A broca-da-cana-de-açúcar é uma das principais pragas da cultura, presente em praticamente todas as regiões produtoras do Brasil e das Américas.
A presença dela no canavial pode causar perdas diretas na produtividade e também afetar a qualidade do produto final, tanto para a produção de açúcar quanto de etanol.
Mas como você pode identificar essa praga com certeza? Qual parte da planta ela realmente ataca e, mais importante, como fazer um controle que realmente funciona?
Continue lendo para entender o ciclo da broca-da-cana e as melhores estratégias de manejo.
A Importância da Broca-da-Cana no Canavial
Esta praga pertence à ordem Lepidoptera, o grupo das borboletas e mariposas. As duas espécies mais comuns são a Diatraea saccharalis e a Diatraea flavipennella. A primeira é encontrada em todo o Brasil, enquanto a segunda aparece com mais frequência na região Nordeste.
Neste guia, vamos focar na mais disseminada: a Diatraea saccharalis.
Como Reconhecer a Praga em Cada Fase
1. Adulto (Mariposa): A mariposa tem uma coloração amarelo-palha. Suas asas da frente possuem pequenas manchas escuras, enquanto as asas de trás são brancas.
Adulto de Diatraea saccharalis. Esta mariposa é a fase adulta da principal praga da cultura da cana.
(Fonte:Invasive.org)
2. Ovos: Os ovos são postos nas folhas, tanto na parte de cima (adaxial) quanto na de baixo (abaxial). Eles são depositados em grupos e de forma imbricada, ou seja, sobrepostos parcialmente, como escamas de peixe.
Ovos de broca-da-cana podem ser encontrados em ambos os lados das folhas.
(Fonte: Panorama Fitossanitário)
3. Lagarta (Fase de Dano): Após saírem dos ovos, as lagartas pequenas têm uma cor branco-leitosa com pontos escuros ao longo do corpo. Inicialmente, elas ficam nas folhas e se alimentam raspando o parênquima foliar, que é o tecido interno da folha.
Entre a segunda e a terceira fase de desenvolvimento (ínstar), as lagartas migram para o colmo da cana e o perfuram. Dentro do colmo, elas se alimentam do conteúdo interno, abrindo galerias que prejudicam a planta.
Lagarta de Diatraea saccharalis se alimentando dentro do colmo, onde causa os maiores danos.
(Fonte: Agro Bayer)
O ciclo completo da broca-da-cana dura cerca de 90 dias. Isso significa que, em um ano, podem ocorrer de quatro a cinco gerações da praga na mesma lavoura, aumentando o potencial de dano.
Danos Diretos e Indiretos Causados pela Broca
Os prejuízos causados por esta praga são divididos em duas categorias: diretos e indiretos.
Danos Diretos
São os estragos causados diretamente pela alimentação da lagarta no colmo. Ao abrir galerias longitudinais e transversais, a praga:
- Impede o fluxo de seiva, dificultando a nutrição da planta.
- Enfraquece o colmo, que pode quebrar ou tombar com a ação do vento.
- Causa perda de peso do material a ser colhido.
- Provoca a morte das gemas, prejudicando a rebrota (cana-soca).
- Leva ao secamento dos ponteiros, sintoma conhecido como “coração morto”.
- Estimula o enraizamento aéreo e brotações laterais, que desviam a energia da planta.
Sintomas dos danos diretos causados pela broca-da-cana, como o “coração morto” e brotações laterais.
(Fonte: Manual de Identificação de Pragas da Cana)
Danos Indiretos
Os furos abertos pela lagarta servem como porta de entrada para microrganismos, como os fungos Colletotrichum falcatum e Fusarium moniliforme. Esses fungos causam doenças como a podridão vermelha, que gera mais prejuízos:
- Redução da pureza do caldo: os fungos causam a inversão da sacarose, ou seja, quebram a molécula de açúcar, diminuindo o rendimento industrial.
A podridão vermelha é um dano indireto grave, pois compromete a qualidade do caldo.
(Fonte: Manual de Identificação de Pragas da Cana)
Como Fazer o Controle Eficaz da Broca-da-Cana
Controlar uma praga que passa a maior parte da vida protegida dentro do colmo pode parecer um desafio. No entanto, existem vários métodos eficientes que, quando combinados dentro de um programa de Manejo Integrado de Pragas (MIP), garantem ótimos resultados.
