Armazenamento de Café: Como Preservar Qualidade e Valor da Safra

Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutorando em Produção Vegetal pela (ESALQ/USP). Especialista em Manejo e Produção de Culturas no Brasil.
Armazenamento de Café: Como Preservar Qualidade e Valor da Safra

A cultura do café é um pilar do agronegócio brasileiro, e o país se destaca como o maior produtor e exportador do mundo. No entanto, o preço que o produtor recebe depende muito da oferta e da demanda no mercado internacional, que muda constantemente.

É por isso que o armazenamento correto se torna uma ferramenta estratégica. Ele permite guardar o café para vender no melhor momento, controlar o preço e, principalmente, garantir a qualidade do produto. Para um armazenamento de sucesso, as condições ideais são claras: a temperatura deve ser mantida em torno de 20 °C, a umidade relativa do ar em 65%, e a umidade do grão precisa ficar entre 11% e 12%.

Neste artigo, vamos detalhar os aspectos mais importantes sobre o armazenamento de café, mostrando as melhores práticas e os problemas que você precisa evitar para proteger sua safra.

Por que o Armazenamento de Café é Tão Importante?

Guardar o café após a colheita é uma prática antiga, mas seus motivos continuam sendo fundamentais para a rentabilidade da fazenda. Entender essas razões ajuda a planejar melhor a estratégia de venda e a valorizar o produto.

  • Controle de Estoque: Ter o café armazenado dá ao setor maior poder de negociação. Se há muito café disponível no mercado (alta oferta), o preço tende a cair. Com um estoque bem gerenciado, é possível regular essa oferta e evitar quedas bruscas de preço.
  • Oportunidades de Negócio: O preço do café não depende apenas do estoque. Fatores como quebras de safra em outros países produtores podem criar janelas de oportunidade. Quem tem café de qualidade guardado pode aproveitar esses momentos para vender por um valor muito mais alto.
  • Manutenção da Qualidade: O consumidor está cada vez mais exigente com a qualidade da bebida. Não adianta fazer um manejo perfeito na lavoura e na colheita se a pós-colheita e o armazenamento forem malfeitos. Um armazenamento inadequado pode arruinar o sabor e o aroma, desvalorizando todo o trabalho do ano.
  • Bienalidade: Este é o nome dado ao comportamento natural do cafeeiro, que alterna um ano de alta produção com um ano de baixa produção. O armazenamento ajuda a equilibrar o mercado, garantindo que haja café disponível nos anos de safra menor e evitando excesso de produto nos anos de alta.

gráfico de linha que ilustra a evolução do preço da saca de 60 kg de café do tipo ‘bica corrida, tipo 6, be Indicador de preço do café arábica. Note como o armazenamento permite aguardar os melhores momentos de venda. (Fonte: Cepea/USP)

Em Quais Estágios o Café Pode Ser Armazenado?

Para entender as opções de armazenamento, primeiro precisamos conhecer as partes do fruto do café. Ele é composto por casca, polpa, pergaminho e a semente (o grão que usamos). Após a colheita e durante o beneficiamento do grão, o café pode ser guardado em três estágios diferentes:

a anatomia de um fruto de café, popularmente conhecido como cereja de café. São mostrados três frutos maduros, Anatomia do fruto de café (Fonte: O Fruto)

  1. Café em Coco: É o fruto inteiro que foi colhido e seco, ainda com a casca e a polpa. É o primeiro estágio após a secagem.
  2. Café em Pergaminho: Neste estágio, a casca e a polpa já foram removidas, mas o grão ainda está protegido por uma fina casca interna chamada pergaminho.
  3. Café em Grão (ou Grão Verde): É o grão final, já sem o pergaminho. Cada fruto do cafeeiro geralmente produz dois grãos.

