As pragas agrícolas são uma ameaça constante, capazes de causar perdas de até 40% na produtividade de uma lavoura. Para combater esse problema, a tecnologia Bt surgiu como uma verdadeira revolução na batalha entre pragas e culturas. No entanto, essa poderosa ferramenta corre um sério risco.
Hoje, cerca de 86% das áreas plantadas com grãos no Brasil já utilizam a tecnologia Bt. Para que ela continue funcionando, a lei exige o plantio de áreas de refúgio. Ignorar essa prática pode parecer um ganho no curto prazo, mas o custo no futuro será muito alto.
Neste artigo, vamos explicar de forma clara a importância da área de refúgio, como funciona a tecnologia Bt e o que você precisa fazer para preservar essa importante “arma” no controle de pragas.
O que são Áreas de Refúgio?
De forma simples, a área de refúgio é uma parte do seu talhão, cultivado com uma cultura Bt, que é semeada com sementes convencionais, ou seja, sem a tecnologia Bt. O objetivo é criar um local onde as pragas que não são resistentes à tecnologia possam sobreviver e se reproduzir.
A regra principal é que essa área de refúgio deve estar localizada a uma distância máxima de 800 metros da lavoura com tecnologia Bt.
Como o Refúgio Funciona na Prática?
A lógica é garantir o cruzamento entre os insetos. As pragas que por acaso se tornam resistentes na lavoura Bt irão cruzar com os insetos suscetíveis (vulneráveis) que vivem na área de refúgio. Esse cruzamento gera uma nova geração de insetos que, em sua maioria, não serão resistentes à tecnologia Bt.
Em outras palavras: O refúgio funciona como uma “fábrica” de insetos vulneráveis. Ele dilui a população de pragas resistentes, impedindo que elas dominem a lavoura e tornem a tecnologia Bt inútil.
A recomendação geral para o milho é ter 10% da área como refúgio com sementes não-Bt. (Fonte: Forseed Sementes)
É comum observar que, nos primeiros anos de uso das plantas Bt, o controle de pragas é altamente eficiente. Contudo, com o passar das safras, a eficiência do controle pode diminuir justamente pelo rápido aparecimento de insetos resistentes. É aí que o refúgio mostra seu valor.
Para que a estratégia funcione, é fundamental usar cultivares convencionais de ciclo parecido com as da lavoura Bt. Isso garante que as pragas estarão presentes e ativas nas duas áreas ao mesmo tempo, aumentando a chance de cruzamento.
Como Montar a Área de Refúgio?
A distribuição da área de refúgio deve ser feita de maneira uniforme, permitindo que as pragas das duas áreas se encontrem. Os modelos mais comuns são:
- Em faixas: Alternando faixas de lavoura Bt com faixas de refúgio.
- Em blocos: Destinando um bloco ou uma parte específica do talhão para o refúgio.
- Em bordadura: Plantando o refúgio ao redor do perímetro da lavoura principal.
Diferentes modelos para implementar a área de refúgio na sua fazenda. (Fonte: Corteva)
Qual o Tamanho Ideal da Área de Refúgio?
O percentual da área de refúgio varia conforme a cultura. As recomendações oficiais são:
- Milho: 10% da área total.
- Soja, Algodão e Cana-de-açúcar: 20% da área total.
O manejo na área de refúgio deve ser semelhante ao do restante da lavoura, mas com um cuidado especial: evite o uso excessivo de inseticidas. O objetivo é justamente garantir a sobrevivência dos insetos vulneráveis para que eles possam cruzar com os resistentes.
Afinal, o que é a Tecnologia Bt?
O termo Bt vem do nome da bactéria Bacillus thuringiensis, um microrganismo que vive naturalmente no solo. A grande vantagem dessa bactéria é que ela produz cristais de proteína com propriedades tóxicas para muitas pragas agrícolas, principalmente:
- Lagartas (ordem Lepidoptera)
- Moscas (ordem Diptera)
- Besouros (ordem Coleoptera)
Cientistas isolaram e estudaram essas toxinas, classificadas como Cry, Vip ou Cyt. Por meio da engenharia genética, eles conseguem inserir os genes responsáveis por produzir essas proteínas diretamente no DNA de plantas como a soja e o milho.
Diferentes proteínas Bt são usadas para combater pragas específicas em cada cultura. (Fonte: Corteva)
Uma das maiores vantagens dessas toxinas é o seu alto grau de especificidade. Isso significa que elas são tóxicas para as pragas-alvo, mas causam baixo ou nenhum dano a insetos benéficos, ao meio ambiente e a outros animais.
Como a Proteína Bt Age no Inseto?
