Nos últimos 15 anos, a produção de algodão no Brasil deu um salto impressionante, passando de 1 milhão de toneladas para quase 3 milhões na safra 2019/20. Esse avanço se deve, em grande parte, a duas frentes: o desenvolvimento de sementes melhores (melhoramento genético) e técnicas de manejo mais eficientes na lavoura.
Dentro do manejo, a adubação correta é um dos pilares para o sucesso. As variedades de algodão com alto potencial produtivo são mais sensíveis a qualquer tipo de estresse, como a falta de água ou ataques de pragas. Uma nutrição balanceada funciona como um escudo, ajudando a planta a superar essas condições desfavoráveis e expressar todo o seu potencial.
Neste guia, vamos detalhar as exigências nutricionais do algodoeiro, como fazer a correção do solo e a forma mais eficiente de planejar a adubação para o algodão.
Exigências Nutricionais do Algodão
A planta de algodão tem um crescimento inicial lento. O ritmo de acúmulo de nutrientes só aumenta de verdade a partir dos 25 dias após o plantio. O ponto de maior demanda, ou o pico de absorção, acontece entre o surgimento do primeiro botão floral e a abertura da primeira flor.
Para se ter uma ideia da intensidade desse período, durante a fase de florescimento máximo, a planta absorve cerca de um terço de todo o potássio que precisa em apenas 14 dias. Isso mostra que qualquer falta de nutrientes nessas épocas-chave pode derrubar a produtividade da lavoura.
De forma geral, podemos dizer que aproximadamente 60% de todos os nutrientes são absorvidos no intervalo entre o início do florescimento e a formação dos capulhos.
Acúmulo de matéria seca (A) e de nutrientes (B) pelo algodoeiro. Observe como a curva de absorção se torna muito mais íngreme após o início do florescimento.
(Fonte: Embrapa, 2006)
Níveis Ideais de Fósforo e Potássio no Solo
A interpretação dos níveis de fósforo (P) e potássio (K) no solo depende muito da textura (teor de argila) e da CTC do solo.
Para entender melhor: A CTC (Capacidade de Troca de Cátions) é a medida da capacidade do solo de reter nutrientes essenciais para as plantas. Solos com maior CTC funcionam como uma “caixa d’água” de nutrientes maior.
De maneira geral, os teores ideais são:
- Fósforo (P): Entre
15 mg/dm³
(solos argilosos) e20 mg/dm³
(solos arenosos). - Potássio (K): Entre
30 mg/dm³
(solos com CTC < 4 cmolc/dm³) e50 mg/dm³
(solos com CTC > 4 cmolc/dm³).
O Desafio do Sistema Radicular do Algodão
O algodoeiro não desenvolve um sistema radicular muito extenso. Isso acontece porque seu período vegetativo é curto (40-45 dias), que é justamente o principal momento para o crescimento das raízes.
Durante essa fase inicial, as raízes têm pouca competição por energia com a parte aérea da planta. No entanto, quando começa a fase reprodutiva, as flores e os frutos se tornam “drenos” mais fortes, ou seja, exigem a maior parte da energia (fotoassimilados) produzida pelas folhas. Como resultado, a taxa de crescimento das raízes diminui drasticamente.
Correção do Solo: O Alicerce da Produtividade
Um dos principais fatores que limitam a produtividade do algodão é a acidez do solo. A cultura é muito sensível ao alumínio tóxico, e como já vimos, seu sistema radicular é limitado. Por isso, corrigir o solo não é opcional, é fundamental.
As duas técnicas essenciais para preparar o terreno são a calagem, para corrigir o pH do solo, e a gessagem, para neutralizar o alumínio em camadas mais profundas.
Cálculo da Necessidade de Calagem (NC)
A fórmula mais utilizada para calcular a quantidade de calcário é a do método da saturação por bases:
NC (t/ha) = (V2 - V1) x CTC / 100 x f
Onde:
- NC: Necessidade de Calagem, em toneladas por hectare.
- V2: Saturação por bases desejada para a cultura. Para o algodoeiro, o ideal é 60%.