Normalmente, o café em coco e o café em pergaminho são armazenados por períodos mais curtos na própria fazenda. Muitos produtores aguardam o fim da colheita para então finalizar o beneficiamento e enviar o café em grão para um armazenamento mais longo, seja na fazenda ou em cooperativas e armazéns especializados.

comparativo visual das três principais etapas do beneficiamento do café após a colheita e secagem. Da e Estágios do café que podem ser armazenados: em coco, em pergaminho e em grão. (Fonte: editado pelo autor de diversas fontes)

Tipos de Estruturas para Armazenamento de Café

Existem diferentes tipos de construção para guardar o café, cada uma com suas vantagens, desvantagens e indicações de uso. As mais comuns são as tulhas, os silos e os armazéns.

Tulhas

As tulhas são estruturas versáteis que podem ser feitas de metal, alvenaria ou madeira. Geralmente, são construídas perto do terreiro suspenso ou do secador para facilitar a logística.

A madeira é bastante utilizada por sua capacidade de manter a temperatura interna mais estável. As tulhas são ideais para armazenar café seco, seja em coco, pergaminho ou grão. O produto pode ser guardado a granel (solto) ou em sacaria. Normalmente, o café já beneficiado (em grão) é guardado em sacas, enquanto o café em coco e pergaminho fica a granel. A sacaria facilita o controle de lotes e o transporte, sem misturar cafés de qualidades diferentes.

Além de guardar, a tulha também serve como um local para o café “descansar” e homogeneizar a umidade após a secagem. A recomendação é que o café permaneça na tulha por pelo menos 30 dias.

Silos

Silos são estruturas verticais, geralmente de metal, projetadas para receber café a granel. Eles podem ser fixos ou móveis. Além dos silos de armazenamento, existem também os silos-secadores, que combinam as funções de secar e armazenar o café, otimizando o processo.

Armazéns

Os armazéns são grandes galpões, geralmente estruturas fixas projetadas para estocar cafés ensacados. A capacidade de um armazém pode variar muito, dependendo da necessidade do produtor ou da cooperativa. Além das construções de alvenaria, hoje existem opções modernas como galpões flexíveis de estrutura metálica ou de lona.

composição de três fotografias que ilustram diferentes métodos e escalas de armazenamento de produtos agrícola Diferentes estruturas de armazenamento: tulha (esquerda), silo (centro) e armazém (direita). (Fontes: Cafés Terra de Santana, Granfinale e Dinheiro Rural)

Construir um bom armazém para café em sacaria exige atenção a detalhes técnicos. De acordo com o Manual de segurança e qualidade para a cultura do café da Embrapa, os pontos essenciais são:

  • Portas: Devem ser bem posicionadas para facilitar a carga e descarga, de preferência uma de frente para a outra em paredes opostas.
  • Pé-direito: A altura do teto deve ser de no mínimo 5 metros.
  • Paredes: Lisas, sem vãos, e com cantos arredondados (“meia-cana”) junto ao piso para facilitar a limpeza e evitar acúmulo de sujeira.
  • Vedação: As paredes devem ser bem fechadas junto ao piso e à cobertura para evitar a entrada de animais (roedores, pássaros).
  • Ventilação: O armazém precisa ter aberturas laterais com telas de proteção e aberturas no teto (lanternins) para garantir uma boa circulação de ar.
  • Iluminação: O uso de telhas transparentes ajuda a aproveitar a luz natural, economizando energia.
  • Piso: Deve ser de concreto impermeável e construído pelo menos 40 cm acima do nível do solo para evitar umidade.
  • Marquises: Construir coberturas externas sobre as portas protege o café durante a carga e descarga em dias de chuva.
  • Segurança: É fundamental instalar um sistema de prevenção e combate a incêndios.

Estratégia de Armazenagem: Qual a Melhor Embalagem?

A escolha da embalagem é tão importante quanto a estrutura de armazenamento. As duas opções mais utilizadas no mercado são os sacos de juta e os big bags.

Sacos de Juta

São a embalagem mais tradicional para o café.

  • Vantagens: A fibra natural da juta permite uma boa ventilação dos grãos e causa menor impacto ambiental.
  • Desvantagens: São permeáveis, o que aumenta o risco de entrada de umidade e contaminação por microrganismos (patógenos) se o ambiente não for bem controlado.

