Cigarra-do-Cafeeiro: Por que o Canto que Incomoda é um Alerta para sua Lavoura

Engenheira agrônoma, mestre e doutora em Ciências/Entomologia. Atualmente na gestão acadêmica do SolloAgro.
Cigarra-do-Cafeeiro: Por que o Canto que Incomoda é um Alerta para sua Lavoura

Se a cantoria das cigarras incomoda a maioria das pessoas durante os períodos mais quentes, para os produtores de café, ela deve ser um sinal de alerta imediato.

A cigarra-do-cafeeiro é uma praga que causa danos sérios e silenciosos à sua lavoura, atacando diretamente as raízes das plantas. Por isso, entender seu ciclo e como manejá-la de forma eficiente é fundamental para proteger a produtividade e a longevidade do cafezal.

Neste artigo, vamos detalhar tudo o que você precisa saber sobre essa praga, desde a identificação até as melhores estratégias de controle.

Conhecendo as Espécies de Cigarra-do-Cafeeiro

As pragas popularmente conhecidas como cigarras-do-cafeeiro pertencem à ordem Hemiptera e à família Cicadidae. As principais espécies que atacam os cafezais são:

  • Quesada gigas
  • Fidicinoides sp.
  • Carineta sp.

Apesar de todas representarem um risco, a espécie Quesada gigas é a que causa o maior dano na cultura. O motivo é simples: suas ninfas (a forma jovem do inseto) são maiores e mais vorazes, sugando a seiva das raízes de forma contínua e por um longo período.

uma fotografia macro de uma cigarra pousada em um galho de árvore. O inseto é visto de perfil, com detalhes níAdulto da espécie Quesada gigas (Fonte: UOV)

Por ser a mais agressiva, o foco do manejo deve ser controlar a Quesada gigas. Vamos entender melhor suas características e seu ciclo de vida.

O Ciclo de Vida da Quesada gigas: Entenda Onde Mora o Perigo

Para combater um inimigo, primeiro precisamos conhecer seu comportamento. O ciclo de vida da cigarra é a chave para entender por que ela é tão prejudicial.

O Canto e o Acasalamento

Uma característica marcante dessa espécie é o seu “canto”. Na verdade, esse som é produzido por órgãos que ficam no abdômen dos machos para atrair as fêmeas para a cópula.

Segundo o pesquisador da Epamig, Júlio César de Souza, existe um período específico do ano em que os adultos se dispersam para o acasalamento, que normalmente ocorre entre agosto e outubro. Esse é o momento em que a “cantoria” se intensifica e o produtor deve redobrar a atenção.

cigarra camuflada, pousada verticalmente no tronco de uma árvore jovem ou muda. O inseto possui uma colorCigarra-do-cafeeiro em planta de cafeeiro (Fonte: Café Point)

O Mito da “Cigarra que Estoura”

Ao contrário do que diz o senso comum, as cigarras não cantam até estourar. Aquelas “cascas” que encontramos nos troncos das árvores são as exúvias.

  • Exúvia: significa a “casca” ou esqueleto externo que a ninfa deixa para trás no tronco ao se transformar em um inseto adulto.

O Início do Problema: Ovos e Ninfas

Após o acasalamento, a fêmea deposita seus ovos de cor esbranquiçada e formato alongado dentro dos ramos mais finos do cafeeiro. Quando as ninfas eclodem, elas produzem um filamento de seda para descer até o solo em segurança, onde começam a procurar as raízes da planta.

É aqui que está o verdadeiro problema. As ninfas se fixam nas raízes e inserem seu aparelho bucal para sugar a seiva elaborada.

  • Seiva elaborada: significa o alimento rico em nutrientes que a planta produz nas folhas e distribui para o resto do seu corpo, incluindo as raízes.

Essa fase de alimentação subterrânea pode durar de um a dois anos, período em que as ninfas consomem continuamente a energia da planta, causando danos severos.

composição de duas fotografias que documentam o processo de ecdise (muda) de uma cigarra, mostrando sua transiNinfas móveis de Quesada gigas (Fonte: Embrapa)

Após esse longo período se alimentando, as ninfas saem do solo, deixando um pequeno orifício para trás. Elas sobem novamente no tronco do cafeeiro, onde ficam imóveis até a emergência final para a fase adulta, reiniciando todo o ciclo da praga.

Portanto, a fase que realmente causa prejuízo no cafeeiro é a de ninfas móveis no subsolo.

Sintomas e Danos: Identificando o Ataque na Lavoura

Como o ataque ocorre debaixo da terra, os primeiros sintomas podem ser sutis. Eles começam com uma fraqueza geral na parte aérea da planta, que se agrava em épocas de falta de água, pois o ataque das ninfas leva à morte das raízes.

Com o tempo, os sinais na parte aérea ficam mais claros:

  • Clorose: significa o amarelamento das folhas devido à dificuldade da planta em produzir clorofila.
  • Queda precoce das folhas.
  • Complicações na granação dos frutos, que ficam menores e de qualidade inferior.
  • Redução drástica da vida útil da lavoura.