Para que a tecnologia funcione, o inseto precisa se alimentar da planta Bt. O processo acontece da seguinte forma:
- Ingestão: A praga come uma parte da planta (folha, colmo, etc.) que contém a proteína Bt.
- Ativação: A proteína chega ao sistema digestório do inseto, que possui um pH alcalino. Esse ambiente ativa a toxina.
- Ação: Enzimas digestivas quebram a proteína, liberando a toxina ativa.
- Resultado: A toxina se liga às paredes do intestino do inseto, causando paralisia, rompimento e, por fim, a morte da praga.
Os benefícios são enormes, mas para que a tecnologia continue eficaz, as plantas Bt exigem um manejo cuidadoso e atento.
Quais os Riscos de Não Adotar a Área de Refúgio?
Assim como as plantas foram melhoradas geneticamente, as pragas também evoluem para sobreviver. A natureza sempre busca um caminho.
Se não utilizarmos o refúgio, selecionamos apenas os insetos mais fortes, que sobrevivem à tecnologia Bt. Eles se reproduzem entre si, e em poucas safras, teremos uma população inteiramente resistente, tornando a tecnologia ineficaz.
O grande problema é o ritmo dessa batalha:
- Desenvolvimento de novas tecnologias Bt: É um processo lento, que exige anos e anos de pesquisa e milhões em investimento.
- Desenvolvimento de resistência pelas pragas: Pode acontecer em apenas algumas safras.
Se perdermos as tecnologias Bt que temos hoje, ficaremos sem opções eficazes por muito tempo. Por isso, é fundamental adotar boas práticas, como o Manejo Integrado de Pragas (MIP) e, principalmente, o manejo de resistência de insetos.
Isso inclui:
- Ficar atento ao mecanismo de ação dos defensivos e realizar a rotação de produtos.
- Não fazer aplicação de inseticidas formulados à base da própria bactéria Bt na área total.
- Realizar um monitoramento rigoroso das pragas.
- Adotar a dessecação antecipada.
- Manter um bom controle de plantas daninhas, que podem hospedar pragas.
- Usar sementes certificadas e com tratamento adequado.
- Implementar a área de refúgio.
O refúgio é uma peça fundamental dentro de um bom programa de Manejo Integrado de Pragas (MIP). (Fonte: Corteva)
E o “Refúgio no Saco”? Por que não é Usado no Brasil?
Você talvez já tenha ouvido falar do “refúgio no saco” (ou RIB, Refuge in a Bag), uma técnica que consiste em misturar sementes convencionais com sementes Bt no mesmo saco. A ideia é garantir que o produtor plante o refúgio sem precisar separar as áreas.
Apesar de parecer prático, esse método não foi adotado no Brasil e enfrenta restrições em outros países por dois motivos principais:
Problemas Técnicos: Pesquisas mostram resultados conflitantes sobre a eficácia do RIB a longo prazo. A principal preocupação é a mobilidade das pragas. Insetos que se movem muito entre as plantas (comuns na soja e algodão) podem se alimentar de uma planta Bt e depois de uma planta de refúgio, o que acelera a resistência. Além disso, em culturas de polinização cruzada (como milho e algodão), o pólen da planta Bt pode fecundar a planta de refúgio, “contaminando-a” com o gene Bt e anulando o efeito do refúgio.
Problemas Burocráticos: No Brasil, a legislação exige uma clara diferenciação entre sementes convencionais e transgênicas, o que dificulta a comercialização de sacos misturados. Além disso, seria complicado definir um preço justo para um saco que contém uma porcentagem de sementes sem a tecnologia.
Resumindo, embora a ideia seja interessante, a ciência ainda não validou o “refúgio no saco” como uma solução segura. Portanto, a maneira legal e mais eficaz continua sendo a área de refúgio planejada e separada.
Conclusão: Proteger a Tecnologia é Proteger a Produtividade
A tecnologia Bt é uma ferramenta poderosa, mas não é uma solução definitiva. Ela tem um prazo de validade, e sem o manejo correto, esse prazo pode ser muito curto.
Na cultura do milho, já vimos na prática o que acontece: com o tempo, as sementes Bt foram perdendo eficácia contra um número crescente de pragas resistentes. Não podemos deixar que o mesmo aconteça em larga escala na soja e em outras culturas, onde o número de eventos Bt disponíveis ainda é mais limitado.
Adoção do Manejo Integrado de Pragas e, principalmente, o plantio correto da área de refúgio não são apenas recomendações: são estratégias essenciais para garantir o futuro da sua lavoura e as altas produtividades que sustentam o agronegócio brasileiro.
Glossário
Área de Refúgio: Porção da lavoura semeada com sementes convencionais (sem a tecnologia Bt), localizada próximo à cultura Bt. O objetivo é criar uma população de pragas vulneráveis que possam cruzar com as resistentes, retardando a perda de eficácia da tecnologia.