Big Bags

Feitos de material plástico resistente, os big bags têm ganhado cada vez mais espaço.

  • Vantagens: São mais herméticos, o que protege melhor contra umidade e patógenos. Além disso, existem em vários tamanhos, permitindo armazenar grandes volumes de uma só vez.
  • Desvantagens: Por serem fechados, há o risco de condensação de água dentro da embalagem, o que pode deteriorar a qualidade do café se a umidade do grão não estiver perfeitamente controlada.

comparação visual clara entre dois tipos de embalagens amplamente utilizadas no setor agrícola. À esqu Comparativo entre a tradicional saca de juta e o moderno big bag. (Fontes: Mercado Livre e Rafitec)

A busca por embalagens melhores é constante. Uma inovação promissora são os sacos feitos de papel kraft especial. Desenvolvidos em parceria pela Klabin, a Universidade Federal de Lavras (UFLA) e a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), esses sacos impedem trocas de gases e umidade com o ambiente, mas ao mesmo tempo evitam a condensação interna, preservando ao máximo a qualidade do café.

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Quais Fatores Causam a Perda de Qualidade do Grão Armazenado?

Vários fatores podem prejudicar a qualidade do café durante o armazenamento. As principais características que se alteram são a composição química, a umidade, a textura do grão, e, consequentemente, o sabor e o aroma da bebida.

Para evitar esses problemas, o controle rigoroso dos seguintes fatores é essencial:

  • Temperatura do ambiente;
  • Umidade relativa do ar;
  • Umidade do grão;
  • Luminosidade (o ambiente deve ser escuro);
  • Presença de pragas de armazenamento (como o caruncho) e patógenos (fungos).

Uma curiosidade é que existe um novo nicho de mercado para cafés fermentados. Nesses casos, as condições de armazenamento são ajustadas de propósito para promover uma fermentação controlada, que cria sabores e aromas únicos e exóticos, agregando valor ao produto para um público específico.

planilha de controle de estoque

Conclusão

O armazenamento é uma etapa crítica e estratégica na cadeia do café. Um manejo correto nesta fase protege o investimento feito na lavoura e permite que produtores, cooperativas e empresas aproveitem as melhores oportunidades de mercado.

Neste artigo, vimos as principais características do armazenamento de café, as estruturas e embalagens mais usadas e as inovações disponíveis.

Lembre-se que a solução ideal de armazenamento depende do tipo e do tamanho da sua propriedade. Para tomar a melhor decisão, busque sempre o aconselhamento técnico de engenheiros-agrônomos, empresas especializadas ou representantes da sua cooperativa.


Glossário

  • Beneficiamento do grão: Conjunto de processos realizados após a secagem do café para prepará-lo para a comercialização. Envolve etapas como a remoção da casca (transformando café em coco para pergaminho) e a remoção do pergaminho (transformando em grão verde).

  • Bienalidade: Fenômeno natural do cafeeiro que causa uma alternância entre um ano de alta produção e um ano de baixa produção. O armazenamento ajuda a equilibrar a oferta de café no mercado entre esses ciclos.

  • BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais): Entidade que promove a qualidade dos cafés especiais do Brasil nos mercados nacional e internacional. Atua no desenvolvimento de pesquisas e na certificação de cafés de alta qualidade.

  • Café em Pergaminho: Estágio do beneficiamento em que o grão de café, já sem a casca e a polpa, ainda está protegido por uma fina película seca de cor amarelada. É uma forma comum de armazenamento intermediário na própria fazenda.

  • Patógenos: Microrganismos, como fungos e bactérias, capazes de deteriorar produtos agrícolas. No armazenamento de café, a umidade excessiva favorece o desenvolvimento de patógenos que comprometem o sabor e a segurança do grão.

  • Pé-direito: Termo técnico da construção que se refere à altura entre o piso e o teto de uma edificação. Em armazéns de café, um pé-direito alto (mínimo de 5 metros) é crucial para garantir boa ventilação e facilitar o empilhamento das sacas.