O primeiro passo para qualquer controle é o monitoramento correto da lavoura.
1. Monitoramento: O Ponto de Partida
A decisão de controlar a praga deve ser baseada no nível de infestação real no campo. Para isso, é preciso realizar o levantamento amostral cortando colmos de cana.
- Quando monitorar: Faça o levantamento de 2 a 4 meses após o plantio (na cana-planta) ou após o corte anterior (na cana-soca).
- Como amostrar: A recomendação é seguir um esquema de amostragem em mosaico, conforme o modelo abaixo:
- Estabeleça dois pontos de amostragem por hectare.
- Em cada ponto, avalie duas ruas de 5 metros cada (totalizando 10 metros por ponto).
- Mantenha uma distância de
50 m x 100 m
entre os pontos. - Colete aproximadamente 100 colmos por talhão para uma análise representativa.
Exemplo de esquema de levantamento populacional da broca-da-cana em mosaico.
(Fonte: Socicana)
Após a coleta, calcule a Intensidade de Infestação (IF). Para isso, conte o número total de internódios (gomos) e o número de internódios atacados, e aplique a fórmula:
IF (%) = (Número de internódios atacados / Número total de internódios) x 100
Nível de Ação: Se a Intensidade de Infestação (IF) for igual ou maior que 3%, é hora de iniciar as medidas de controle.
2. Controle Biológico
Quando a infestação atinge o nível de ação, o controle biológico é uma das estratégias mais eficazes.
- Cotesia flavipes: Esta vespa parasitoide é o principal inimigo natural usado no controle. Ela coloca seus ovos dentro da lagarta da broca, matando-a. Muitas usinas possuem suas próprias biofábricas, mas o produto também está disponível comercialmente. A quantidade a ser liberada depende do nível de infestação.
A vespa Cotesia flavipes parasitando uma lagarta da broca-da-cana.
(Fonte: Defesa Vegetal)
Tabela com informações de bula para liberação de Cotesia Biocontrol, disponível no Agrofit.
(Fonte: Agrofit)
- Trichogramma galloi: É uma microvespa que parasita os ovos da broca, impedindo que as lagartas nasçam. Existem vários produtos comerciais registrados no MAPA (Agrofit) à base deste parasitoide.
Trichogramma galloi agindo sobre os ovos da broca-da-cana.
(Fonte: Defesa Vegetal)
O uso combinado desses dois parasitoides pode controlar até 60% da infestação da broca-da-cana. Além disso, é fundamental conservar outros inimigos naturais já presentes no canavial.
3. Controle Cultural
Práticas de manejo no dia a dia também ajudam a reduzir a população da praga antes que ela atinja o nível de dano econômico.
- Eliminar plantas hospedeiras: Remova outras plantas daninhas ou “tigueras” que possam abrigar a praga.
- Corte da cana sem desponte: Essa prática ajuda a remover partes da planta onde a praga pode estar.
- Moagem rápida da cana: Processar a cana colhida rapidamente reduz a sobrevivência das lagartas que estão nos colmos.
4. Uso de Variedades Resistentes
Plantar variedades com maior tolerância ou resistência à broca é uma excelente estratégia de prevenção. Um exemplo é a variedade CTC9001BT, aprovada pela CTNBio em 2018. Essa variedade transgênica produz uma proteína que é tóxica para a lagarta.
5. Controle Químico
O controle químico não atinge a broca quando ela já está dentro do colmo. No entanto, ele pode ser uma ferramenta útil para controlar as lagartas neonatas, que são as lagartas recém-nascidas.
Logo após saírem dos ovos, as lagartas passam de 2 a 6 dias se alimentando por raspagem nas folhas. É nesse curto período que a aplicação de inseticidas é eficaz.
Existem 45 produtos registrados no MAPA para o controle de Diatraea saccharalis, que podem ser consultados no site Agrofit.
Lista de produtos registrados no MAPA para controle da broca-da-cana.
(Fonte: Agrofit)
Importante: Dê preferência a inseticidas seletivos, que controlam a praga com menor impacto sobre os inimigos naturais presentes na área. Além disso, faça a rotação de ingredientes ativos para evitar a seleção de insetos resistentes.