A infestação pode atingir níveis alarmantes. Já houve relatos de se encontrar de 200 a 400 ninfas móveis em uma única cova de café. Com um ataque nesse nível, é praticamente impossível ter uma boa produção.

agricultor ou agrônomo experiente, em pé em uma lavoura de café. Ele segura um pote de vidro transparentePesquisador Júlio César de Souza com ninfas móveis encontradas em uma única cova de café na década de 80 em São Tomás de Aquino, Minas Gerais (Fonte: Rede Social do Café)

O cafeeiro é um arbusto que vai definhando à medida que a população da praga aumenta. Se não houver um controle efetivo, a lavoura para de responder aos tratos culturais habituais (como adubação e podas) e as floradas se tornam cada vez mais raras e fracas.

Dica Prática: Um bom indício da presença de cigarras é encontrar as exúvias (“cascas”) nos troncos das plantas de café ou em árvores próximas ao cafezal.

fotografia em close-up que captura a exúvia, o exoesqueleto vazio de uma cigarra, deixado para trás em um galhExúvia de cigarra (Fonte: Pixabay)

Manejo da Cigarra-do-Cafeeiro

Quando você começar a notar os sinais da presença das cigarras (canto intenso, exúvias nos troncos), é hora de iniciar o monitoramento das ninfas móveis no solo.

Passo a Passo para o Monitoramento

Para um monitoramento eficaz, siga estas etapas:

  1. Divida a lavoura em talhões: Separe a área em blocos homogêneos para facilitar a amostragem.
  2. Procure por indícios: Em cada talhão, observe a presença de orifícios de saída das ninfas no solo (próximo à copa do cafeeiro) e das exúvias nos troncos.
  3. Faça trincheiras de amostragem: Onde encontrar esses indícios, faça trincheiras em algumas covas para a contagem de ninfas. A recomendação é amostrar 10 covas por talhão.
  4. Execute a contagem: A trincheira deve ser aberta em um dos lados da planta, com profundidade suficiente para atingir a raiz principal, onde as ninfas se concentram. Conte o número de ninfas que encontrar.

composição de duas fotos que ilustram o processo de ‘chegamento de terra’ em um cafezal. No painel superior, uTrincheira feita para monitorar cigarra-do-cafeeiro (Fonte: Boletim Técnico Epamig)

Atenção: Como a trincheira é feita em apenas um lado da planta, multiplique o número de ninfas encontradas por dois. Isso fornecerá um valor aproximado do total de indivíduos naquela cova.

Nível de Controle: Quando Agir?

O nível de controle estabelecido para a cigarra Q. gigas é de 35 ninfas móveis por cova. No entanto, especialistas recomendam que o controle seja feito antes mesmo de atingir esse nível, para evitar perdas de produtividade.

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O Controle Químico

Atualmente, o único controle realmente eficiente é o químico, aplicado diretamente no solo. A aplicação deve ser feita no início do período chuvoso, momento em que a planta inicia novos enfolhamentos e o sistema radicular está mais ativo.

Os inseticidas utilizados devem ser sistêmicos.

  • Inseticidas sistêmicos: significa que o produto é absorvido pela planta e se espalha por todo o seu sistema vascular, chegando até a seiva das raízes, onde as ninfas se alimentam.

Os produtos mais indicados pertencem ao grupo químico dos neonicotinoides, disponíveis em formulações como granulado dispersível (WG), granulado (GR), suspensão concentrada (SC) ou técnico concentrado (TK).

Existem 10 produtos registrados no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) para o controle da cigarra-do-cafeeiro. Consulte sempre um engenheiro agrônomo para a recomendação do produto mais adequado para sua realidade.

uma captura de tela de uma interface de software, apresentando uma tabela detalhada de produtos agrícolas, proProdutos registrados para controle de Quesada gigas no cafeeiro (Fonte: Agrofit)

Conclusão

Quando as cigarras começam a “cantar”, o produtor de café deve estar atento. Esse som é o ponto de partida para um novo ciclo de uma praga que pode comprometer seriamente a saúde e a produção do cafezal.

Embora existam três espécies que atacam o cafeeiro, a Quesada gigas é a que exige maior atenção devido aos danos severos causados por suas ninfas. Elas se alojam no solo para sugar a seiva das raízes, enfraquecendo a planta silenciosamente por até dois anos.

O manejo correto, baseado em um monitoramento cuidadoso e na aplicação de inseticidas sistêmicos no momento certo, é a única forma de proteger sua lavoura e garantir que ela continue produtiva por muitas safras.


Glossário

  • Clorose: Amarelamento das folhas de uma planta, causado pela dificuldade em produzir clorofila. No caso do cafeeiro, é um sintoma visível de que as raízes estão sendo atacadas pelas ninfas da cigarra, comprometendo a absorção de nutrientes.

