A legislação brasileira sobre financiamento agrícola, principalmente sobre os títulos de crédito do agronegócio, passou por grandes mudanças com a Lei 13.986/2020, mais conhecida como a Lei do Agro.
Essas alterações já estão impactando a rotina de produtores rurais e de todos que financiam a cadeia agrícola, como cooperativas, tradings e fornecedores de insumos.
É fundamental entender não apenas as mudanças práticas do dia a dia, mas também o cenário geral e os prováveis impactos futuros na forma como você busca recursos para sua lavoura.
Por isso, a AgroSchool e a Bart Digital prepararam este artigo especial para o Blog do Aegro, explicando em detalhes as alterações na CPR (Cédula de Produto Rural). Acompanhe!
O Mercado de Crédito no Agronegócio Brasileiro
Antes de detalhar as mudanças na CPR, é importante entender o contexto. As novas regras criaram novas possibilidades para o mercado financiar o campo.
O agronegócio brasileiro é uma atividade que exige muito capital, seja para custeio da safra (capital de giro), compra de máquinas (investimento), comercialização ou para contratar um seguro agrícola.
No caso do capital de giro, por exemplo, o dinheiro investido hoje só se transformará em receita após o ciclo da cultura, o que pode levar cerca de 9 meses.
Embora não existam números oficiais, o cenário de financiamento direto ao produtor se divide aproximadamente assim:
- 30% vêm de recursos subsidiados pelo governo, através do Plano Safra.
- 40% vêm do capital do próprio produtor rural.
- Os 30% restantes são supridos pelo mercado privado, como fornecedores de insumos (vendas a prazo), tradings, bancos e o mercado de capitais.
As recentes alterações nos títulos de crédito do agronegócio fazem parte de um movimento do governo para incentivar a participação de empresas privadas no financiamento agrícola, diminuindo a dependência do setor em relação aos recursos públicos.
Esse processo não é novo. Ele começou com a criação da CPR em 1994. Em 2000, a CPR passou a permitir a liquidação financeira (pagamento em dinheiro). Já em 2004, a Lei 11.076 criou outros títulos, como o CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), que abriu mais uma porta para a captação de recursos.
Agora, vamos focar na CPR, um dos títulos mais importantes para o crescimento do agronegócio.
O Que é a CPR e o Que Mudou?
A CPR (Cédula de Produto Rural) é um título de crédito. Ou seja, é um documento que formaliza uma promessa de entrega futura de produtos rurais (como sacas de soja) ou o pagamento em dinheiro correspondente, como forma de quitar um financiamento.
É importante diferenciar o título da garantia. A garantia (seja um penhor, uma hipoteca ou uma alienação fiduciária) é algo extra, que está vinculada ao título para dar mais segurança ao credor.
Em outras palavras: Pense na CPR como o seu dedo e na garantia como a unha. O dedo (a dívida) existe sem a unha (a garantia), mas a unha não existe sem o dedo. A obrigação principal é a CPR.
De forma geral, as mudanças da Lei 13.986/2020 buscaram modernizar a CPR e aumentar a segurança para quem empresta o dinheiro. O objetivo é dar mais clareza sobre a quantidade de títulos de crédito emitidos pelo setor, reduzindo a falta de informação no mercado.
Um dos pontos mais discutidos dessa mudança é o processo de registro da CPR. Veja o que mudou.
Registro em Cartório
A Lei do Agro alterou a dinâmica do registro. A principal mudança é:
- O que mudou: O registro da CPR em si no Cartório de Registro de Imóveis não é mais obrigatório para que ela tenha validade contra terceiros.
- O que não mudou: As garantias vinculadas à CPR, como hipoteca e penhor rural, continuam precisando de registro no Cartório de Registro de Imóveis. A alienação fiduciária também precisa ser registrada no cartório competente.
Resumindo: se a sua CPR não tiver uma garantia que exige registro, o título em si não precisa mais ir ao cartório para ser válido. No entanto, foi criado um novo tipo de registro obrigatório.
Registro Centralizado
Esta é, talvez, a mudança de maior impacto na rotina de quem emite e recebe CPRs.
A lei tornou obrigatório o registro da CPR em uma entidade registradora ou depositária central, autorizada pelo Banco Central. O objetivo é criar uma base de dados única, aumentando a transparência das operações para todo o mercado financeiro.
Essa obrigatoriedade está sendo implementada em etapas:
- Desde 1º de janeiro de 2021: CPRs com valor igual ou superior a R$ 1 milhão.