Exemplos de inseticidas mais seletivos:
- Altacor (clorantraniliprole)
- Atabron (clorfluazuron)
- Certero (triflumuron)
- Mimic (tebufenozida)
- Rimon (novaluron)
Sempre leia a bula para verificar as doses e recomendações de aplicação de cada produto e consulte um engenheiro agrônomo.
Conclusão
A broca-da-cana é, sem dúvida, a principal praga da cana-de-açúcar, com potencial para causar danos diretos e indiretos que afetam tanto a produtividade quanto a qualidade industrial.
Como a lagarta fica protegida dentro do colmo na maior parte de seu ciclo, o monitoramento constante é a ferramenta mais importante para decidir o momento certo de agir.
Como você viu, o controle não depende de uma única solução. A combinação de estratégias dentro do Manejo Integrado de Pragas — controle biológico, práticas culturais, variedades resistentes e o uso criterioso do controle químico — é o caminho para manter a população da praga sob controle.
Com essas informações, você está mais preparado para fazer o manejo adequado da broca-da-cana e proteger sua lavoura de grandes prejuízos.
Glossário
Cana-soca: Refere-se à rebrota da cana-de-açúcar após o corte, originando um novo ciclo produtivo a partir da touceira remanescente. O monitoramento nesta fase é crucial para o controle da broca.
Colmo: O caule principal da cana-de-açúcar, onde a planta armazena a sacarose. É a parte da planta perfurada pela lagarta da broca, causando os danos diretos mais severos.
“Coração morto”: Sintoma visual do ataque da broca, que ocorre quando a lagarta danifica o ponto de crescimento da planta. Caracteriza-se pelo secamento da folha central (ponteiro), que pode ser facilmente arrancada.
Imbricada: Termo usado para descrever a postura dos ovos da broca, que são depositados em grupos e parcialmente sobrepostos, de forma semelhante a escamas de peixe ou telhas.
Ínstar: Cada uma das fases de desenvolvimento da lagarta entre duas trocas de pele. A broca-da-cana migra das folhas para o interior do colmo entre o segundo e o terceiro ínstar.
Inversão da sacarose: Processo químico no qual a molécula de sacarose é quebrada em açúcares mais simples (glicose e frutose). É causada por fungos que entram pelo furo da broca, diminuindo a qualidade e o rendimento industrial do açúcar.
Intensidade de Infestação (IF): Métrica percentual que indica o nível de dano da broca na lavoura. É calculada pela divisão do número de internódios (gomos) atacados pelo número total de internódios avaliados.
Manejo Integrado de Pragas (MIP): Estratégia que combina diferentes métodos de controle (biológico, cultural, químico, etc.) de forma sustentável. O objetivo é manter as pragas abaixo do nível de dano econômico, minimizando os impactos ambientais.
Parasitoide: Inseto que deposita seus ovos dentro ou sobre outro inseto (o hospedeiro). Suas larvas se desenvolvem alimentando-se do hospedeiro, que inevitavelmente morre, como fazem as vespas Cotesia e Trichogramma com a broca-da-cana.
Simplificando o controle da broca-da-cana com gestão digital
O monitoramento constante é a base para controlar a broca-da-cana, mas registrar dados de campo e calcular a Intensidade de Infestação (IF) manualmente pode ser complexo e demorado. Da mesma forma, gerenciar os custos de cada aplicação dentro de um plano de Manejo Integrado de Pragas (MIP) é um desafio para a rentabilidade da lavoura.
Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza essas tarefas em um só lugar. Pelo celular, você pode registrar os dados de monitoramento diretamente no talhão, criando um histórico preciso que facilita a decisão sobre o momento ideal para o controle. Além disso, o sistema automatiza o controle de custos das operações, desde a compra de insumos até a aplicação, mostrando o impacto de cada ação na lucratividade final.
Quer transformar o manejo de pragas em um processo mais organizado e rentável?
Experimente o Aegro gratuitamente e descubra como a gestão digital pode proteger seu canavial e seu bolso.
Perguntas Frequentes
Qual é a fase da broca-da-cana que realmente causa dano à lavoura?