- V1: Saturação por bases atual do seu solo, calculada pela fórmula:
(SB / CTC) x 100
. - CTC: Capacidade de Troca de Cátions do solo a pH 7,0 (SB + H+ + Al3+), em cmolc/dm³.
- SB: Soma de bases trocáveis (Ca²+ + Mg²+ + K+), em cmolc/dm³.
- f: Fator de correção do PRNT do calcário, calculado como
100 / PRNT
. - PRNT: Poder Relativo de Neutralização Total, um valor que indica a qualidade do calcário.
Dica Prática: Como o algodão é uma planta exigente em magnésio, dê preferência ao calcário dolomítico ou magnesiano sempre que o teor de Mg no solo for menor que
1 cmolc/dm³
.
Lembre-se que o calcário precisa de água para reagir no solo. Por isso, o ideal é realizar a calagem cerca de 30 dias antes da semeadura, aproveitando as chuvas desse período.
Critérios para Gessagem
A aplicação de gesso agrícola é recomendada quando a análise de solo das camadas mais profundas (de 20 cm a 40 cm ou de 40 cm a 60 cm) apresentar uma das seguintes condições:
- Cálcio (Ca): Teor inferior a
0,5 cmolc/dm³
. - Alumínio (Al): Teor superior a
0,5 cmolc/dm³
. - Saturação por Alumínio (m%): Superior a
30%
.
Uma fórmula simples para um cálculo rápido da dose de gesso é multiplicar a porcentagem de argila do solo por 50.
Exemplo: Para um solo com 50% de argila, a dose recomendada seria de no máximo 2.500 kg/ha
de gesso (50 x 50 = 2.500).
Épocas de Adubação do Algodão
A adubação do algodoeiro pode ser dividida em 3 momentos principais: pré-plantio, plantio e cobertura.
- Adubação pré-plantio: Geralmente feita a lanço, facilita a operação de semeadura, tornando-a mais rápida e eficiente. É uma prática comum para aplicar o fósforo.
- Adubação de plantio: Realizada no sulco de semeadura, colocando os nutrientes próximos às sementes.
- Adubação de cobertura: Feita após a emergência das plantas para suprir a demanda nas fases de maior crescimento.
Para nitrogênio e potássio, a estratégia mais segura é combinar a adubação de plantio com o parcelamento em cobertura. Os gráficos abaixo, da Embrapa, ilustram como diferentes estratégias impactam a produtividade.
Produtividade de algodão em caroço em função de doses e época de aplicação de potássio. (Fonte: Embrapa, 2005)
Produtividade de algodão em caroço em função de doses e épocas de aplicação de nitrogênio. (Fonte: Embrapa, 2005)
É importante notar que a eficácia da adubação pré-plantio, especialmente para N e K, depende muito da qualidade do solo. Solos que ainda precisam de correção de acidez e de nutrientes podem não responder bem a essa antecipação.
Recomendações de Adubação para Algodão
As recomendações de adubação devem sempre considerar dois fatores principais: a condição atual do solo (o que já tem disponível) e a exportação de nutrientes pela cultura (o que a planta vai retirar).
Com base nisso, existem duas abordagens:
- Adubação de Correção: Visa elevar os teores de nutrientes do solo para o nível ideal, além de repor o que a planta vai consumir. É focada em corrigir a fertilidade em todo o perfil do solo.
- Adubação de Manutenção: Focada apenas em repor os nutrientes que serão exportados pela colheita, para manter os níveis de fertilidade já existentes.
Embora a adubação de manutenção pareça a mais lógica, ela pode não ser suficiente se os níveis de nutrientes no solo já estiverem abaixo do ideal.
Para nosso exemplo de cálculo, vamos usar a adubação de manutenção, com base na exportação média de nutrientes por tonelada de algodão em caroço.
Exportação média de nutrientes para produção de uma tonelada e simulação para uma produção de 4.500 kg/ha de algodão em caroço (300 arrobas). (Fonte: Embrapa, 2014)
Exemplo de Cálculo Prático
Vamos simular o cálculo para uma meta de produtividade de 300 arrobas/ha (4.500 kg/ha
):
Fósforo (P₂O₅):
- A tabela mostra uma demanda de
54 kg/ha
de P₂O₅. - Se usarmos o adubo Supersimples, que tem 18% de P₂O₅, o cálculo é:
54 / 0,18 = 300 kg/ha
. - Resultado: Serão necessários 300 kg/ha de Supersimples.