- A partir de 1º de julho de 2021: CPRs com valor igual ou superior a R$ 250 mil.
- A partir de 1º de julho de 2022: CPRs com valor igual ou superior a R$ 50 mil.
- A partir de 1º de janeiro de 2024: TODAS as CPRs, independentemente do valor.
Atenção: Este registro deve ser feito em até 10 dias úteis após a data de emissão ou de qualquer alteração (aditamento) do título.
Para permitir a consulta dessas informações, a partir de 1º de julho de 2021, as entidades registradoras devem oferecer um mecanismo online. A consulta, no entanto, só poderá ser feita por terceiros que tenham autorização expressa do produtor rural (emissor).
Formato Eletrônico e Assinaturas
Outra modernização importante é a permissão expressa para o uso de assinaturas eletrônicas na CPR. Isso aumenta a agilidade das operações, algo que os credores buscavam há tempos.
Aqui, a regra depende da existência de garantia:
- CPR com garantia que exige registro em cartório: Nestes casos, os documentos enviados ao cartório devem ser assinados com um certificado digital no padrão ICP-Brasil.
- CPR sem garantia registrável: A Cédula pode ser assinada eletronicamente sem a necessidade do certificado digital ICP-Brasil.
Apesar da possibilidade de usar assinaturas de próprio punho, o prazo curto de 10 dias úteis para o registro centralizado torna o processo de assinatura eletrônica muito mais recomendável e eficiente.
Novas Informações Obrigatórias na CPR
Em CPRs de produto físico (entrega de grãos, por exemplo), nem sempre o valor em reais está claro no documento. Para resolver isso e definir se o título precisa de registro centralizado, foi criado o Valor Referencial de Emissão.
- Valor Referencial de Emissão: é o valor da CPR em reais no dia da sua emissão, calculado para definir a necessidade de registro.
O cálculo é simples:
Quantidade do produto especificado na CPR
x Preço do produto (do dia útil anterior à emissão)
O preço deve vir de uma fonte de informação pública e confiável, definida previamente entre as partes.
Além disso, a CPR agora deve conter obrigatoriamente as seguintes informações:
- O valor referencial de emissão, com a indicação do preço e da data de sua apuração.
- A identificação da instituição usada como referência de preço e a praça ou mercado de formação desse preço.
O Que o Produtor Rural Deve Esperar?
O mercado ainda está se adaptando, mas essas mudanças vieram para ficar e vão se intensificar. O melhor a fazer é se preparar.
Aqui estão três pontos fundamentais:
Esteja preparado para o mundo digital. A pandemia acelerou essa transição. Providencie seu certificado digital (e-CPF) no padrão ICP-Brasil, e também o de seu cônjuge, se necessário. Ele é fundamental para assinar documentos que vão para cartório e agiliza todos os processos.
Suas informações de crédito estarão centralizadas. Com o registro obrigatório, as informações sobre o seu endividamento ficarão consolidadas nessas entidades. Em breve, credores e autoridades poderão consultar esses dados para fazer análises de crédito, tornando o processo mais transparente.
Novas fontes de financiamento surgirão. A modernização da legislação aproxima o campo do mercado de capitais. Isso significa mais opções de financiamento no futuro, diminuindo a dependência dos recursos do governo. Prepare a governança interna da sua fazenda para acessar essas novas modalidades de captação.
Conclusão
A Lei do Agro é um marco importante no processo de modernização do financiamento agrícola brasileiro, trazendo impactos diretos para toda a cadeia.
Neste artigo, explicamos as principais mudanças na Cédula de Produto Rural (CPR), como o fim da obrigatoriedade do registro em cartório para o título e a criação do registro centralizado, que será obrigatório para todas as CPRs até 2024.
Adaptar-se a essas novas regras, especialmente à digitalização dos processos, é fundamental para garantir o acesso ao crédito e aproveitar as novas oportunidades que surgirão no mercado.
Esperamos que este guia tenha esclarecido os pontos principais para você se adequar a todas essas mudanças
Glossário
Certificado digital (ICP-Brasil): Uma identidade eletrônica para pessoas físicas (e-CPF) ou jurídicas (e-CNPJ) que permite assinar documentos digitais com validade jurídica. É como um reconhecimento de firma feito online, essencial para registrar garantias de crédito em cartório.
CPR (Cédula de Produto Rural): Um título de crédito que formaliza a promessa de entrega futura de um produto agrícola (ex: sacas de soja) ou o pagamento em dinheiro equivalente para quitar um financiamento. Funciona como uma nota promissória do agronegócio.
CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio): Um título de investimento lastreado em negócios do agronegócio, como financiamentos a produtores. É um mecanismo que permite que investidores do mercado de capitais financiem a cadeia produtiva do agro.
Entidade registradora ou depositária central: Instituição autorizada pelo Banco Central para centralizar e registrar as informações das CPRs emitidas no país. Seu objetivo é aumentar a transparência e a segurança das operações de crédito agrícola.
Lei do Agro (Lei 13.986/2020): Legislação que modernizou as regras de financiamento do agronegócio no Brasil. Suas principais mudanças visam facilitar o acesso ao crédito privado, digitalizar processos e aumentar a segurança jurídica, com foco especial na CPR.
Penhor rural / Hipoteca: Tipos de garantia que podem ser vinculados a uma CPR para dar mais segurança ao credor. O penhor geralmente incide sobre bens móveis (como a safra futura ou maquinário), enquanto a hipoteca incide sobre bens imóveis (a terra da fazenda).
Títulos de crédito do agronegócio: Documentos financeiros que representam uma dívida e formalizam uma obrigação de pagamento futuro, como a CPR e o CRA. São as principais ferramentas para a circulação de crédito no setor.
Valor Referencial de Emissão: O valor monetário (em reais) de uma CPR na data de sua emissão, calculado com base na quantidade do produto e seu preço de mercado. Esse valor é usado para definir se a CPR precisa ser registrada obrigatoriamente no sistema centralizado.
Veja como o Aegro pode ajudar a superar esses desafios
A transição para o mundo digital e a necessidade de uma governança financeira mais robusta, como exigido pela Lei do Agro, são desafios reais para o produtor. Organizar documentos como as CPRs e ter uma visão clara do endividamento da fazenda é fundamental para acessar as novas linhas de crédito com mais segurança.
Um software de gestão agrícola como o Aegro foi projetado para simplificar essa modernização. Ele centraliza todas as informações financeiras e operacionais, desde o controle de custos até a gestão de contratos de financiamento. Isso não só facilita o cumprimento das novas regras de registro, mas também gera relatórios precisos que demonstram a saúde financeira do negócio para os credores, aumentando as chances de obter crédito com melhores condições.
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Perguntas Frequentes
Qual é a principal mudança que a Lei do Agro trouxe para a Cédula de Produto Rural (CPR)?
A mudança mais impactante foi a criação do registro obrigatório da CPR em uma entidade registradora central autorizada pelo Banco Central. Essa medida visa aumentar a transparência das operações de crédito no agronegócio, centralizando as informações e atraindo mais investidores privados para financiar o setor.
Com a nova lei, o registro da CPR em cartório deixou de ser necessário?
Depende. O registro da CPR em si no Cartório de Registro de Imóveis não é mais obrigatório para que ela tenha validade. No entanto, se a CPR tiver garantias vinculadas, como penhor rural ou hipoteca, essas garantias continuam precisando ser registradas no cartório para terem efeito contra terceiros.
Preciso de um certificado digital (e-CPF) para assinar todas as CPRs eletronicamente?
Não necessariamente. A assinatura com certificado digital padrão ICP-Brasil é obrigatória apenas para CPRs com garantias que exigem registro em cartório. Para CPRs sem esse tipo de garantia, é permitida a assinatura eletrônica simples, sem a necessidade do certificado, o que agiliza o processo.
O que acontece se eu não fizer o registro centralizado da CPR no prazo de 10 dias úteis?
A lei tornou o registro centralizado um requisito para a validade e eficácia da CPR. Não realizar o registro dentro do prazo estabelecido pode comprometer a segurança jurídica do título, dificultando sua negociação no mercado e a execução da dívida pelo credor em caso de inadimplência.
O que é o ‘Valor Referencial de Emissão’ e por que ele foi criado?
O Valor Referencial de Emissão é o valor da CPR em reais no dia de sua emissão, calculado multiplicando a quantidade do produto pelo seu preço de mercado. Ele foi criado para definir a necessidade de registro centralizado, conforme os valores estabelecidos nas fases de implementação da lei, e para dar mais clareza financeira ao título.
Com o registro centralizado, qualquer pessoa poderá consultar minhas dívidas de CPR?
Não. A privacidade do produtor é protegida. Segundo a lei, a consulta das informações da sua CPR por terceiros (como outros credores ou bancos) só pode ser realizada com a sua autorização expressa. O objetivo é a transparência para o mercado, mas com controle do emissor sobre seus dados.
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