A fase de maior dano é a de lagarta. Após sair dos ovos, a lagarta se alimenta das folhas e, em seguida, perfura o colmo da cana para se alimentar internamente. Essa ação abre galerias que interrompem o fluxo de seiva, enfraquecem a planta e servem como porta de entrada para doenças.
O que significa o sintoma de ‘coração morto’ na cana-de-açúcar?
O ‘coração morto’ é um sintoma visual claro do ataque da broca. Ele ocorre quando a lagarta danifica o ponto de crescimento apical da planta, causando o secamento da folha central (ponteiro). Essa folha seca pode ser facilmente arrancada, indicando um dano interno severo.
Quando devo iniciar as medidas de controle contra a broca-da-cana?
A decisão de controlar a praga deve ser baseada no monitoramento e no cálculo da Intensidade de Infestação (IF). O nível de ação recomendado é quando a IF atinge ou ultrapassa 3%. Iniciar o controle nesse momento evita que os danos causem prejuízos econômicos significativos.
Qual a diferença entre o controle biológico com Cotesia flavipes e Trichogramma galloi?
A principal diferença está no alvo de cada parasitoide. A vespa Cotesia flavipes ataca a fase de lagarta, depositando seus ovos dentro dela. Já a microvespa Trichogramma galloi ataca os ovos da broca, impedindo que as lagartas cheguem a nascer. O uso combinado dos dois é uma estratégia muito eficaz dentro do MIP.
O controle químico funciona se a lagarta já estiver dentro do colmo da cana?
Não. O controle químico só é eficaz contra as lagartas recém-nascidas (neonatas), que ficam expostas nas folhas por um curto período antes de perfurar o colmo. Uma vez que a lagarta penetra na planta, ela fica protegida e os inseticidas de contato ou ingestão não conseguem mais atingi-la.
Por que a broca-da-cana diminui a qualidade do açúcar e do etanol?
Os furos abertos pela lagarta permitem a entrada de fungos que causam a podridão vermelha. Esses microrganismos provocam a ‘inversão da sacarose’, um processo que quebra a molécula de açúcar em glicose e frutose. Isso reduz a pureza do caldo e, consequentemente, o rendimento industrial tanto de açúcar quanto de etanol.
Artigos Relevantes
- Soqueira da cana-de-açúcar: 5 dicas para garantir mais rentabilidade: Este artigo é o complemento mais direto, pois aprofunda um dano específico mencionado no texto principal: o prejuízo à rebrota (cana-soca). Ele oferece um guia completo sobre como manejar a soqueira para maximizar sua longevidade e produtividade, transformando um ponto de vulnerabilidade em uma área de otimização e rentabilidade.
- Colheita de cana: 5 dicas para otimizar a sua: Enquanto o artigo principal ensina como proteger o colmo da cana, este explica como colhê-lo de forma eficiente para que o esforço no controle de pragas se converta em lucro. Ele aborda a redução de perdas e a proteção da soqueira contra danos mecânicos, conectando o manejo fitossanitário ao resultado econômico final da operação.
- Como plantar cana-de-açúcar para altas produtividades: Este artigo funciona como a base fundamental que precede o manejo de pragas. Ele detalha como estabelecer um canavial saudável desde o início, o que é o primeiro passo de um Manejo Integrado de Pragas eficaz. Cobre a escolha de mudas e o preparo do solo, criando um contexto agronômico essencial para que as estratégias de controle da broca sejam bem-sucedidas.
- Adubo para cana: principais recomendações para alta produtividade: O texto principal foca em proteger a planta de um ataque externo, enquanto este artigo foca em fortalecê-la de dentro para fora. A adubação correta torna a planta mais vigorosa e resiliente, complementando as táticas de controle ao adicionar a dimensão da nutrição vegetal, um pilar essencial do manejo integrado que ficou de fora do artigo principal.
- Plantação de cana-de-açúcar: Maior produtividade e ponto ótimo da renovação: Este artigo oferece a visão estratégica e financeira que encerra o ciclo de vida do canavial. A broca-da-cana causa danos cumulativos que diminuem a produtividade a cada corte, e este conteúdo ensina a calcular o ponto ótimo de renovação. Ele responde à pergunta econômica final: ‘quando os prejuízos causados por pragas e outros fatores tornam mais lucrativo começar de novo?’.