Bacillus thuringiensis (Bt): Bactéria encontrada naturalmente no solo que produz proteínas com ação inseticida. Seus genes são inseridos em plantas (como milho e soja) para que elas mesmas produzam essas proteínas e se defendam de pragas específicas.
Cry, Vip ou Cyt: Nomenclaturas que classificam os diferentes tipos de proteínas inseticidas produzidas pela bactéria Bacillus thuringiensis. Cada classe de proteína atua de forma específica contra determinados grupos de pragas, como lagartas ou besouros.
Manejo Integrado de Pragas (MIP): Estratégia de controle que utiliza um conjunto de táticas (monitoramento, controle biológico, rotação de defensivos, etc.) para manter as pragas abaixo do nível de dano econômico. O uso de áreas de refúgio é um pilar do MIP para culturas Bt.
Refúgio no Saco (RIB): Sigla para Refuge in a Bag, uma técnica onde sementes Bt e convencionais são misturadas no mesmo saco, visando facilitar a implementação do refúgio. Este método não é adotado no Brasil devido a questões técnicas e regulatórias.
Sementes Convencionais: Sementes que não foram geneticamente modificadas e, portanto, não possuem a tecnologia Bt. São utilizadas para plantar a área de refúgio, garantindo a sobrevivência de insetos suscetíveis.
Tecnologia Bt: Biotecnologia que consiste na inserção de genes da bactéria Bacillus thuringiensis no DNA de uma planta. Com isso, a planta passa a produzir proteínas tóxicas para suas pragas-alvo, funcionando como um inseticida embutido.
Como a tecnologia pode facilitar a gestão do refúgio?
Implementar o Manejo Integrado de Pragas e realizar um monitoramento rigoroso, como recomendado no artigo, exige organização e um registro preciso das informações coletadas no campo. Controlar o que acontece na área de refúgio versus a área com tecnologia Bt pode se tornar um desafio complexo, especialmente quando feito em planilhas ou cadernos de papel.
É aqui que a gestão digital faz a diferença.
Um software agrícola como o Aegro centraliza todas as operações, simplificando o registro de monitoramentos de pragas e o planejamento de atividades. Com ele, você pode registrar infestações diretamente pelo celular, no campo, e agendar pulverizações de forma mais estratégica, garantindo que o manejo na área de refúgio seja feito corretamente, sem comprometer a população de insetos suscetíveis.
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Perguntas Frequentes
Qual a função exata de uma área de refúgio e por que ela é tão importante para a lavoura Bt?
A área de refúgio funciona como um criadouro para pragas que são vulneráveis (suscetíveis) à tecnologia Bt. Esses insetos se acasalam com os poucos insetos resistentes que sobrevivem na lavoura Bt, gerando descendentes que, em sua maioria, não são resistentes. Essa prática dilui a característica de resistência na população de pragas, garantindo que a tecnologia Bt continue eficaz por mais safras.
O que acontece se eu não implementar a área de refúgio na minha propriedade?
Sem a área de refúgio, apenas os insetos naturalmente resistentes à tecnologia Bt sobrevivem e se reproduzem. Em poucas safras, a população inteira da praga se torna resistente, tornando a tecnologia Bt ineficaz. Isso resulta na perda de uma ferramenta valiosa de controle e pode levar a maiores custos com defensivos e perdas de produtividade.
Posso aplicar inseticidas na minha área de refúgio?
O uso de inseticidas na área de refúgio deve ser evitado ou feito com extremo critério. O objetivo principal do refúgio é manter uma população de insetos suscetíveis viva. A aplicação de inseticidas, especialmente os de amplo espectro ou à base da própria bactéria Bt, eliminaria esses insetos, anulando o propósito da estratégia de manejo de resistência.
Qual a principal diferença entre a tecnologia Bt e a aplicação de um inseticida convencional?
A tecnologia Bt faz com que a própria planta produza uma proteína específica que é tóxica apenas para determinados grupos de pragas-alvo quando ingerida. Já um inseticida convencional é um produto químico aplicado externamente sobre a lavoura, que muitas vezes possui um espectro de ação mais amplo, podendo afetar também insetos benéficos e exigir reaplicações.
Por que o método ‘refúgio no saco’ (RIB) não é utilizado no Brasil?
O ‘refúgio no saco’ não é adotado no Brasil por duas razões principais. Tecnicamente, há preocupações de que a proximidade entre plantas Bt e convencionais acelere a resistência em pragas muito móveis ou por polinização cruzada. Além disso, existem barreiras burocráticas e legais no país que dificultam a comercialização de sementes transgênicas e convencionais misturadas.
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