas daninhas, uma estratégia eficaz é reduzir o espaçamento entre as linhas de plantio para que a lavoura feche o dossel mais rápido, sombreando o solo e inibindo a germinação de invasoras. Para pragas e doenças, a principal recomendação é evitar o plantio em áreas com histórico de alta infestação.

Preciso comprar maquinário específico para cultivar crambe?

Não, e essa é uma das grandes vantagens do crambe. Todo o cultivo é mecanizado e pode ser realizado com a mesma estrutura utilizada para as culturas de soja e milho. Você pode usar suas semeadoras, pulverizadores e colheitadeiras de grãos usuais, sem a necessidade de investimentos adicionais em equipamentos.

O farelo de crambe pode ser usado na alimentação de qualquer tipo de animal?

Não. Após a extração do óleo, o farelo que sobra é rico em proteína e pode ser utilizado com segurança na alimentação de animais ruminantes, como bovinos. No entanto, ele não é recomendado para animais não ruminantes, como suínos e aves, pois contém glucosinolatos, substâncias que podem ser tóxicas para eles.

Quais as principais vantagens de incluir o crambe na rotação de culturas?

Além de ser uma fonte de renda na entressafra, o crambe contribui para a saúde do solo. Seu sistema radicular pivotante ajuda a descompactar o solo e a reciclar nutrientes de camadas mais profundas. Como cultura de cobertura, protege o solo contra a erosão e auxilia no controle de plantas daninhas para a safra de verão seguinte.

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