  • Pós-colheita: Refere-se a todas as etapas realizadas com o produto agrícola após a sua colheita. Para o café, isso inclui a lavagem, secagem, beneficiamento e, fundamentalmente, o armazenamento.

  • Quebra de safra: Redução significativa na produção agrícola esperada, geralmente causada por eventos climáticos adversos como seca ou geada. Uma quebra de safra em outros países produtores pode aumentar o preço internacional do café, beneficiando quem tem estoque.

Otimize sua estratégia: como a tecnologia ajuda na gestão do café

A decisão de quando vender o café armazenado é um dos maiores desafios do cafeicultor. Acompanhar a volatilidade do mercado é importante, mas a estratégia só se torna completa quando você conhece a fundo o seu custo de produção por saca. Sem esse número, é impossível saber se uma cotação oferece uma margem de lucro real. Além disso, gerenciar múltiplos lotes em diferentes estágios e locais de armazenamento exige um controle de estoque preciso para não perder oportunidades.

Um software de gestão agrícola como o Aegro centraliza essas informações, permitindo não só o cálculo automático do custo de produção, mas também um acompanhamento do estoque em tempo real. Com esses dados na palma da mão, sua decisão de venda deixa de ser um palpite e se torna uma ação estratégica e segura.

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Perguntas Frequentes

Quais são as condições ideais de temperatura e umidade para o armazenamento de café?

As condições ideais para preservar a qualidade do café são uma temperatura ambiente em torno de 20 °C e umidade relativa do ar de 65%. Além disso, é crucial que a umidade do próprio grão de café esteja estabilizada entre 11% e 12%. Manter esses três fatores controlados evita a proliferação de fungos e a degradação dos compostos que definem o sabor e o aroma da bebida.

Qual a principal diferença entre armazenar café em sacos de juta e em big bags?

A principal diferença está no material e na vedação. Os sacos de juta, feitos de fibra natural, permitem que os grãos ‘respirem’, mas são mais vulneráveis à umidade externa e contaminações. Já os big bags, de plástico, oferecem uma proteção muito maior contra umidade e patógenos, mas exigem um controle rigoroso da umidade do grão para evitar condensação interna, que pode estragar o café.

Por que o café precisa ‘descansar’ na tulha por pelo menos 30 dias após a secagem?

Esse período de descanso, ou ‘repouso’, é fundamental para a homogeneização da umidade dentro do lote de café. Após a secagem, a umidade pode não estar distribuída de forma uniforme entre os grãos. O repouso permite que essa umidade se equilibre, o que estabiliza a qualidade do grão, melhora o resultado do beneficiamento e contribui para um perfil de sabor mais consistente na xícara.

É melhor armazenar o café em coco, pergaminho ou como grão verde?

Cada estágio tem suas vantagens. Armazenar em coco ou pergaminho oferece uma camada de proteção natural extra ao grão, preservando melhor sua qualidade contra variações ambientais, sendo ideal para armazenamento na fazenda. Já o armazenamento como grão verde (beneficiado) é mais eficiente em termos de espaço e é o padrão para estocagem comercial em grandes armazéns e cooperativas.

Quais são os principais sinais de que o café armazenado está perdendo qualidade?

Os primeiros sinais de deterioração são geralmente sensoriais. Fique atento a cheiros de mofo, terra ou umidade excessiva no ambiente do armazém. Visualmente, a perda de qualidade pode ser notada pela alteração na cor dos grãos, que podem ficar amarelados ou manchados. Em uma prova de xícara, um café deteriorado apresentará sabores estranhos, adstringentes ou de papelão.

Para um pequeno produtor, qual a estrutura de armazenamento mais indicada para começar?

Para pequenos produtores, as tulhas são geralmente a opção mais versátil e com melhor custo-benefício. Elas podem ser construídas com materiais como madeira, que ajuda a manter a temperatura estável, e permitem armazenar volumes menores de café, tanto a granel (em coco ou pergaminho) quanto em sacaria. É uma solução eficiente para o descanso do café e armazenamento de curto a médio prazo na própria fazenda.

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