  • Exúvia: O esqueleto externo (“casca”) que a ninfa da cigarra abandona no tronco do cafeeiro após se transformar em um inseto adulto. Encontrar exúvias é um dos principais indícios da presença da praga na lavoura.

  • Inseticida sistêmico: Tipo de defensivo agrícola que, ao ser aplicado, é absorvido pela planta e distribuído por todo o seu sistema vascular (seiva). É o método de controle mais eficaz para a cigarra, pois o veneno chega até as raízes onde as ninfas se alimentam.

  • Ninfas: Fase jovem e imatura das cigarras, que vive no subsolo. É nesta fase que a praga causa danos, pois as ninfas se fixam nas raízes do cafeeiro para sugar a seiva, enfraquecendo a planta.

  • Nível de Controle (NC): Densidade populacional de uma praga a partir da qual as medidas de controle devem ser aplicadas para evitar prejuízos econômicos. Para a cigarra Quesada gigas, o NC é de aproximadamente 35 ninfas por cova de café.

  • Seiva elaborada: Líquido rico em açúcares e nutrientes produzido pela planta nas folhas (através da fotossíntese) e distribuído para as demais partes, como o caule e as raízes. É o principal alimento das ninfas da cigarra-do-cafeeiro.

  • Talhão: Uma subdivisão de uma área agrícola, delimitada para facilitar o manejo e o monitoramento. Dividir a lavoura de café em talhões permite uma amostragem mais precisa da infestação de cigarras.

Como a tecnologia facilita o manejo da cigarra-do-cafeeiro

O monitoramento e o controle da cigarra-do-cafeeiro, como vimos, exigem um acompanhamento detalhado — da contagem de ninfas no solo à aplicação estratégica de defensivos. Depender de anotações em papel ou planilhas desconectadas torna esse processo lento e suscetível a erros, o que pode custar caro para a lavoura.

Softwares de gestão agrícola, como o Aegro, foram desenvolvidos para resolver exatamente esse desafio. A ferramenta permite registrar os dados do monitoramento diretamente no campo pelo celular, criando um histórico preciso por talhão. Com base nessas informações, fica mais fácil planejar as aplicações de inseticidas, controlar o estoque de produtos e, principalmente, calcular o custo exato do manejo. Essa organização garante que as decisões sejam tomadas no momento certo e com base em dados concretos, protegendo a saúde do cafezal e a rentabilidade do negócio.

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Perguntas Frequentes

Por que a cantoria das cigarras é um sinal de alerta para os cafeicultores?

A cantoria das cigarras indica o período de acasalamento dos adultos. Após a cópula, as fêmeas depositam ovos nos ramos do cafeeiro, que darão origem às ninfas. Portanto, o som intenso é um aviso de que um novo ciclo de infestação está começando, e é o momento ideal para iniciar o monitoramento da lavoura.

Qual é a fase da cigarra que realmente causa dano ao cafezal e por quê?

A fase que causa o dano real é a de ninfa. Após eclodirem, as ninfas descem para o solo e se fixam nas raízes do cafeeiro, onde sugam a seiva elaborada por um a dois anos. Esse ataque contínuo e subterrâneo rouba a energia da planta, causando seu enfraquecimento e queda de produtividade.

Como posso confirmar a presença da cigarra no cafezal antes que os danos visíveis apareçam?

Os primeiros indícios práticos são a presença das exúvias (as ‘cascas’ que as ninfas deixam nos troncos ao se tornarem adultas) e a observação de pequenos orifícios no solo, próximos ao pé de café. Para confirmar a infestação, é preciso fazer trincheiras de amostragem no solo para realizar a contagem direta das ninfas nas raízes.

Por que o controle químico da cigarra-do-cafeeiro deve ser feito no início das chuvas?

A aplicação no início do período chuvoso é estratégica por duas razões. Primeiro, a umidade do solo facilita a absorção do inseticida sistêmico pelas raízes. Segundo, é nesse período que o sistema radicular da planta está mais ativo, o que garante uma distribuição mais eficiente do produto por toda a planta, atingindo as ninfas que se alimentam da seiva.

É possível controlar a cigarra-do-cafeeiro sem usar produtos químicos?

Atualmente, devido ao hábito subterrâneo e ao longo ciclo de vida das ninfas, o controle químico com inseticidas sistêmicos é considerado o único método comercialmente viável e eficiente para infestações estabelecidas. Alternativas como o controle biológico ainda estão em estudo e não possuem eficácia comprovada para o manejo em larga escala.

O que significa ’nível de controle’ e por que é importante agir antes de atingi-lo?

O nível de controle (NC) é a densidade da praga (cerca de 35 ninfas por cova) em que os prejuízos econômicos se tornam inevitáveis. Esperar atingir esse número significa que a lavoura já está sofrendo perdas significativas de produtividade. Por isso, especialistas recomendam iniciar o manejo assim que a presença da praga for confirmada, para prevenir danos maiores e proteger o potencial produtivo do cafezal.

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