- A tabela mostra uma demanda de
Nitrogênio (N):
- A demanda de N é de
153 kg/ha
. - Usando Ureia, que tem 45% de N, o cálculo é:
153 / 0,45 = 340 kg/ha
. - Resultado: Serão necessários 340 kg/ha de Ureia, que devem ser parcelados em cobertura.
- A demanda de N é de
Atenção! Ao fazer a adubação no sulco de plantio, nunca ultrapasse a dose máxima de 50 kg/ha de K₂O (Cloreto de Potássio) e 50 kg/ha de N (Nitrogênio). Doses maiores podem causar queima nas raízes das plântulas devido ao efeito salino.
Conclusão
A adubação é uma das etapas mais decisivas para o sucesso de uma lavoura de algodão. Definir a dose, a fonte, a época e o local de aplicação é essencial para acertar no manejo e garantir que a planta expresse todo o seu potencial produtivo.
Lembre-se sempre destes pontos-chave:
- Fertilidade do solo é a base: Monitore e mantenha os níveis de nutrientes adequados para a cultura.
- O tempo é tudo: Um manejo correto, feito no momento certo, faz toda a diferença.
- Observe a lavoura: Fique atento aos sinais das plantas e às condições do ambiente. Como diz o ditado, “o olho do dono é que engorda o boi” – e garante uma safra de algodão mais rentável.
Glossário
Calagem: Prática de aplicar calcário no solo para corrigir a acidez (aumentar o pH). É um passo fundamental para culturas sensíveis ao alumínio tóxico, como o algodão, pois melhora a disponibilidade de nutrientes.
cmolc/dm³ (centimol de carga por decímetro cúbico): Unidade de medida padrão em análises de solo para expressar a CTC e a quantidade de nutrientes como cálcio, magnésio e potássio. Quanto maior o valor da CTC, maior a capacidade do solo de reter esses nutrientes.
CTC (Capacidade de Troca de Cátions): Mede a capacidade do solo de reter e disponibilizar nutrientes essenciais para as plantas. Solos com CTC alta funcionam como uma “caixa d’água” de nutrientes maior e mais eficiente.
Efeito salino: Dano causado às raízes das plantas pelo excesso de sais provenientes de fertilizantes, especialmente quando aplicados em altas doses perto das sementes. Pode “queimar” as raízes e prejudicar a germinação.
Exportação de nutrientes: Quantidade de nutrientes que a cultura retira do solo e que é removida da área durante a colheita. Este valor é a base para calcular a adubação de manutenção, visando repor o que foi extraído.
Gessagem: Aplicação de gesso agrícola para neutralizar o alumínio tóxico em camadas mais profundas do solo (abaixo de 20 cm). Diferente da calagem, a gessagem melhora o ambiente para que as raízes cresçam em profundidade.
PRNT (Poder Relativo de Neutralização Total): Um índice que mede a qualidade e a eficiência do calcário em corrigir a acidez do solo. Um PRNT mais alto indica um produto de maior reatividade e poder de correção.
Saturação por bases (V%): Indica a porcentagem da CTC do solo que está ocupada por nutrientes benéficos (cálcio, magnésio e potássio). É um dos principais indicadores de fertilidade do solo, usado para calcular a necessidade de calagem.
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Como vimos, o manejo da adubação do algodão é uma operação detalhada, que vai desde os cálculos de calagem até o parcelamento preciso das aplicações. Garantir que cada talhão receba a dose correta no momento certo, enquanto se controla os altos custos com fertilizantes, é um desafio constante. Gerenciar tudo isso em planilhas ou no papel aumenta o risco de erros e dificulta a análise de rentabilidade.
Ferramentas de gestão agrícola como o Aegro foram desenvolvidas para simplificar esse processo. Com ele, você pode planejar todas as atividades de adubação da safra, registrar as recomendações agronômicas e acompanhar a execução no campo em tempo real. Além disso, o software automatiza o controle de estoque de insumos e calcula o custo de produção por hectare, fornecendo relatórios claros que ajudam a entender o impacto de cada investimento na lucratividade final.
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Perguntas Frequentes
Qual é o momento mais crítico para a adubação do algodão e por quê?
O momento mais crítico ocorre entre o surgimento do primeiro botão floral e a abertura da primeira flor. Nesta fase, a planta atinge seu pico de absorção, demandando uma grande quantidade de nutrientes em um curto espaço de tempo. Uma deficiência nutricional nesse período pode comprometer drasticamente o potencial produtivo da lavoura.
Qual a diferença principal entre calagem e gessagem na preparação do solo para o algodão?
A calagem serve para corrigir a acidez (aumentar o pH) na camada arável do solo (0-20 cm), melhorando a disponibilidade geral de nutrientes. Já a gessagem atua em camadas mais profundas para neutralizar o alumínio tóxico, permitindo que o sistema radicular limitado do algodoeiro se desenvolva em profundidade, buscando mais água e nutrientes, sem alterar significativamente o pH.
Posso aplicar todo o nitrogênio e potássio no sulco de plantio para otimizar a operação?
Não, essa prática é arriscada. Doses elevadas de nitrogênio e potássio aplicadas no sulco (acima de 50 kg/ha de N e 50 kg/ha de K₂O) podem causar o ’efeito salino’, que queima as raízes jovens e prejudica a germinação. A estratégia mais segura e eficiente é aplicar uma parte no plantio e parcelar o restante em adubações de cobertura.
Por que o algodoeiro é tão sensível à acidez do solo?
A sensibilidade do algodoeiro à acidez está ligada à presença de alumínio tóxico, que inibe o crescimento das raízes. Como a cultura já possui um sistema radicular naturalmente curto e pouco agressivo, qualquer fator que limite seu desenvolvimento, como a acidez, restringe severamente a capacidade da planta de absorver água e nutrientes, impactando diretamente a produtividade.
Meu solo tem baixo teor de magnésio. Qual tipo de calcário devo usar?
Nesse caso, a melhor opção é utilizar calcário dolomítico ou magnesiano. Ambos são ricos em magnésio, além de cálcio, e corrigirão a acidez do solo ao mesmo tempo em que fornecem esse nutriente essencial para o algodoeiro. O artigo recomenda essa escolha sempre que o teor de magnésio no solo for inferior a 1 cmolc/dm³.
Devo usar a adubação de manutenção ou de correção?
A escolha depende da sua análise de solo. Se os níveis de nutrientes já estão na faixa ideal, a adubação de manutenção (que repõe apenas o que a colheita exporta) é suficiente. No entanto, se os níveis estiverem abaixo do ideal, a adubação de correção é necessária para elevar a fertilidade do solo e garantir que a planta tenha acesso a tudo que precisa.
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- Entenda porque você precisa saber sobre a CTC do seu solo: Este artigo aprofunda o conceito de CTC (Capacidade de Troca de Cátions), que é mencionado diversas vezes no guia principal como um fator crítico para a calagem e a disponibilidade de nutrientes. Ele oferece a base teórica essencial para que o leitor entenda por que as práticas de correção e adubação funcionam, agregando um conhecimento fundamental que transcende a cultura do algodão.
- Calagem: Guia completo de uso e cálculos: O artigo principal identifica a calagem como uma etapa fundamental e obrigatória. Este guia completo sobre o tema é o aprofundamento perfeito, detalhando os diferentes tipos de calcário e métodos de cálculo que não são abordados no texto base. Ele transforma uma recomendação importante em um plano de ação detalhado e seguro para o produtor.
- Veja como e quando é feita a adubação de cobertura: Enquanto o artigo principal recomenda o parcelamento de N e K em cobertura, este candidato explica detalhadamente o ‘como’ e o ‘porquê’ dessa prática. Ele explora a mobilidade dos nutrientes no solo e as razões técnicas para o parcelamento, enriquecendo a recomendação inicial com um conhecimento estratégico aplicável a outras culturas da fazenda.
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